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Moçambique: Vítimas do Ciclone Forçadas a Trocar Sexo por Comida

Líderes das Comunidades Exploram Mulheres Vulneráveis

  Um rapaz observa a distribuição da ajuda alimentar na aldeia remota de Bopira, em Moçambique, no dia 6 de abril de 2019. © 2019 AP Photo/Cara Anna

As autoridades de Moçambique devem investigar com urgência a alegada exploração sexual de vítimas do Ciclone Idai por oficiais locais, e mover as devidas ações judiciais contra os mesmos, anunciou hoje a Human Rights Watch. A fome e a destruição causadas pelo ciclone deixaram centenas de milhares de mulheres vulneráveis a abusos.

Vítimas, residentes e trabalhadores de ajuda humanitária revelaram à Human Rights Watch que líderes das comunidades locais, alguns dos quais ligados ao partido no poder, Frelimo, estão a extorquir dinheiro às vítimas do ciclone em troca da inclusão de nomes na lista de distribuição de ajuda humanitária. Em alguns casos, mulheres que não tinham dinheiro para pagar o valor exigido foram coagidas a ter relações sexuais com os líderes locais em troca de um saco de arroz.

"A exploração sexual de mulheres que estão em luta para alimentar as suas famílias após o Ciclone Idai é revoltante e cruel e deve ser imediatamente travada", disse Dewa Mavhinga, Diretor da Human Rights Watch na África Austral. "As autoridades devem investigar de imediato as denúncias de casos de mulheres coagidas a trocar relações sexuais por comida e punir adequadamente qualquer pessoa que se sirva da sua posição de poder para explorar e abusar de mulheres."

Em 14 de Março de 2019, o Ciclone Tropical Idai atingiu a costa moçambicana perto da cidade da Beira, trazendo chuvas fortes que submergiram aldeias inteiras nas províncias de Manica, Sofala e Zambézia, devido à subida das águas. Dezenas de milhares de pessoas foram deslocadas das suas casas e, segundo as Nações Unidas, mais de 1,85 milhões de pessoas, a maioria das quais são mulheres e crianças, precisam urgentemente de assistência.

O Programa Mundial de Ajuda Alimentar da ONU disse que conseguiu prestar assistência alimentar a um milhão de pessoas, em coordenação com o governo e o Instituto Nacional de Gestão de Calamidades, mas são muitas as pessoas que ainda não receberam qualquer assistência. A agência nacional distribui pacotes de ajuda alimentar em coordenação com as autoridades locais com base numa lista de beneficiários compilada pelos líderes das comunidades, incluindo administradores e secretários de bairro.

A líder de uma comunidade local em Tica, distrito de Nhamatanda, explicou à Human Rights Watch que, em alguns casos, quando o acesso por estrada é impossível, os líderes das comunidades locais são os responsáveis por armazenar os alimentos e distribuí-los semanalmente às famílias. A líder explicou que “como a comida não é suficiente para todos”, alguns dos líderes locais têm explorado a situação extorquindo as pessoas em troca de incluírem os seus nomes nas listas de distribuição.

Uma trabalhadora de ajuda humanitária disse que é frequente as listas de distribuição só incluírem os nomes das cabeças de família do sexo masculino e excluírem as famílias encabeçadas por mulheres. “Em algumas aldeias, há mulheres e crianças que não veem comida há semanas”, revelou. “Estão dispostas a fazer o que quer que seja por comida, incluindo dormir com os homens encarregues da distribuição de alimentos.”

Outra trabalhadora de ajuda humanitária disse que a sua organização internacional recebeu denúncias de abusos sexuais de mulheres não apenas nas aldeias, mas também nos campos para deslocados internos. Explicou ainda que a sua organização está a monitorizar a situação e a dar formação para sensibilizar as mulheres e capacitá-las para denunciarem qualquer caso de exploração ou abuso sexual.

