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Venezuela: Manifestantes desarmados são espancados e baleados

Promotores e Juízes são Cúmplices de Violações de Direitos

(Washington, D.C.) — As forças de segurança venezuelanas fizeram uso indevido e desproporcional da força em resposta às manifestações contra o governo, espancando gravemente e atirando à queima-roupa contra manifestantes desarmados, afirmou a organização Human Rights Watch em relatório publicado hoje. As forças de segurança também sujeitaram detentos a graves abusos físicos e psicológicos, inclusive tortura em alguns casos, e as autoridades judiciais deixaram de lhes garantir o devido processo legal.

O relatório de 103 páginas, “Punished for Protesting:Rights Violations in Venezuela’s Streets, Detention Centers, and Justice System” (Punidos por Protestar: Violações de Direitos nas Ruas, Centros de Detenção e Sistema de Justiça na Venezuela), documenta 45 casos, envolvendo mais de 150 vítimas, nos quais as forças de segurança abusaram dos direitos dos manifestantes e de outras pessoas nas proximidades das manifestações em Caracas e outros três estados. Além disso, permitiram que grupos armados pró-governo atacassem civis desarmados e, em alguns casos, colaboraram abertamente com essas milícias.

“A dimensão das violações de direitos que constatamos na Venezuela, bem como a colaboração das forças de segurança e das autoridades judiciais, mostram que esses incidentes não são fatos isolados ou excessos cometidos por alguns indivíduos insubordinados,” disse José Miguel Vivanco, diretor para as Américas da Human Rights Watch. “Pelo contrário, são parte de um padrão alarmante de abuso, o pior que temos visto na Venezuela em anos”. 

A Human Rights Watch conduziu uma investigação na Venezuela em março de 2014, incluindo em Caracas e nos estados de Carabobo, Lara e Miranda, e realizou dezenas de entrevistas com vítimas de abusos, suas famílias, testemunhas, profissionais da saúde, jornalistas, advogados e defensores de direitos humanos. Além disso, coletou extensas provas materiais,  como fotografias, filmagens, laudos médicos e decisões judiciais, e analisou relatórios e declarações oficiais do governo sobre os protestos e as operações das forças de segurança.

O governo venezuelano tem caracterizado os protestos que ocorrem em todo o país como violentos e, sem dúvida, alguns manifestantes usaram violência, jogando pedras e coquetéis Molotov contra as forças de segurança.

Porém, a investigação da Human Rights Watch demonstra que as forças de segurança venezuelanas fizeram uso indevido e desproporcional da força contra pessoas desarmadas e não violentas repetidamente. Alguns dos piores abusos documentados no relatório foram contra pessoas que sequer participavam das manifestações, ou que já estavam detidas e sob o controle das forças de segurança.      

A natureza e o momento de muitos abusos, bem como o uso frequente de ofensas de cunho político pelos responsáveis, sugerem que o objetivo não era fazer cumprir a lei ou dispersar os protestos, mas sim punir as pessoas por suas reais ou supostas posições políticas, declarou a Human Rights Watch. 

Em muitos casos, o objetivo dos abusos parece ter sido impedir a documentação das táticas das forças de segurança, ou punir aqueles que tentavam fazê-lo. Os incidentes envolveram tanto jornalistas quanto pessoas que estavam fotografando ou filmando os confrontos.

“É fundamental que os líderes da oposição continuem a rejeitar quaisquer atos de violência por parte dos manifestantes e que o façam da maneira mais firme e categórica possível”, disse Vivanco. “Mas, sejamos claros, nada justifica as táticas brutais das forças de segurança venezuelanas”.

Na maioria dos casos documentados pela Human Rights Watch, as vítimas de abuso foram arbitrariamente presas por 48 horas ou mais, frequentemente em instalações militares. Nesses locais sofreram novos abusos, inclusive graves espancamentos e, em vários casos, choques elétricos ou queimaduras. 

Inúmeros detentos com ferimentos graves, como feridas de balas de borracha e membros quebrados devido a espancamentos, tiveram cuidados médicos negados ou tardios, agravando o seu sofrimento, apesar de repetidos pedidos de assistência médica. Em diversos casos, policiais e membros da guarda nacional também submeteram detentos a graves abusos psicológicos, como ameaças de morte e estupro.

Em pelo menos dez casos, a Human Rights Watch acredita que as táticas abusivas empregadas pelas forças de segurança constituíram tortura. 

O fato que abusos foram cometidos repetidamente por diversas forças de segurança, em vários locais de três estados diferentes e na capital — inclusive em instalações militares e outras instituições estatais, durante o período de seis semanas analisado pela Human Rights Watch — permite concluir que os abusos fizeram parte de uma prática sistemática, disse a organização. 

