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Relatório Mundial 2016: México

Eventos de 2015

Durante o governo do presidente Enrique Peña Nieto, as forças de segurança mexicanas se envolveram em graves e repetidas violações dos direitos humanos - incluindo execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados e tortura - em operações de combate ao crime organizado. O governo fez pouco progresso nos esforços para processar criminalmente os responsáveis pelos abusos cometidos recentemente, e menos ainda na responsabilização do grande número de abusos cometidos por soldados e policiais desde que o ex-presidente Felipe Calderón (2006-2012) iniciou a "guerra às drogas" no México.

Em setembro de 2015, um grupo de especialistas independentes, estabelecido por meio de um acordo entre o governo mexicano e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), expôs graves falhas nas investigações conduzidas pelo governo sobre o desaparecimento forçado de 43 estudantes em Ayotzinapa, no estado de Guerrero, além de refutar as conclusões produzidas pela Procuradoria-Geral da República e pedir às autoridades que assumam novas linhas de investigação. O governo concordou, posteriormente, em estender o mandato do grupo para monitorar as investigações por mais seis meses. Até a elaboração deste relatório, mais de um ano depois dos desaparecimentos, o paradeiro de pelo menos 41 estudantes permanece desconhecido.

Outros problemas recorrentes incluem restrições à liberdade de imprensa e limitações ao acesso a direitos reprodutivos e assistência médica.

Desaparecimentos Forçados

Desde 2006, as forças de segurança do México participaram de frequentes casos de desaparecimentos forçados.

Em agosto de 2014, o governo admitiu publicamente que o paradeiro de mais de 22.000 pessoas desaparecidas desde 2006 continua desconhecido. O número já aumentou para mais de 25.500, de acordo com o Registro Nacional de Pessoas Desaparecidas, estabelecido por lei em 2012. Promotores e policiais rotineiramente fracassam em conduzir medidas investigativas básicas para identificar os responsáveis, muitas vezes dizendo às famílias dos desaparecidos que investiguem o caso por conta própria.

Somente dois dos 43 estudantes que desaparecerem em setembro de 2014, em Ayotzinapa, no estado de Guerrero, foram identificados em meio aos restos mortais que a Procuradoria-Geral do país afirma ter encontrado. Até agosto de 2015, mais de 100 pessoas foram acusadas por seu suposto envolvimento com o incidente, mas ninguém havia sido condenado até a elaboração deste relatório.

Em setembro, o grupo de especialistas da CIDH convocado para avaliar a resposta do governo ao incidente emitiu seu relatório final, concluindo que a investigação foi prejudicada por falhas processuais e possível destruição de provas essenciais.

O governo federal conduziu iniciativas potencialmente promissoras para encontrar pessoas desaparecidas, mas elas foram pouco efetivas. Em 2013, uma unidade foi criada na Procuradoria-Geral para investigar desaparecimentos. Ao serem consultadas em agosto, autoridades da Procuradoria-Geral declararam não conhecer um único caso em que alguém tenha sido condenado por desaparecimento forçado cometido de 2007 em diante.

Em abril, o Congresso mexicano aprovou uma reforma constitucional que exige que o legislativo federal aprove leis gerais sobre tortura e desaparecimento forçado, que estabelecerão definições nacionais únicas para cada crime e facilitarão seu julgamento nos 31 estados e na Cidade do México.

Execuções Extrajudiciais

Execuções extrajudiciais de civis por parte das forças de segurança mexicanas "continuam a ocorrer em números alarmantes" em meio a uma atmosfera de "impunidade endêmica e sistemática", declarou em 2014 o relator especial das Nações Unidas para execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias.

Em janeiro de 2015, pelo menos oito civis foram mortos em Apatzingán, no estado de Michoacán, após a polícia federal dispersar uma manifestação envolvendo grupos de autodefesa cidadã. Testemunhas relataram que a polícia federal abriu fogo contra civis desarmados, atirou na cabeça de duas pessoas que estavam deitadas no chão à procura de abrigo, e então posicionaram armas junto a seus corpos. Até a elaboração deste relatório, uma investigação federal sobre o ocorrido estava em curso.

