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Nova York, 16 de fevereiro de 2017

 

Ao Procurador-Geral de Justiça do Rio de Janeiro

 

Excelentíssimo Procurador-Geral de Justiça do Rio de Janeiro, Sr. José Eduardo Ciotola Gussem,

Foi um grande prazer conhecê-lo e também a sua equipe no Ministério Público do estado do Rio de Janeiro no mês passado. Lamento enormemente a impossibilidade de termos comparecido à cerimônia de sua posse, mas espero que possamos continuar nosso diálogo e construir uma relação de trabalho produtiva com sua equipe durante o seu mandato.

Ficamos impressionados com seus planos de tornar o Ministério Público mais eficaz por meio da produção e análise continuada de dados empíricos e estatísticos e do acompanhamento mais sistemático das políticas públicas. Ficamos especialmente entusiasmados pelo seu compromisso em garantir que as alegações de abusos cometidos pelas forças de segurança sejam investigadas de forma rigorosa e justa e que os perpetradores sejam devidamente responsabilizados.

Como sabe, há muitos anos a Human Rights Watch acompanha de perto a situação da segurança pública no estado do Rio de Janeiro. Estamos particularmente preocupados com os níveis extraordinariamente elevados de homicídios cometidos pela polícia, que mais que duplicaram nos últimos três anos, chegando a 920 em 2016. Embora seja provável que muitas dessas mortes resultem do uso legítimo da força, outras são, na realidade, execuções extrajudiciais – como nós e outras organizações têm documentado em diferentes investigações. O Estado não tem conseguido investigar e promover a responsabilização devida nesses casos.

Este ciclo de violência, abuso policial e impunidade têm um enorme custo não só às comunidades nas quais esses homicídios acontecem, mas também à própria força policial, minando sua capacidade de realizar seu trabalho da melhor forma. Temos visto com grande preocupação o aumento no número de policiais mortos no estado nos últimos anos.

Enquanto a impunidade permanecer como regra, as execuções extrajudiciais continuarão a ocorrer em grande escala e os esforços para melhorar a segurança pública no estado do Rio de Janeiro – apesar de iniciativas como as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) – provavelmente fracassarão.

A responsabilidade pelo fracasso no combate à impunidade nos casos de abusos policiais recai primordialmente sobre o Ministério Público. Embora a polícia civil também compartilhe de grande parte da responsabilidade, dado seu fracasso em investigar adequadamente esses casos, a responsabilidade de acabar com a impunidade existente nesses casos é, em última instância, do Ministério Público, que tem a competência constitucional para exercer o "controle externo" sobre a polícia civil e assegurar investigações adequadas. No entanto, sob a direção de seus antecessores, a instituição não conseguiu exercer adequadamente essa competência.

Felizmente, como discutimos em nossa reunião, acreditamos que o Sr. tenha a sua disposição um mecanismo que pode reverter esse quadro – qual seja, o Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (GAESP), que é responsável pela investigação de homicídios causados por intervenção policial e de outros abusos por parte da polícia (bem como práticas abusivas nas prisões). Há diversos benefícios extremamente relevantes em se ter uma unidade no Ministério Público cujo foco seja os homicídios policiais em todo o estado: a equipe dessa unidade pode desenvolver expertise nos aspectos legais e de documentação deste tipo de caso; pode analisar padrões de abuso e reconhecer um modus operandi; e pode identificar e investigar unidades policiais específicas e integrantes específicos das forças de segurança responsáveis por um grande número de execuções extrajudiciais.

Para que o GAESP tenha êxito, no entanto, precisará receber muito mais apoio de sua equipe do que recebeu de seu antecessor. Como discutimos em nossa reunião, acreditamos que é crucial que o Ministério Público do estado do Rio de Janeiro adote as medidas elencadas a seguir, como detalhamos em nosso relatório de 2016 "‘O Bom Policial Tem Medo’: O custo da violência policial no Rio de Janeiro":

  • Alocar mais promotores de justiça no GAESP.