O direito ao devido processo legal também foi negado a quase todas as 150 vítimas. Muitas foram mantidas incomunicáveis e sem acesso a advogados até minutos antes das suas audiências judiciais, que muitas vezes foram marcadas para o meio da noite, sem qualquer justificativa plausível. Promotores e juízes rotineiramente fizeram vista grossa à provas de que os detidos haviam sofrido abusos durante a prisão, inclusive sinais óbvios de violência física. 

O escopo dessas e de outras violações do devido processo legal em várias jurisdições e estados destaca o fracasso do Poder Judiciário em cumprir seu papel de salvaguarda contra o abuso de poder do Estado, disse a Human Rights Watch. 

O Governo da Venezuela deve garantir que sejam cessadas todas violações aos direitos humanos cometidas pelas forças de segurança no contexto de protestos, bem como garantir investigações imediatas, minuciosas e imparciais sobre os abusos que ocorreram, e levar os responsáveis à justiça, afirmou a Human Rights Watch. Todos os atos de violência cometidos por outros grupos nos protestos também devem ser cuidadosamente e imparcialmente investigados e processados, independentemente da filiação política dos envolvidos e das vítimas.

Segundo o governo, até 25 de abril deste ano, a Procuradoria Geral realizava145 investigações sobre supostas violações de direitos humanos e 17 agentes de segurança haviam sido detidos por seu suposto envolvimento nesses casos.

“Dada a atual ausência de independência judicial na Venezuela, bem como o envolvimento direto de promotores e juízes em muitos dos abusos que documentamos, é difícil esperar que os responsáveis por esses crimes sejam levadas à justiça”, disse Vivanco. “Para que esses esforços tenham credibilidade, o governo venezuelano deve facilitar a verificação de organismos de monitoramento dos direitos humanos das Nações Unidas e tomar medidas imediatas para garantir a independência do poder judiciário”.  

O governo venezuelano deveria aceitar as solicitações pendentes de visitas pelos relatores especiais da ONU sobre tortura, liberdade de reunião e associação pacíficas e independência de juízes e advogados, e agendar essas visitas o mais rápido possível. O governo também deveria enviar um convite para o Grupo de Trabalho da ONU sobre Detenção Arbitrária.

A Assembleia Nacional venezuelana deveria restaurar a credibilidade e independência do Poder Judiciário, selecionandonovos juízes permanentes para preencher as 11 vagas existentes na Suprema Corte (dos 32 assentos), por meio do votos de uma maioria de dois terços, conforme estipulado na Constituição, num processo de seleção aberto, transparente e que garanta o mais amplo consenso político possível.

Por sua vez, os governos latino-americanos que são membros de entidades regionais das quais a Venezuela faz parte —como Unasul, Mercosul e Organização dos Estados Americanos — deveriam cumprir com seus compromissos de proteger e promover os direitos fundamentais e as instituições democráticas, insistindo que o governo venezuelano enfrente essas graves violações aos direitos humanos, disse a Human Rights Watch.

"A comunidade internacional — particularmente os membros da Unasul que mantêm relações constantes com o governo venezuelano — deveria condenar energicamente os terríveis abusos que a Human Rights Watch documentou," disse Vivanco. "Deve-se insistir que o governo de Maduro acabe com essas violações, liberte as pessoas detidas ilegalmente e leve à justiça os agentes de segurança do Estado e os grupos armados responsáveis por ataques a manifestantes desarmados".

Seleção de casos documentados em “Punidos por protestar”:
Em 19 de fevereiro, um policial da Guarda Nacional disparou à queima-roupa contra o rosto de Gengis Pinto, 36 anos, apesar de já detido e não demonstrar resistência. Pinto participava de uma manifestação contra o governo em San Antonio de los Altos, onde centenas de manifestantes haviam bloqueado parte de uma rodovia. Pinto levantou o braço para se proteger do disparo e recebeu um tiro em sua mão, lesionando gravemente vários de seus dedos e vários estilhaços se alojaram em seu antebraço. Apesar da severa dor que sentia, de haver perdido sangue e de seus reiterados pedidos, os policiais se negaram a levar Gengis Pinto a um lugar onde pudesse ser atendido por um médico. Ao invés disso, espancaram, ameaçaram de morte e levaram Gengis Pinto para uma base militar para o interrogar. Aproximadamente seis horas depois de ter recebido o disparo, Pinto foi levado por policiais da Guarda Nacional até um hospital, onde não permitiram que o médico o examinasse privadamente. Ainda que o médico tenha dito aos policiais que Pinto necessitava de cuidados especializados imediatos, e que ele não poderia oferecê-lo ali, os policiais fizeram vista grossa a esses conselhos. Levaram Pinto de volta a base militar, onde o algemaram junto a outro detido e o obrigararm a permanecer sentado sob o sol por mais de 10 horas aproximadamente, até ser levado a uma clínica privada, onde foi submetido a cirugia. 

