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Sua Excelência João Lourenço

Presidente da República de Angola

Assunto:  Agenda de Direitos Humanos para as Autoridades Angolanas

Vossa Excelência,

Nós, a Human Rights Watch, uma organização independente que monitoriza os direitos humanos em mais de 90 países e reporta sobre os mesmos, vimos pela presente expressar a nossa preocupação com a situação dos direitos humanos em Angola e para lhe pedir que o seu governo adote medidas para melhorar este contexto durante a sua presidência.

Instamos a que tome medidas decisivas para honrar as obrigações do país em matéria de direitos humanos e para garantir a proteção e promoção das liberdades fundamentais, de forma a que todos os angolanos possam beneficiar das mesmas. Esta é, na nossa opinião, uma importante oportunidade para o seu governo nutrir e desenvolver uma cultura de respeito pelos direitos humanos em Angola.

A Constituição de Angola, promulgada em Janeiro de 2010, consagra as obrigações domésticas do país em termos de direitos humanos. O preâmbulo da constituição reconhece “a necessidade de consolidar a democracia, a boa, transparente e responsável governação e o estado de direito” e reafirma o “compromisso de defender e respeitar os direitos humanos e as liberdades fundamentais de todos os cidadãos”. As obrigações internacionais de direitos humanos de Angola derivam das convenções internacionais de direitos humanos de que o país faz parte, incluindo a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, bem como o direito internacional consuetudinário.

A Human Rights Watch urge a sua administração a colocar a promoção e a proteção dos direitos humanos no topo da sua agenda e recomenda as seguintes quatro áreas prioritárias para a agenda de direitos humanos do governo:

1. Garantir a responsabilização pelos abusos de direitos humanos cometidos no passado

O governo deve assegurar a responsabilização dos autores de violações graves dos direitos humanos, inclusive investigando casos passados ​​de abusos e julgando adequadamente os responsáveis, bem como oferecendo reparação adequada às vítimas de abusos.

Os membros das forças de segurança envolvidos no uso de força excessiva contra manifestantes devem ser disciplinados ou julgados conforme apropriado. 

Por exemplo, em Abril de 2016, um tiroteio policial feriu pelo menos três pessoas durante uma manifestação estudantil contra o aumento das propinas escolares em Caluquembe, na província da Huíla. A polícia começou por negar ter disparado balas reais, mas depois admitiu que um dos agentes abrira efetivamente fogo e disse que este seria punido. Não se sabe que medidas foram tomadas para punir o agente em questão ou os restantes envolvidos.

Em Agosto de 2016, soldados dispararam balas reais durante um protesto pacífico contra despejos forçados em Luanda, matando um adolescente. O governo anunciou uma investigação ao caso, mas, até ao momento, não publicou quaisquer conclusões relativamente ao mesmo.

Vossa excelência, exortamos o seu governo a criar urgentemente uma comissão independente para investigar os acontecimentos de Abril de 2015, em que uma operação policial contra uma seita religiosa matou pelo menos 22 pessoas no Huambo. Até o momento, nenhum membro das forças de segurança foi preso ou julgado pelo assassinato dos membros desta seita.

2. Proteger a liberdade de imprensa

A Human Rights Watch insta o governo de Angola a promover e proteger as liberdades dos meios de comunicação, revendo as leis repressivas e abolindo as cláusulas de difamação vagas e as penas draconianas. Relembramos com preocupação que, em 23 de Janeiro de 2017, o ex-presidente angolano José Eduardo dos Santos promulgou a Lei de Imprensa que limita o direito à liberdade de expressão. Vários artigos da Lei de Imprensa violam as obrigações internacionais de Angola de respeitar a liberdade da comunicação social. Estes incluem:

  • O artigo 29.º dá autoridade ao Ministério da Comunicação Social para supervisionar a forma como as organizações de comunicação social levam a cabo as diretrizes editoriais, bem como para punir os infratores com a suspensão da atividade ou com multas;
  • O artigo 82.º criminaliza a publicação de texto ou imagens que sejam ofensivos para os indivíduos. Ao abrigo do código penal, a difamação e a calúnia são puníveis com multas e penas de prisão de até seis meses.

A Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos pede a abolição das leis de difamação no continente, afirmando que abrem caminho para abusos e podem resultar em consequências demasiado duras para jornalistas que expõem abusos de poder, corrupção e violações de direitos humanos, todos eles abundantes em Angola.

3. Defender os direitos à habitação

A Human Rights Watch insta o governo a acabar com as expulsões forçadas, que têm sido um problema persistente nas áreas urbanas ao longo dos anos. Em Luanda, em Julho de 2016, por exemplo, uma força especial encarregada de proteger as infraestruturas e as terras do governo desalojou à força mais de 1000 pessoas na área do Zango, nos arredores da cidade, destruindo as casas e propriedade dos desalojados. Após as queixas crescentes de abusos por parte dos soldados contra os moradores do Zango, as autoridades ordenaram que a operação fosse interrompida no final de Setembro. No entanto, os residentes despejados à força ainda não foram realojados e compensados.

O Comité de Direitos Económicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas já manifestou preocupação com o uso repetido de despejos forçados em várias cidades de Angola, incluindo de assentamentos informais e durante projetos de desenvolvimento, sem as garantias processuais necessárias, nem providência de habitações alternativas ou compensação adequada para as pessoas afetadas.

4. Respeitar os direitos à liberdade de expressão, reunião e associação

O governo angolano tem violado frequentemente os direitos à liberdade de expressão, reunião pacífica e associação e tem-se servido regularmente das leis criminais de difamação e de outras leis abusivas para silenciar ativistas, jornalistas, defensores dos direitos humanos e manifestantes pacíficos. O artigo 47.º da Constituição de Angola permite que os cidadãos protestem sem autorização prévia, desde que informem previamente as autoridades. No entanto, as autoridades têm bloqueado consistentemente os protestos pacíficos contra o governo servindo-se de intimidação e detenções.

Por exemplo, em Fevereiro de 2017, a polícia usou cães para impedir um protesto em Luanda de cerca de 15 pessoas que pediam a demissão do Ministro da Administração do Território. Em Abril de 2017, a polícia tentou impedir um protesto pacífico de pessoas portadoras de deficiência que se reuniram para protestar contra infraestruturas inacessíveis e desigualdades. A polícia prometeu investigar o incidente, mas não publicou os resultados das investigações. Antes das eleições de Agosto de 2017, o Ministério do Interior proibiu todos os protestos de grupos que não fossem candidatos às eleições, alegando que os protestos de rua planeados por ativistas representavam um risco à segurança.

O governo de Angola tem obrigações, nos termos dos tratados africanos e internacionais de direitos humanos de que faz parte, que o obrigam a respeitar os direitos à vida, integridade corporal, liberdade e segurança dos indivíduos, bem como as liberdades de expressão, associação e reunião.

A Human Rights Watch incentiva vossa excelência a expressar publicamente o seu compromisso pessoal com estas obrigações jurídicas, a exercer pressão para que sejam tomadas medidas que garantam a sua implementação e a instruir os seus funcionários a que se comportem de acordo com estas obrigações.

Aguardamos com expectativa um diálogo construtivo com o seu governo e a perspetiva do avanço dos direitos humanos em Angola.

 

Os melhores cumprimentos,

Mausi Segun 

Diretora Executiva - Divisão da África

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