Em maio, um tiroteio entre policiais federais e civis em Tanhuato, estado de Michoacán, deixou 42 civis e um policial mortos. Embora o Comissário Geral da Polícia Federal tenha declarado à imprensa que os policiais agiram em legítima defesa contra tiros por parte dos civis, a Human Rights Watch recebeu relatos de que pelo menos quatro pessoas teriam sido vítimas de execuções extrajudiciais após o fim do confronto. Promotores federais abriram investigações sobre o incidente apenas três meses depois do ocorrido.

Abusos Militares e Impunidade

O México depende fortemente de suas forças armadas para combater a violência e o crime organizado relacionados às drogas, o que levou a violações generalizadas dos direitos humanos por parte de militares. Desde 2006, a Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH) recebeu cerca de 9.000 denúncias de abusos cometidos por militares do exército - incluindo mais de 1.700 ocorridos durante o atual governo - e emitiu relatórios sobre mais de 100 casos nos quais a comissão verificou que militares do exército haviam cometido graves violações dos direitos humanos.

Em 2014, o Congresso reformou o Código de Justiça Militar, que passou a exigir que os abusos cometidos por militares contra civis sejam processados pelo sistema de justiça civil, e não pela justiça militar, que historicamente tem fracassado em responsabilizar militares pelos abusos cometidos por eles. De acordo com a reforma, os abusos cometidos por militares contra outros soldados permanecem sob competência da justiça militar.

Até a elaboração deste relatório, nenhum militar havia sido condenado pela morte de 22 civis nas mãos de soldados em Tlatlaya, estado de México, em novembro de 2014. Relatos de testemunhas e um relatório da CNDH indicaram que pelo menos 12 civis foram vítimas de execuções extrajudiciais por parte dos soldados. De acordo com a CNDH, promotores da Procuradoria Geral de Justiça do estado de México buscaram acobertar os crimes de militares usando de tortura para obter falsos depoimentos das testemunhas.

No estado de Zacatecas, três soldados e um coronel foram presos, em julho, pelo desaparecimento de sete pessoas que depois foram encontradas mortas. Os quatro foram acusados por sete casos de homicídio e desaparecimento forçado, e serão julgados no sistema de justiça comum.

Tortura

A tortura é amplamente praticada no México para obter confissões forçadas e extrair informações. Ela é mais frequentemente aplicada no espaço de tempo entre a prisão arbitrária das vítimas e o momento em que elas são apresentadas ao Ministério Público – período no qual são frequentemente mantidas incomunicáveis em bases militares ou centros ilegais de detenção.

Técnicas comuns de tortura incluem espancamentos, simulações de afogamento, choques elétricos e abusos sexuais. Em 2014, a Procuradoria-Geral da República recebeu mais de 2.400 denúncias de tortura, mais que o dobro do registrado em 2013 (1.165). Apesar da proibição constitucional do uso de provas obtidas por meio de tortura, alguns juízes continuam a desconsiderar denúncias de tortura e a aceitar confissões alegadamente obtidas sob coerção.

Sistema de Justiça Criminal

O sistema de justiça criminal rotineiramente fracassa na garantia de justiça às vítimas de crimes violentos e violações dos direitos humanos. As causas desse fracasso incluem corrupção, treinamento e recursos inadequados e a cumplicidade dos promotores e defensores públicos para com criminosos e autoridades abusivas.

Em 2008, o México aprovou uma reforma constitucional para transformar seu sistema de justiça inquisitivo e escrito em um sistema acusatório e oral até 2016. A implementação da reforma tem sido vagarosa. Em agosto, o novo sistema oral estava completamente em operação - tanto no nível federal quanto estadual - em apenas dois estados mexicanos.

Em 2013, entrou em vigor no país a Lei Geral de Vítimas, que tem o intuito de garantir justiça, proteção e reparações às vítimas de crimes. Até agosto de 2015, o distrito federal e 9 dos 31 estados ainda não haviam implementado leis em conformidade com a Lei de Vítimas. Apenas 10 estados haviam criado uma comissão estadual de vítimas, e apenas cinco delas estavam em plena operação.