Juan Sánchez (pseudônimo), 22 anos, foi detido por membros da Guarda Nacional no caminho a um banco na periferia de Caracas, no dia 5 de março. No dia anterior, Sánchez  havia participado de um protesto na mesma área. Sem nenhum tipo de advertência, foi parado por policiais da Guarda Nacional que lhe deram pontapés, o espancaram e atiraram a curta distância em sua coxa direita. Um dos policiais disse “Enfim pegamos um e esse será nosso troféu para esses merdinhas pararem com essa bagunça”. Sánchez foi conduzido a um estabelecimento militar, onde uma dezena de membros da Guarda Nacional o obrigaram a ficar nu. Um policial, ao ver o sangue que jorrava de sua perna, perguntou: “Tá doendo?”, enquanto colocava o dedo na ferida aberta, retirava, e o fazia novamente. Na segunda vez, tirou algo de sua perna, mas Sánchez não pôde identificar se era tecido muscular ou partes da bala de borracha. Em seguida, três policiais o colocaram em uma barra de metal, aplicaram choques elétricos em dois momentos e exigiram que dissesse quem eram seus cúmplices. Depois disso, os policiais levaram Sánchez a um pátio, onde foi obrigado a lutar com um deles enquanto os demais assistiam e riam. Sánchez foi levado a um hospital,  onde policiais interferiram no atendimento que um médico tentava oferecer, e posteriormente foi levado de volta ao alojamento militar, onde vários oficiais o chamaram de “fascista” e continuaram a espancá-lo, além de ameaçarem enviá-lo a uma das prisões mais violentas da Venezuela. 

Dayana Mendez Andrade, uma jornalista de 24 anos , cobria uma manifestação em Valencia no dia 20 de março, vestindo um colete onde na parte da frente podia-se ler "Press", em letras garrafais, quando membros da Guarda Nacional começaram a atirar bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha contra os manifestantes. Ao tentar escapar, Méndez foi cercada com um outro fotógrafo – Luis Rodriguez Malpica, de 26 anos – por vários policiais. Quando ela e Rodriguez levantaram as mãos e gritaram que eram jornalistas , um membro da Guarda Nacional respondeu: "Estão tirando fotos de mim! Vocês são aqueles que enviam imagens dizendo 'SOS Venezuela'. Vocês são os que causam problemas para a Guarda Nacional." Em seguida, de uma distância de poucos metros , os membros da Guarda Nacional  dispararam, atingindo a perna esquerda e o quadril de Méndez.

Membros da Guarda Nacional e policiais usaram gás lacrimogêneo e balas de borracha contra estudantes que protestavam no campus da Universidade Lisandro Alvarado, em Barquisimeto e nas proximidades, no dia 11 de março. Wladimir Diaz, 20 anos, que participou do protesto, disse que os membros das forças de segurança do governo agiram em coordenação com mais de 50 civis, muitos dos quais tinham armas e disparavam contra estudantes. Díaz foi baleado no abdômen quando um grupo misto composto por membros das forças de segurança do governo e civis armados e mascarados abriram fogo contra o prédio da universidade onde ela havia buscado abrigo.

Quando o restaurante onde ele trabalhava em um shopping em El Carrizal foi fechado, em 5 de março, devido a protestos na área, Moisés Guánchez, 19 anos, decidiu voltar para casa . Mas, junto a outras 40 pessoas, foi pego em um estacionamento fechado, localizado ao lado do centro comercial, enquanto membros da Guarda Nacional usavam gás lacrimogêneo e disparavam na direção onde eles estavam. Quando Guánchez tentou escapar, um policial da Guarda Nacional bloqueou seu caminho e disparou em direção a sua cabeça. Guánchez foi atingido no braço, que havia levantado para proteger o rosto, e caiu no chão. Mesmo sem qualquer resistência por parte de Guánchez , dois membros da Guarda Nacional o levantaram e se revezaram para espancá-lo, até que um terceiro se aproximou e atirou à queima-roupa em sua virilha. Guánchez teve que receber três transfusões de sangue e se submeter a cirurgias no braço, perna e um de seus testículos.

José Alfredo Martin Ostermann, 41 anos, e Carlos Spinetti, 39 anos, foram presos no dia 12 de março por civis armados enquanto caminhavam por uma área perto de onde acontecia um ato pró-governo, em Caracas. As vítimas foram levadas aos olhos de três policiais da Guarda Nacional, que não intervieram. Os homens armados espancaram Ostermann e Spinetti , gritavam e proferiam insultos de cunho político contra eles (por exemplo, os acusando de "traidores da pátria"), os ameaçaram de morte e fotografarm Spinetti com uma arma na mão que eles mesmo o haviam obrigodo a carregar antes de entregá-los à polícia. Em vez de questionar os civis armados , a polícia prendeu as duas vítimas.

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