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Turquia

Eventos de 2019

Apoiadores e parentes do defensor de direitos humanos Osman Kavala e 15 outros que enfrentam processo judicial por supostamente organizarem protestos do Gezi Park de 2013, em frente ao tribunal da Prisão Silivri, Istambul, 24 de junho de 2019. Milhares de pessoas são detidas arbitrariamente por denúncias de terrorismo no vasto complexo prisional.

© 2019 Hüseyin Aldemir/Reuters

A Turquia está enfrentando uma profunda crise de direitos humanos nos últimos quatro anos, com uma erosão dramática do estado de direito e estrutura democrática. Enquanto a consolidação do poder sem freios do presidente Recep Tayyip Erdoğan continuava, as eleições locais em 31 de março de 2019 viram seu Partido da Justiça e Desenvolvimento, aliado à extrema direita, perder nas principais cidades como Istambul e Ancara, apesar de conquistar 51% dos votos em todo o país. O candidato da oposição, Ekrem İmamoğlu, aumentou massivamente sua estreita vitória em Istambul, em uma reprise em 23 de junho, da eleição controversamente autorizada pelo Conselho Superior de Eleições, sem motivos legítimos.

O controle por parte do executivo e a influência política sobre o judiciário na Turquia levaram os tribunais a aceitarem sistematicamente acusações falsas, detendo e condenando, sem provas convincentes, indivíduos por atividades criminosas e grupos que o governo de Erdogan considera oponentes políticos. Entre eles estão jornalistas, políticos da oposição, ativistas e defensores dos direitos humanos. O maior grupo eram pessoas supostamente ligadas ao movimento dirigido pelo clérigo muçulmano sunita Fethullah Gülen, com sede nos EUA, a quem o governo acusa de planejar a tentativa de golpe de julho de 2016.

Em 9 de outubro, após a retirada das tropas dos EUA da região, a Turquia invadiu o território no nordeste da Síria, auxiliada por atores não estatais sírios. A Turquia justificou como objetivo principal remover as forças e a administração curdas que controlavam a área com base na estreita ligação delas com o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), com o qual a Turquia tem um conflito de décadas (ver o capítulo Síria).

Após o estado de emergência

Poderes e práticas restritivas que terminaram em julho de 2018 fizeram decair o histórico de direitos humanos da Turquia.

Denúncias de terrorismo continuaram sendo amplamente mal utilizadas no terceiro ano após a tentativa de golpe. Em julho de 2019, dados do Ministério da Justiça informavam que 69.259 pessoas estavam sendo julgadas e 155.560 pessoas ainda estavam sob investigação criminal por terrorismo em casos relacionados ao movimento Gülen, que o governo da Turquia chama de Organização Terrorista Fethullahista (FETÖ) e considera uma organização terrorista. Desses, 29.487 foram mantidos presos preventivamente ou após condenação. Estima-se que 8.500 pessoas - incluindo políticos eleitos e jornalistas - estão presas sob prisão preventiva ou após condenação por supostos vínculos com o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK / KCK) e muitos mais estão sendo julgados, mas em liberdade, embora dados oficiais não puderam ser obtidos.

Restrições severas ao direito de reunião na Turquia aconteceram logo após os governadores provinciais receberem poderes extras em julho de 2018 para restringir a movimentação e as assembléias em suas províncias, citando preocupações vagas de ordem pública e segurança. Isso afetou desproporcionalmente as manifestações no sudeste da Turquia e as assembléias, principalmente curdas, de grupos de lésbicas, gays, bissexuais ou transgêneros (LGBT), em todo o país.

Até 25 de outubro de 2019, a comissão, criada em 2017 para revisar as demissões em massa de funcionários públicos durante o estado de emergência, havia proferido decisões em 92.000 casos (com 8.100 restabelecidos em seus empregos ou medidas semelhantes de reparação) e com outros 34.200 casos a serem revisados. Os recursos prosseguem lentamente por meio de dois tribunais administrativos de Ancara.

Os julgamentos de militares e outros envolvidos na tentativa de golpe de julho de 2016, na qual 250 pessoas morreram, continuaram. Até julho, 3.611 réus haviam sido condenados e 2.608 absolvidos, segundo dados do Ministério da Justiça. O Tribunal de Cassação começou a proferir decisões em alguns casos e muitos recursos estão pendentes.

