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A Amazônia e seus defensores sob ataque por madeireiros ilegais

O assassinato de um guardião florestal indígena é apenas o mais recente episódio em um padrão de impunidade com consequências muito além das fronteiras do Brasil.

Publicado em: Foreign Policy

Eýy Cy, de 31 anos, segura seu filho na aldeia Governador, Terra Indígena Governador, no estado do Maranhão, em junho de 2018. O povo Pyhcop Catiji da terra indígena criou um grupo de "guardiões da floresta" que patrulha a mata para detectar extração ilegal de madeira. © 2018 Brent Stirton/Getty Images para HRW
Três quartos da floresta tropical original no Maranhão se foram, substituídos principalmente por fazendas de gado. Um dos poucos trechos remanescentes fica na terra indígena Araribóia, uma área maior que o estado americano de Rhode Island, que abriga mais de 10.000 indígenas Tenetehara e cerca de 40 indígenas Awá isolados.

No entanto, há anos madeireiros têm invadido Araribóia, levando destruição e violência a este território.

Os repetidos ataques verbais do presidente Jair Bolsonaro a defensores ambientais têm sido música para os ouvidos das redes criminosas que são responsáveis por grande parte da destruição da Amazônia. Essas redes usam tratores para abrir ramais em terras públicas ou terras indígenas, e assim extrair a madeira mais valiosa. Se não forem impedidos, eles eventualmente removerão toda a vegetação, deixarão secar e queimarão o terreno para abrir espaço para pastagem e plantações. Para proteger seus negócios, repeditas vezes eles ameaçaram, atacaram e até mataram aqueles que tentam detê-los, incluindo lideranças indígenas, pequenos agricultores e agentes públicos.

Em 1º de novembro, cinco homens armados, que os indígenas Tenetehara acreditam serem madeireiros, armaram uma emboscada para dois homens Tenetehara, Kwahu e Tainaky, perto da aldeia de Lagoa Comprida. Os homens mataram Kwahu e feriram Tainaky nas costas e no braço, mas ele sobreviveu. Tainaky é o nome Tenetehara de Laércio Souza Silva. O nome não indígena de Kwahu é Paulo Paulino Guajajara, também conhecido como “Lobo”.

Houve muitos sinais de alerta para uma tragédia como essa. No ano passado, procuradores federais instauraram uma ação civil pública contra os governos federal e estadual para forçá-los a apresentar um plano de combate à extração ilegal de madeira e de proteção dos indígenas em Araribóia. Mas as autoridades falharam em elaborar qualquer plano como resposta. Eu visitei Araribóia em 2017 e em 2018 e documentei dezenas de casos de intimidação e ameaças por parte de madeireiros. Eles ficaram furiosos com o fato de os Tenetehara terem formado patrulhas que chamam de Wazayzar ("guardiões da cultura"), também conhecidos como "guardiões da floresta". Os guardiões são membros da comunidade que monitoram o território em grupos de até 15 indivíduos, alguns equipados com aparelhos de GPS, para que possam identificar locais de desmatamento ilegal. Os dois indígenas Tenetehara atacados em 1º de novembro eram guardiões da floresta.

As lideranças em Araribóia me disseram que criaram as patrulhas por causa do fracasso das autoridades em proteger a floresta. Até mesmo agentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) me contaram que os esforços do governo eram insuficientes. Em 2009, o IBAMA empregava 1.600 fiscais, mas uma década depois possui apenas 780 em todo o país. No Maranhão, um estado do tamanho da Itália, o IBAMA tinha apenas nove fiscais em 2018 para monitorar crimes ambientais de todos os tipos, não apenas desmatamento ilegal.

Nos últimos anos, vendo-se sem proteção do Estado, outros povos indígenas do estado do Maranhão seguiram o exemplo dos Tenetehara de Araribóia – também chamados Guajajara – e organizaram grupos semelhantes de guardiões da floresta. "Não deveríamos estar fazendo isso", me disse Iracadju Ka'apor, uma liderança do povo indígena Ka'apor. "[Isso] é competência do governo federal e estadual, mas como eles não fazem [protegem a floresta], hoje quem fazemos somos nós".

Desde janeiro, quando Bolsonaro assumiu a presidência, a situação apenas piorou, contaram os guardiões da floresta. "Agora os madeireiros não têm medo", Tainaky havia me dito em abril. “O governo os incentiva a entrar no território indígena”.

Bolsonaro enfraqueceu o IBAMA, que ele chama de "uma indústria de multas". O governo reduziu o orçamento do órgão e criou procedimentos que atrasarão o pagamento de multas por aqueles que foram identificados como responsáveis pelo desmatamento ilegal. Em 1º de novembro, o presidente sugeriu que os agentes do IBAMA "que bloqueiam o progresso" deveriam ser enviados para “a ponta da praia”, em referência a uma instalação militar que ficou conhecida durante a ditadura militar brasileira como um local onde as forças armadas executavam sumariamente presos políticos.

Ataques contra defensores da floresta amazônica contribuíram para ampliar uma crise ambiental. O desmatamento já vinha aumentando desde 2012, atingindo mais de 7.500 quilômetros quadrados em 2018. Dados preliminares mostram que o desmatamento quase dobrou de janeiro a setembro, em comparação com o mesmo período do ano passado. Cientistas temem que o desmatamento descontrolado e o aumento das temperaturas possam levar a Amazônia a um ponto a partir do qual ela será incapaz de produzir chuva suficiente para se sustentar e começará a se degradar, liberando grandes quantidades de dióxido de carbono e agravando o aquecimento global. Os defensores da floresta desempenham um papel crucial na prevenção do colapso do ecossistema, fornecendo às autoridades informações sobre as atividades madeireiras ilegais. Mas fazer isso os coloca em risco.

Mais de 300 pessoas foram mortas durante a última década em decorrência de conflitos pelo uso da terra e recursos naturais da Amazônia, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), organismo ligado à Igreja Católica que mantém um registro detalhado dos casos. Muitas delas foram assassinadas por madeireiros, segundo a CPT. As autoridades brasileiras nem sequer compilam essas informações. Das 300 mortes, apenas 14 foram a julgamento.

Ninguém foi responsabilizado pelas mortes de 16 indígenas desde 2015 nas quatro comunidades que visitei no Maranhão, incluindo a terra indígena Araribóia. As lideranças indígenas acreditam que pelo menos metade das mortes foi resultado de represálias de madeireiros ao seu trabalho de proteção do meio ambiente.

O governo brasileiro precisa quebrar esse recorde de impunidade e adotar medidas urgentes para desmantelar as redes criminosas que colocam em risco a floresta tropical e as pessoas que a defendem. Enquanto a violência continuar sem controle, o mesmo ocorrerá com a destruição da Amazônia, cuja preservação é crucial para o esforço mundial de mitigar as mudanças climáticas.

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