Em abril, a Suprema Corte do país determinou que o arraigo - que permite que promotores, por meio de autorização judicial, mantenham detidos os suspeitos de participação no crime organizado, antes de serem formalmente acusados, por até 80 dias- é constitucional em casos de "crimes graves", conforme definido pela legislação mexicana.

Grupos de Autodefesa

O fracasso das forças de segurança em cumprir seu papel contribuiu para a emergência de grupos armados de autodefesa dos cidadãos em várias partes do país.

Após surgirem preocupações sobre as intervenções não reguladas de alguns grupos em ações de segurança, diversos grupos de autodefesa do estado de Michoacán assinaram um acordo com o governo, em 2014, que estipulava que seus membros deveriam registrar suas armas e serem incorporados às forças de segurança locais. Até a elaboração deste relatório, não havia avaliação independente sobre se o acordo estava sendo implementado, nem se seus termos estavam em conformidade com os requisitos exigidos pela legislação mexicana para a seleção de membros das forças de segurança.

Ataques contra Jornalistas e Defensores dos Direitos Humanos

Diversos jornalistas, em especial aqueles que reportam sobre crimes ou criticam autoridades, enfrentam frequentes perseguições e ataques. De acordo com a Procuradoria Especial de Atenção aos Delitos cometidos contra a Liberdade de Expressão, 103 jornalistas foram assassinados e 25 desapareceram no México entre 2000 e outubro de 2015.

Em 2012, o México promulgou uma lei para proteger defensores dos direitos humanos e jornalistas que resultou na criação de um mecanismo nacional de proteção. Medidas de proteção, no entanto, têm ou chegado tarde demais ou sido insuficientes em alguns casos. Até a elaboração deste relatório, as autoridades ainda não haviam acusado formalmente nenhum indivíduo por seu suposto envolvimento com ameaças ou ataques contra defensores dos direitos humanos.

As autoridades, em geral, não investigam adequadamente os crimes contra jornalistas, muitas vezes desconsiderando desde o princípio sua profissão como possível motivação dos crimes. A CNDH divulgou, em 2014, que 89 por cento dos crimes contra jornalistas no México acabam impunes. Até outubro, a Procuradoria Especial conduzia 303 investigações sobre crimes contra jornalistas e veículos de comunicação, e havia apresentado acusações formais em apenas 21 casos.

Em agosto, o fotojornalista Ruben Espinosa foi encontrado morto em um apartamento na Cidade do México, juntamente com quatro vítimas mulheres, incluindo a defensora dos direitos humanos Nadia Dominique Vera Perez. Todos haviam sido torturados antes de serem executados com um único tiro na cabeça, de acordo com relatos da imprensa.

Espinosa havia fugido de Veracruz, o estado com o maior número combinado de assassinatos e desaparecimentos de jornalistas no México. Até a elaboração deste relatório, a investigação do episódio estava sendo conduzida por autoridades locais, em vez da Procuradoria Especial.

Jornalistas são frequentemente forçados à autocensura por ataques conduzidos por agentes do governo ou grupos criminosos. A fraca regulamentação sobre os gastos de publicidade do governo também pode limitar a liberdade de expressão ao dar a agentes do governo influência financeira desproporcional sobre veículos de comunicação.

Direitos de Mulheres e Meninas

As leis mexicanas não protegem adequadamente mulheres e meninas contra a violência doméstica e sexual. Algumas disposições, incluindo aquelas que tornam mais severas as penas para alguns crimes sexuais à "castidade" da vítima, contradizem padrões internacionais.

Em 2008, a Suprema Corte confirmou a constitucionalidade de uma lei da Cidade do México que legalizou o aborto realizado durante as primeiras 12 semanas de gestação. Nenhum outro estado possui leis que permitem o aborto voluntário. 