O pacote de emendas para a reforma judicial de Erdoğan, adotado pelo parlamento em outubro alterou várias leis, mas foi genérico e vago demais para oferecer esperanças de medidas genuínas para resolver as deficiências profundas e perversas do sistema de justiça da Turquia.

Liberdade de Expressão, Associação e Assembléia

Estima-se que 119 jornalistas e outros profissionais de imprensa estejam detidos esperando julgamento ou cumprindo sentenças por ofensas como "espalhar propaganda terrorista" e "pertencer a uma organização terrorista". Centenas de outros estão enfrentando processos judiciais, embora não estejam presos. A maioria da mídia, incluindo a televisão, está em conformidade com a linha política da presidência de Erdogan.

Apesar de uma decisão da Suprema Corte de Cassação anular as condenações de 13 jornalistas e executivos do diário Cumhuriyet, em um novo julgamento em novembro, um tribunal inferior de Istambul desafiou a corte suprema ao condená-los mais uma vez por "ajudar e favorecer organizações terroristas". O tribunal de Istambul emitiu as mesmas sentenças conforme seu primeiro julgamento, variando de quase quatro anos a mais de oito anos de prisão, mas desta vez absolveu o jornalista Kadri Gürsel. Todos os homens estão em liberdade depois de passar longos períodos na prisão. Eles estão apelando contra as condenações.

Depois de ser condenado e sentenciado a dez anos e seis meses de prisão por “ajudar e favorecer uma organização terrorista”, em seu novo julgamento em novembro, o escritor Ahmet Altan foi primeiro libertado de uma prisão preventiva que já durava mais de três anos e, uma semana depois, foi preso novamente depois que um tribunal de Istambul reverteu a decisão. Todo o processo contra Altan foi arbitrário e demonstra forte interferência política do executivo.

Jornalistas que trabalham para a mídia curda na Turquia continuam, de forma desproporcional, sendo alvo, existindo severas restrições às reportagens críticas vindas do sudeste do país.

Um regulamento de agosto vincula a transmissão comum da Internet à autoridade oficial de regulamentação da mídia da Turquia, o Supremo Conselho de Rádio e Televisão (RTÜK), e significa que as transmissões de notícias via YouTube, plataformas como Netflix, transmissão de mídia social via Periscope e outras plataformas, estarão sujeitas à inspeção e às sanções da RTÜK, como a suspensão do conteúdo, se se considerar que violaram as leis da Turquia. As empresas de emissão de conteúdo na Internet devem obter licenças para transmissão na Turquia, mesmo que operem do exterior e a violação das leis pode resultar em sua suspensão. Grupos de direitos humanos temem que o novo regulamento possa resultar em mais censura a notícias online e outros conteúdos.

As autoridades continuam a bloquear sites e ordenar a remoção de conteúdo on-line, enquanto milhares de pessoas na Turquia enfrentam investigações criminais, processos e condenações por seus posts nas redes sociais. Houve um aumento dramático no número de processos e condenações sob a acusação de "insultar o presidente" desde a primeira eleição de Erdoğan como presidente em 2014. A Wikipédia permanece bloqueada na Turquia desde abril de 2017.

Em julho, o Tribunal Constitucional decidiu que os direitos dos acadêmicos que assinaram uma petição de janeiro de 2016 foram violados. Os processos abertos contra 822 acadêmicos resultaram em centenas de condenações por "espalhar propaganda terrorista" por criticarem as operações militares do governo no sudeste e exigir um processo de paz. A decisão do Tribunal Constitucional levou à absolvição dos acadêmicos.

Um tribunal de Istambul condenou o presidente do Partido Popular Republicano (CHP), Canan Kaftancıoğlu, em Istambul, por denúncias incluindo a de insultar o presidente, a uma sentença de nove anos e oito meses de prisão por postagens nas redes sociais de 2012 a 2017. A condenação estava sob apelação no momento de elaboração deste relatório, mas, se mantida, poderia resultar na proibição de que ela participe de atividades políticas e prisão. O caso contra Kaftancıoğlu faz parte de um padrão de assédio a políticos da oposição.

