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(Londres, 31 de janeiro de 2013) – A euforia da Primavera Árabe deu lugar ao desafio sóbrio de criar democracias que respeitem os direitos, disse hoje a Human Rights Watch no lançamento de seu Relatório Mundial de 2013. A disposição dos novos governos de respeitar os direitos determinará se essas revoltas darão à luz à verdadeiras democracias ou simplesmente gerarão novas formas de autoritarismo.

No relatório de 665 páginas, na sua 23ª. revisão anual das práticas de direitos humanos em todo o mundo, a Human Rights Watch resume as principais questões em mais de 90 países. Com relação aos eventos no Oriente Médio e no Norte da África conhecidos como a Primavera Árabe, a Human Rights Watch disse que a criação de um Estado que respeite os direitos pode ser um trabalho árduo que exige a construção de instituições eficazes de governança, a criação de tribunais independentes, a criação de polícias profissionais resistindo à tentação de uma maioria de ignorar os direitos humanos e o Estado de Direito. No entanto, a dificuldade na construção de uma democracia não justifica um retorno à velha ordem, disse a Human Rights Watch.

“As incertezas da liberdade não são razão para se reverter à previsibilidade forçada de regimes autoritários”, disse Kenneth Roth, diretor-executivo da Human Rights Watch. “O caminho à frente pode ser traiçoeiro, mas a alternativa é consignar países inteiros a um futuro sombrio de opressão.”
A tensão entre o governo da maioria e o respeito aos direitos constitui talvez o maior desafio para os novos governos, disse a Human Rights Watch. Líderes do Oriente Médio estão naturalmente ansiosos para exercer sua nova influência eleitoral, mas eles tem o dever de governar sem sacrificar as liberdades fundamentais ou os direitos das minorias, mulheres e outros grupos em risco.

Outros países podem apoiar (a transição democrática) tanto oferecendo exemplos positivos em suas próprias práticas como respeitando os direitos humanos, através da constante promoção dos direitos nas suas relações com os novos governos e outros atores. Fechar os olhos para a repressão pode ser politicamente conveniente, mas traz enormes prejuízos a consolidação de uma democracia que respeita os direitos, afirmou a Human Rights Watch.

Três artigos adicionais ao Relatório Mundial abordam outras ameaças aos direitos humanos. Um descreve a necessidade de regulamentar as operações financeiras em todo o mundo, ação especialmente importante em uma era de globalização, para proteger os direitos dos trabalhadores e dos povos negativamente afetados por operações empresariais. O segundo artigo diz que, em resposta a crises ambientais, governos e outros agentes frequentemente se concentram nos danos à natureza, negligenciando o impacto sobreos direitos humanos  das pessoas em zonas de crise. O terceiro destaca como argumentos que defendem a “tradição” e o relativismo cultural são usados ​​para negar às mulheres e às minorias direitos humanos que devem ser universais.

A luta pela Constituição egípcia, que provavelmente será a mais influente entre os países da região em transição, demonstra a dificuldade em se proteger os direitos humanos, afirmou a Human Rights Watch na introdução do relatório. A Constituição tem alguns elementos positivos, inclusive proibições claras contra a tortura e detenção arbitrária. No entanto, disposições formuladas de maneira ampla e vaga sobre liberdade de expressão, religião e a família tem implicações perigosas para os direitos das mulheres e o exercício das liberdades sociais protegidas pelo direito internacional. Além disso, a Constituição também reflete um aparente abandono dos esforços de se exercer um controle civil sobre os militares.

Entre os países árabes que mudaram seus governos, a Líbia melhor ilustra o problema de um Estado fraco, resultado de decisões de Muammar Gaddafi de manter as instituições governamentais subdesenvolvidas a fim de desencorajar desafios ao seu governo. O problema é particularmente grave em relação ao Estado de Direito, disse a Human Rights Watch. Milícias dominam muitas partes do país e em alguns lugares cometem graves abusos com impunidade. Enquanto isso, milhares de pessoas permanecem na prisão, alguns detidos pelo governo e outros por milícias. Essas pessoas tem pouca perspectiva imediata de serem formalmente acusadas ou de enfrentarem em tribunal qualquer evidência que exista contra elas.