Em 18 de Abril, a Human Rights Watch falou ao telefone com três mulheres na vila de Mbimbir, distrito de Nhamatanda, onde a ajuda humanitária só chegou em 5 de Abril, porque a área ficou inacessível por estrada devido as inundações. Todas elas disseram ter sido coagidas pelas autoridades locais a trocar relações sexuais por ajuda alimentar. Uma mulher disse que esteve semanas a lutar para alimentar os filhos com milho molhado e fruta que ia conseguindo encontrar à medida que o solo ia secando.

Contou que quando a distribuição de alimentos começou no dia 6 de Abril, um homem conhecido localmente como sendo secretário da Frelimo, que ficara encarregue de supervisionar a lista de distribuição, lhe disse que o seu nome não estava na lista. Disse-lhe para ir para casa e ficar à espera, que ele iria ter com ela mais tarde “para a ajudar, se ela o ajudasse também”. Explicou que o homem apareceu à noite com um saco de arroz, um saco de farinha de milho e um quilo de feijão. “Quando ele chegou, pousou os sacos no chão e começou a tocar naquilo [pénis] e a dizer que estava na hora de lhe agradecer”, revelou. “Mandei os meus filhos para casa da minha amiga. E quando eles saíram, dormi com ele.

Outra mulher, com quatro filhos, disse que o único nome da família na lista era o do seu pai e que a comida que lhe estava atribuída não era suficiente para alimentar a família de 17 pessoas. A mulher foi falar com um dos líderes da comunidade, que se ofereceu para ajudar. “Ele disse que me podia ajudar se eu tratasse bem dele”, contou. “Combinámos uma altura para nos encontrarmos e fazer aquilo [ter relações sexuais]. Quando acabámos, ele só me deu um quilo de feijão. Quando reclamei, ele disse-me: “Amanhã há mais.”

Em 22 de Abril, a Human Rights Watch conversou com duas jovens mulheres do distrito de Nhamatanda que alegaram ter sido coagidas a ter relações sexuais em troca da inclusão dos seus nomes na lista de distribuição de alimentos por um líder local de Tica, que já estivera envolvido em abusos semelhantes. Ambas as mulheres se recusaram a fornecer mais detalhes, por receio de represálias. Uma das mulheres disse que foram repreendidas por um oficial local “por terem falado sobre o assunto”.

Um oficial da comunidade disse à Human Rights Watch que o administrador do posto de Tica convocou o líder envolvido nas atividades de exploração sexual para interrogatório mas não foi movida nenhuma ação disciplinar contra o mesmo. Outro líder local no distrito de Nhamatanda confirmou que os líderes da comunidade se reuniram com o homem e que este negou as alegações.

Os princípios das Nações Unidas que regem os deslocamentos internos estipulam que os deslocados internos “têm o direito de solicitar e receber proteção e assistência humanitária” das autoridades e “não devem ser perseguidos ou punidos por fazerem tal  pedido.” Quem prestar assistência tem de respeitar “os direitos humanos dos deslocados internos e tomar medidas adequadas”.

É fundamental que o governo moçambicano adote urgentemente medidas para prevenir a exploração sexual e o abuso das vítimas do ciclone e criar um ambiente no qual as mulheres possam fazer-se ouvir e denunciar os abusos, disse a Human Rights Watch. É importante que os parceiros internacionais, em particular a ONU, garantam uma vigilância mais apertada da conduta das autoridades locais durante a distribuição da ajuda humanitária.

“As autoridades moçambicanas têm a obrigação de garantir que todos recebem a proteção de que necessitam nesta situação, incluindo mulheres vulneráveis que correm risco de exploração e abuso sexual”, disse Mavhinga. “A ajuda humanitária de emergência deve ser dada livremente a todas as pessoas necessitadas e o governo, juntamente com os prestadores de ajuda, deve garantir que a distribuição de ajuda nunca é utilizada como uma oportunidade para cometer abusos.”

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