Defensores dos direitos humanos

O ataque aos defensores de direitos humanos aumentou com a abertura de um processo judicial em junho contra o empresário e líder cívico Osman Kavala. Kavala está detido preventivamente desde novembro de 2017. Juntamente com outras 15 pessoas envolvidas em ativismo pacífico e nas artes, ele é acusado de organizar e financiar os protestos em massa do Parque Gezi de 2013 em Istambul. Sem apresentar evidências de atividade criminosa, a acusação contra os 16 ativistas também difama o filantropo residente nos EUA George Soros e afirma que ele planejou os protestos de Gezi. O defensor de direitos humanos Yiğit Aksakoğlu, detido desde novembro de 2018, foi libertado na audiência de junho. O processo continuava no momento de elaboração deste relatório.

O julgamento de nove proeminentes defensores de direitos da Turquia e dois cidadãos estrangeiros continuou. Todos foram detidos e acusados em 2017 por crimes de terrorismo. Entre eles estão o presidente honorário da Anistia Internacional da Turquia, Taner Kılıç, que passou mais de um ano em detenção, e o ex-diretor İdil Eser.

Processos e condenações de advogados, incluindo alguns focados em direitos humanos, destacaram-se como exemplo do uso abusivo de acusações de terrorismo. Em março, um tribunal de Istambul condenou o advogado de Ancara Selcuk Kozağaçlı, presidente da Associação de Advogados Contemporâneos, que foi fechada, sob a acusação de pertencer a uma organização armada, a uma sentença de prisão de mais de 11 anos, juntamente com outros 11 advogados. Seus casos estavam sob apelação no momento de elaboração deste relatório.

Até o momento, não houve nenhuma investigação efetiva sobre o assassinato a tiros em 28 de novembro de 2015 do advogado de direitos humanos Tahir Elçi.

Em abril, um tribunal de Ancara suspendeu a proibição genérica do governador de Ancara em vigor desde novembro de 2017 em relação à realização de eventos públicos por parte de de grupos de defesa de direitos de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT). No entanto, a proibição de realização de eventos na cidade e em outras cidades da Turquia continua ocorrendo de forma sistemática, demonstrando uma abordagem repressiva dos direitos LGBT. A marcha anual do Orgulho Gay em Istambul foi proibida pelo quinto ano, e outras marchas do Orgulho Gay em cidades como Antalya e Izmir também foram proibidas.

A polícia usou gás lacrimogêneo para dispersar ativistas de direitos das mulheres que compareceram à manifestação do Dia Internacional da Mulher de Istambul em 8 de março para protestar contra o problema endêmico da violência contra mulheres na Turquia.

Tortura e maus-tratos em custódia, sequestros

Um aumento nas alegações de tortura, maus-tratos e tratamentos cruéis e desumanos ou degradantes sob custódia policial e prisão nos últimos quatro anos atrasou o progresso anterior da Turquia nesta área. Os alvos incluem curdos, pessoas de esquerda e supostos seguidores de Fethullah Gülen. Promotores não conduzem investigações significativas sobre tais alegações e há uma cultura generalizada de impunidade para membros das forças de segurança e funcionários públicos envolvidos.

O Comitê Europeu para a Prevenção da Tortura (CPT) realizou duas visitas a centros de detenção na Turquia desde a tentativa de golpe, uma em maio de 2019, embora o governo turco não tenha dado permissão à publicação de relatórios de qualquer uma das visitas.

Houve sequestros de seis homens em fevereiro e um em agosto, em circunstâncias que constituem possíveis desaparecimentos forçados por agentes do Estado, com seis sob custódia da polícia meses depois e posteriormente em prisão preventiva, mas impedidos de ver advogados enviados pelas famílias.

As autoridades turcas continuaram buscando a extradição de supostos apoiadores de Gülen, muitos deles professores, de países ao redor do mundo. Os países que atenderam às solicitações da Turquia ignoraram os procedimentos legais e a revisão judicial. Os que foram extraditados ilegalmente foram detidos e processados quando retornaram à Turquia.