Na Síria, onde segundo as estimativas mais recentes das Nações Unidas 60.000 pessoas foram mortas nos combates ainda em curso, as forças do governo cometeram crimes contra a humanidade, crimes de guerra e algumas forças da oposição também cometeram abusos graves, inclusive a tortura e execuções sumárias.

A decisão do Conselho de Segurança das Nações Unidas de referir a situação na Síria ao Tribunal Penal Internacional seria uma medida de justiça para todas as vítimas e ajudaria a impedir novas atrocidades e vingança sectária. No entanto, embora muitos governos dizem apoiar tal ação, eles não exerceram o tipo de pressão pública sustentado, que poderia persuadir a Rússia e a China a abandonar seus vetos e permitir que fosse feita a referência, explicou a Human Rights Watch. É também necessário exercer pressão sobre a oposição armada da Síria para que esta se articule e promova uma visão para a Síria que respeite os direitos de todos os povos.

Os direitos das mulheres são uma fonte de discórdia em muitos países na medida que islâmicos ganham poder eleitoral, disse a Human Rights Watch. Alguns adversários argumentam que tais direitos são uma imposição ocidental, em desacordo com o Islã ou a cultura árabe. O direito internacional dos direitos humanos não impede as mulheres de levarem uma vida conservadora ou religiosa se assim o desejarem. Mas, muitas vezes, os governos impõem restrições sobre as mulheres que buscam a igualdade ou a autonomia. Denominar tais direitos de imposição ocidental não contribui para mudar a opressão doméstica que leva as mulheres a assumir um papel subserviente.

“Talvez não haja nenhuma medida que melhor definirá a reputação dos governos predominantemente islâmicos da Primavera Árabe a medida que estes se estabelecem, do que o tratamento dado às mulheres”, disse Roth. Discursos vistos como transgressão de certos limites frequentemente tentam aqueles no poder a restringir os direitos dos outros. São particularmente vulneráveis declarações que criticam o governo, que insultam determinados grupos ou ofendem o sentimento religioso. Nessas situações, a liberdade de expressão corre risco, principalmente na ausência de instituições fortes e independentes que possam proteger os direitos, explicou a Human Rights Watch. Os governos também devem exercer moderação, respeitando o direito de discordar, criticar e expressar opiniões impopulares.

Os governos podem justificar algumas restrições sobre a liberdade de expressão, inclusive quando o discurso é usado para incitar a violência. Mas também é importante policiar aqueles que usam a violência para reprimir ou punir discurso, disse a Human Rights Watch. Aqueles que reagem violentamente ao discurso não-violento porque se opõem ao seu conteúdo são os infratores; as autoridades tem o dever de parar a violência e não censurar o discurso ofensivo.

O problema de uma maioria desenfreada não se limita ao mundo árabe, disse a Human Rights Watch. Uma demonstração vívida deu-se na Birmânia, onde uma longa e entrincheirada ditadura militar deu lugar a um governo civil reformista. Ainda assim, o governo birmanês tem sido relutante em proteger os grupos minoritários do país ou até mesmo falar sobre abusos cometidos contra eles, principalmente a perseguição severa e violenta dos muçulmanos Rohingya.

A transição de uma revolução a uma democracia que respeita os direitos é antes de tudo uma tarefa para o povo dos países que passam por mudanças, disse a Human Rights Watch, mas outros governos podem e devem exercer influência significativa. No entanto, o apoio ocidental dos direitos humanos e da democracia em todo o Oriente Médio tem sido tudo menos consistente quando os interesses em petróleo, bases militares ou de Israel fazem parte da equação.

Essa inconsistência em relação à responsabilidade das autoridades que cometem abusos alimenta argumentos de governos repressivos que propagam que a justiça internacional é seletiva e raramente se aplica aos aliados dos governos ocidentais; além disso, também mina o poder dissuasivo do Tribunal Penal Internacional.

“Os novos líderes do Oriente Médio terão de mostrar determinação de princípios caso busquem melhorar os direitos humanos em uma região muito resistente a mudança democrática,” disse Roth. “E eles vão precisar do apoio firme e consistente de estrangeiros influentes.”

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