Em 2010, a Suprema Corte determinou que todos os estados estão obrigados a oferecer contraceptivos de emergência e acesso ao aborto para vítimas de estupro. Na prática, porém, muitas mulheres e meninas enfrentam obstáculos significativos para obter um aborto após sofrerem violência sexual, incluindo o recebimento de informações imprecisas e a intimidação por parte de autoridades.

Orientação Sexual e Identidade de Gênero

O casamento entre pessoas do mesmo sexo é legal na Cidade do México desde 2010, e foi legalizado nos estados de Coahuila e Quintana Roo. Em junho, a Suprema Corte determinou que a definição de casamento como sendo restrita a união entre um homem e uma mulher constitui discriminação e viola a constituição mexicana, o que abriu as portas para o reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo em todos os 31 estados do México.

Cuidados Paliativos

O governo mexicano tomou uma série de medidas importantes para implementar medidas legais que garantem o acesso a cuidados paliativos para doentes terminais. Em junho, foi introduzido um novo sistema de prescrição e distribuição de analgésicos potentes que melhorará significativamente os cuidados médicos para pessoas com doenças em estágio avançado. Até a publicação deste relatório, 29 dos 31 estados possuíam pelo menos uma instituição de saúde que oferece cuidados paliativos, um aumento em relação aos 24 registrados em 2014.

Apesar desses avanços significativos, ainda há desafios, incluindo o baixo número de instituições que oferecem cuidados paliativos: em muitos estados, apenas um hospital o faz, deixando a maior parte dos pacientes sem acesso a cuidados paliativos nas proximidades ou em suas residências.

Direitos das Pessoas com Deficiência

Uma investigação conduzida em janeiro pela organização Disability Rights International revelou que mulheres mexicanas com deficiências psicossociais correm grandes riscos de terem seus direitos reprodutivos negados - em alguns casos, clínicas de saúde públicas na Cidade do México pressionaram essas mulheres para que fossem esterilizadas ou realizassem abortos.

Em julho, um relatório da Disability Rights International expôs as condições desumanas de instituições para pessoas com deficiência financiadas pelo governo da Cidade do México. Uma dessas instituições abriga crianças com deficiência em jaulas. Apesar de uma "lista negra" do governo que expõe instituições consideradas abusivas ou em péssimas condições, elas continuam a operar e a receber financiamento do governo. O Ministério do Desenvolvimento Social ordenou a proibição imediata de medidas de imobilização e uso grades em leitos.

Principais Atores Internacionais

Desde 2007, os Estados Unidos destinaram mais de US$ 2 bilhões em ajuda ao México por meio da Iniciativa Mérida de combate ao crime organizado. Quinze por cento de porções selecionadas da ajuda só podem ser pagos depois que o Secretário de Estado dos EUA confirmar que o governo mexicano está atendendo a requisitos de garantia dos direitos humanos. Em uma decisão sem precedentes, o Departamento de Estado norte-americano anunciou, em outubro, que congelou o pagamento de US$ 5 milhões alocados para a Iniciativa Mérida por não poder confirmar que o México havia cumprido com os critérios de direitos humanos.

Em março, o Grupo de Especialistas Independentes nomeado pela CIDH começou a oferecer ajuda técnica para auxiliar na busca pelos estudantes desaparecidos de Ayotzinapa. Em outubro, o governo e a CIDH assinaram um acordo para estender o mandato do grupo por mais seis meses.

O Comitê das Nações Unidas sobre Desaparecimentos Forçados concluiu, em fevereiro, que existe um “contexto generalizado” de desaparecimentos no México, muitos dos quais podem ser considerados desaparecimentos forçados. O comitê expressou preocupação com os "sérios desafios" que o México enfrenta em relação à prevenção, investigação e condução dos processos judiciais para os casos de desaparecimentos forçados.

Em março, o relator especial das Nações Unidas para a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes apresentou um relatório em que afirma que "a tortura é generalizada no México", e que os responsáveis raramente são responsabilizados criminalmente. O governo Peña Nieto respondeu acusando publicamente o relator especial de ser "irresponsável e pouco ético".