Conflito curdo e repressão à oposição

Os confrontos armados esporádicos entre os militares e o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) no sudeste continuaram até 2019, principalmente nas áreas rurais. Mais uma vez, o governo de Erdoğan se recusou a fazer uma distinção entre o PKK e o Partido Democrático dos Povos (HDP), eleito democraticamente, que conquistou 11,9% dos votos nacionais nas últimas eleições parlamentares.

Em agosto, o Ministério do Interior retirou do cargo os prefeitos do HDP dos municípios maiores de Diyarbakır, Van e Mardin, recém eleitos pela maioria dos votos nas eleições locais de 31 de março, acusando-os de vínculos com o terrorismo com base em investigações e processos criminais em andamento. No lugar dos prefeitos escolhidos pelos eleitores, o Ministério do Interior nomeou governadores provinciais como "interventores" para administrar os municípios e dissolveu o conselho local, suspendendo assim a democracia local em cada cidade. Nos meses seguintes, a remoção de outros prefeitos eleitos de HDP nos distritos da região continuou com 24 removidos no momento da elaboração deste relatório e 14, incluindo o prefeito de Diyarbakir, Adnan Selçuk Mızraklı, preso durante uma investigação e processo judicial.

Os casos contra políticos de HDP fornecem a mais forte evidência de que as autoridades instauram processos criminais e usam a detenção de má-fé e para fins políticos. A Turquia não cumpriu uma decisão do Tribunal Europeu para os Direitos Humanos de 2018 determinando a libertação do ex-co-presidente do HDP, Selahattin Demirtaş, e apelou à Grande Câmara do Tribunal. Três dias após a audiência na Grande Câmara de setembro, o Presidente Erdoğan declarou que não deixaria Demirtaş ou seu copresidente Figen Yüksekdağ sair da prisão. Espera-se que o Tribunal Europeu se pronuncie no primeiro semestre de 2020.

Refugiados e Migrantes

A Turquia abriga o maior número de refugiados do mundo, cerca de 3,7 milhões da Síria. A Turquia também recebe solicitações de refúgio de cidadãos do Afeganistão, Iraque e outros países. O governador de Istambul anunciou em julho que sírios e outros não registrados em Istambul seriam transferidos para outras províncias. As autoridades turcas deportaram ilegalmente alguns sírios de Istambul e de outras províncias para a Síria, inclusive depois de coagir alguns deles por violência, ameaças verbais e ameaça de detenção indefinida a assinar formulários de retorno voluntário. A fronteira com a Síria permanece fechada para novos solicitantes de refúgio. O presidente Erdoğan afirmou repetidamente que os sírios na Turquia devem ser reassentados em uma zona segura no nordeste da Síria.

Principais atores internacionais

O relacionamento político da Turquia com a União Europeia e os estados membros da UE permanece limitado, apesar de manter seu objetivo declarado de aderir à UE. A UE reconheceu o clima negativo na Turquia em várias declarações e em seu relatório de progresso de maio. Ela condenou a incursão militar da Turquia no nordeste da Síria, enquanto prioriza seu foco em seu acordo de migração com a Turquia. Em junho, o Conselho da UE observou que "a Turquia tem se afastado da União Europeia".

As relações EUA-Turquia diminuíram ainda mais com a aquisição da Turquia em 2019 de mísseis russos S-400, um desenvolvimento sem precedentes para um Estado membro da OTAN. Permanecem tensões sobre outros aspectos, como a incursão militar de outubro da Turquia no nordeste da Síria; um processo judicial abusivo da Turquia contra três funcionários consulares dos EUA que são cidadãos turcos, um dos quais permaneceu detido; e a presença em solo americano de Fethullah Gülen.

O Tribunal Europeu de Direitos Humanos decidiu em abril que o ex-membro do tribunal constitucional Alpaslan Altan havia sido injustamente privado de sua liberdade porque havia uma falta de suspeita razoável para justificar sua prisão inicial após a tentativa de golpe de julho de 2016. Em uma decisão de setembro relevante para muitos presos mantidos longe de suas famílias, o Tribunal Europeu considerou que a transferência para prisões distantes constituía uma violação do direito ao respeito pela vida privada e familiar.