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Brasil: Bolsonaro precisa combater a criminalidade dentro dos limites da legalidade

Medidas iniciais preocupantes incluem plano para “supervisionar” grupos da sociedade civil

Parentes choram durante funeral da vereadora Marielle Franco, assassinada na noite anterior por dois agressores não identificados no Rio de Janeiro, na quinta-feira, 15 de março de 2018. A polícia disse que a vereadora de 38 anos, conhecida por seu trabalho social nas favelas, foi morta por atiradores que sabiam exatamente onde ela estava sentada no carro, cujas janelas tinham insulfilme. © 2018 Leo Correa/AP Photo
(São Paulo) - O presidente Jair Bolsonaro deve tratar a crise de segurança pública que engole o Brasil por meio de medidas que reduzam o crime e, ao mesmo tempo, respeitem os direitos humanos, afirmou a Human Rights Watch em seu Relatório Mundial 2019.

José Miguel Vivanco, diretor para as Américas da Human Rights Watch, se encontrou nesta semana com integrantes da administração do Bolsonaro para discutir preocupações de direitos humanos no Brasil. Essas autoridades incluíram o ministro da Justiça Sérgio Moro, o ministro da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto dos Santos Cruz e a ministra de direitos humanos Damares Alves.

"Os brasileiros, com razão, estão fartos da alta taxa de criminalidade no país", disse Vivanco. "Mas encorajar a polícia a matar e colocar mais suspeitos, antes de terem sido julgados, nas prisões superlotadas do Brasil, prejudicará, e não melhorará, a segurança pública".

Na 29ª edição do Relatório Mundial 2019, de 674 páginas, a Human Rights Watch analisou a situação dos direitos humanos em mais de 100 países. Em seu capítulo introdutório, o diretor executivo Kenneth Roth afirma que os populistas que espalham ódio e intolerância em vários países do mundo estão criando resistências. Novas alianças de governos que respeitam direitos, muitas vezes estimulados por e unidos a grupos da sociedade civil e ao público, têm aumentado os custos dos excessos autocráticos. O sucesso desses esforços exemplifica a possibilidade de defender os direitos humanos – na verdade, a responsabilidade em fazê-lo – mesmo em tempos sombrios.

Já no primeiro dia de mandato, em 1º de janeiro, Bolsonaro editou uma medida provisória estabelecendo que cabe à Secretaria de Governo “supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar as ações e atividades” de organizações não-governamentais.

“Reforçamos para as autoridades nossa preocupação de que quaisquer esforços para 'supervisionar' e 'monitorar' esses grupos podem minar o papel independente que exercem em uma sociedade aberta e democrática”, disse Vivanco. “Estamos ainda mais preocupados porque a medida se aplica não apenas às organizações que recebem recursos públicos, mas também àquelas que não o fazem.”, disse Vivanco.

Como candidato, Bolsonaro prometeu dar "carta branca" à polícia para matar suspeitos. O novo governador do estado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, que pertence ao Partido Social Cristão, aliado de Bolsonaro, disse que a polícia deve atirar para matar, sem aviso, qualquer um que esteja portando um fuzil - incluindo por meio de snipers e drones - mesmo que a pessoa não esteja ameaçando ninguém. O ministro da Justiça Sergio Moro disse à Human Rights Watch que o governo está elaborando um projeto de lei que buscará "esclarecer" as situações em que um policial poderá matar em legítima defesa.

Os padrões internacionais de direitos humanos proíbem a polícia de matar deliberadamente, exceto quando necessário para proteger suas próprias vidas ou a vida de terceiros.

Os últimos dados nacionais disponíveis mostram que a polícia brasileira matou 5.144 pessoas em 2017. No estado do Rio de Janeiro, a polícia matou 1.444 pessoas de janeiro a novembro de 2018, de acordo com Instituto de Segurança Pública (ISP). Isso significa que o Rio de Janeiro terminou o ano com o maior número de homicídios cometidos por policiais desde que o estado começou a coletar esses dados em 1998. O recorde anterior era de 1.330 em 2007.

Enquanto algumas mortes cometidas pela polícia são justificáveis, pesquisas da Human Rights Watch mostram que muitas outras são execuções extrajudiciais.

As execuções extrajudiciais colocam as comunidades contra a polícia e as tornam menos propensas a denunciar crimes e ajudar a polícia nas investigações, disse a Human Rights Watch. Execuções cometidas por alguns policiais também colocam em risco outros policiais, que podem sofrer represálias por parte de membros de facções criminosas e tornam os suspeitos menos propensos a se renderem quando encurralados. Em 2017, 367 policiais foram mortos em todo o país.

O governo anterior estimou que até o final de 2018, cerca de 840.000 pessoas estariam encarceradas no Brasil. O dado mais atualizado disponível aponta que 40% da população carcerária são presos provisórios. Bolsonaro defende “amontoar” ainda mais pessoas no sistema prisional, que, de acordo com os últimos dados, já detém o dobro do número de presos para o qual foi projetado, muitas vezes em celas insalubres, violentas e controladas por facções.

Ao invés de considerar políticas que violem os direitos humanos, o governo de Bolsonaro deveria adotar reformas consistentes com as obrigações internacionais do Brasil em direitos humanos e, em última instância, sejam mais eficazes na redução da criminalidade, disse a Human Rights Watch.

O novo governo e o Congresso devem reforçar a capacidade investigativa da polícia civil para acabar com o atual clima de impunidade, tendo em vista a baixa porcentagem de homicídios que são resolvidos. Além disso, as autoridades deveriam dar um fim à “guerra às drogas” que só resulta em mais violência nas ruas e mais poder para as facções e, ao invés disso, descriminalizar o porte para o uso de drogas.

Outra medida crucial é reduzir o número de presos provisórios no sistema prisional. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou que até maio de 2016 todos os presos deveriam ter sido conduzidos, dentro do prazo de 24 horas após a prisão, para uma “audiência de custódia”, com um juiz, para determinar se devem ser presos provisoriamente ou aguardar julgamento em liberdade. Porém, mais de dois anos depois, mais da metade dos presos ainda não haviam passado por essas audiências, disse o CNJ à Human Rights Watch, e muitas vezes esperam meses para ver um juiz pela primeira vez.

Em 15 de janeiro, Bolsonaro aprovou um decreto que flexibiliza restrições ao acesso a armas. Bolsonaro defende, entre outras coisas, que o acesso a armas tornará mais fácil para as mulheres se defenderem de parceiros abusivos. Mas essa não é uma resposta séria à violência generalizada contra a mulher no Brasil, disse a Human Rights Watch.

Os novos governos federal e estaduais deveriam responder à violência doméstica descontrolada, fortalecendo a proteção das mulheres e garantindo justiça quando a violência ocorre. O Brasil, com uma população superior a 200 milhões de habitantes, tem apenas 74 abrigos de emergência para mulheres. A polícia não investiga adequadamente milhares de casos de violência doméstica, a cada ano, com o resultado de que nunca são processados. "Se Bolsonaro está realmente preocupado com a segurança das mulheres, ele deve melhorar o apoio legal, psicológico e outros serviços para as mesmas, além de melhorar a resposta da polícia à violência doméstica", disse Vivanco.

A Human Rights Watch também aborda problemas de direitos humanos que afetam crianças, pessoas com deficiências, pessoas LGBT, indígenas, migrantes e outros em seu relatório mundial 2019.

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