Atualmente, o GAESP não dispõe de promotores de justiça em números suficientes para investigar as centenas de casos acumulados de homicídios cometidos pela polícia e as centenas de novos casos que ocorrem a cada ano. Em janeiro de 2017, o GAESP recebeu apenas cinco promotores para lidar com esses casos, cujas funções são cumuladas com casos de outra natureza. Quatro deles atuam na justiça comum e um na justiça militar. O Procurador-Geral deve designar mais promotores ao GAESP e/ou ter um número significativo de membros do grupo trabalhando em tempo integral para o GAESP.

  • Fornecer ao GAESP apoio técnico de peritos forenses.

Os promotores de justiça do GAESP – como todos os outros promotores de justiça do Rio – podem solicitar o auxílio de um Grupo de Apoio Técnico Especializado (GATE) do Ministério Público do Rio de Janeiro, para prestar apoio técnico em suas investigações. No entanto, o GATE não possui técnicos forenses com experiência em elementos-chave das investigações de homicídios, como análise da cena do crime e balística. A ausência de especialização limita severamente a capacidade do GAESP em realizar suas próprias investigações de homicídios cometidos pela polícia, pois eles têm que confiar em peritos da polícia civil.

  • Buscar o comprometimento da polícia civil em informar o GAESP, em até 24 horas, a ocorrência de homicídios cometidos pela polícia.

O Ministério Público do estado não buscou implementar a resolução de setembro de 2015 do Conselho Nacional do Ministério Público que determina que a polícia civil informe o Ministério Público sobre os homicídios cometidos pela polícia dentro de 24 horas. Como resultado, e como um promotor enfatizou, muitas vezes essa comunicação somente chega 30 ou mais dias após a ocorrência do fato. Nesse momento, é tarde demais para monitorar as fases iniciais e cruciais da investigação conduzidas pela polícia civil.

  • Garantir aos promotores do GAESP competência concorrente nos casos de homicídios cometidos pela polícia.

De acordo com a Resolução de 2015 que criou o GAESP, os promotores de justiça do grupo não podem investigar um caso de homicídio policial a menos que sejam solicitados a fazê-lo pelo promotor com a competência originária para investigação do caso, o chamado "promotor natural" (o "promotor natural" em casos de homicídio pode ser o promotor responsável pela área geográfica onde o crime ocorreu ou um promotor responsável por casos investigados pela divisão de homicídios da polícia civil). A lei brasileira proíbe que um caso saia das mãos do "promotor natural", mas não exclui um promotor adicional de investigar o caso. Para evitar que o GAESP seja impedido e investigar casos pelos próprios promotores justiça que durante anos não conseguiram investigar esses casos adequadamente, o Procurador-Geral de Justiça deve atribuir aos promotores do GAESP competência concorrente nos casos de homicídio cometido pela polícia, para que eles possam prosseguir com investigações sem depender da manifestação do promotor natural.

Para concluir, permita-me reiterar nosso principal aprendizado ao longo dos anos em nosso trabalho no Rio de Janeiro, bem como em todo o Brasil e em todo o mundo: a impunidade promove a perpetuação dos abusos. Assegurar a responsabilização por crimes cometidos por policiais significa fortalecer o Estado de Direito no Rio de Janeiro, auxiliar na recuperação da confiança das comunidades e proteger os muitos policiais que cumprem a lei. Sob a sua liderança, o Ministério Público do estado do Rio de Janeiro pode se transformar em uma força de transformação que contribuirá de maneira decisiva para reverter a atual dinâmica de segurança pública no Rio de Janeiro.

Mais uma vez, manifestamos nossos mais cordiais cumprimentos por sua nomeação como o novo Procurador-Geral de Justiça do Rio de Janeiro e nossos sinceros desejos de sucesso no seu mandato.

Permanecemos à disposição para apoiar a missão do Ministério Público.

Com votos de alta estima e consideração,

 

Daniel Wilkinson

Diretor Adjunto, Divisão das Américas

Human Rights Watch

 

CC: Eliane de Lima Pereira, Assessora de Direitos Humanos e de Minorias do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

 

 

 

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