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A União Européia

Com os Estados Unidos tendo se desqualificado em grande parte do cargo de promotores dos direitos humanos, a China e a Rússia efetivamente minando tais esforços, e o sul global ainda não abraçando sua responsabilidade, é essencial que a União Européia tome para si a situação e assuma um papel de liderança. Afinal das contas, a UE é o maior aglomerado de democracias do mundo, que se baseia em um compromisso com direitos humanos e com o Estado de Direito. Entretanto, a triste verdade é que a União Européia não chega nem perto de vestir a camisa de capitão. Quando a UE faz um pronunciamento conjunto sobre algum problema relativo a direitos humanos, o que freqüentemente se vê é um burocrata em Bruxelas ou um comunicado à imprensa assinado pela Presidência da União Européia, em vez de um pronunciamento público incisivo por um chefe de estado ou ministro de relações exteriores. Tais pronunciamentos raramente são seguidos por ação firme ou pressão para a proteção dos direitos humanos. Devido a problemas estruturais e também à falta de vontade política, o desempenho abaixo da capacidade demonstrado pela União Européia quanto a direitos humanos deixou aberto um enorme buraco na liderança.

O papel da União Européia no Conselho de Direitos Humanos da ONU ilustra esse problema. Os Estados Unidos nem sequer buscaram ser eleitos para o conselho, uma decisão que se baseou em grande parte no medo de que perderiam. Por isso, grande parte da incumbência de fazer com que o novo conselho corresponda aos seus ideais fica a critério da União Européia e de seus parceiros mais próximos — governos como o da Austrália, Canadá, Nova Zelândia, Noruega e Suíça.

O conselho divide-se equiparadamente entre os que tradicionalmente apóiam e os que se opõem à implementação do cumprimento dos direitos humanos, com diversas democracias na Ásia e na África sendo responsáveis pelos votos decisivos. Ao trabalhar com os governos latino-americanos para que se unam aos votos não decididos, os governos europeus poderiam formar uma maioria de fato para tratar de problemas como os crimes contra a humanidade cometidos em Darfur, a impunidade assassina do governo usbeque, e a guerra civil revitalizada no Sri Lanka. Mas a triste verdade é que os detratores — os governos abusivos que, apesar de promessas ao contrário, parecem que entraram no conselho para minar seus esforços — são mais astutos do que os europeus e seus aliados. Em um transe aparente, os países que apóiam os direitos humanos ofereceram principalmente espírito derrotista e desculpas esfarrapadas.

A União Européia e outros países que apóiam os direitos humanos nunca propuseram uma visão convincente para o tratamento de governos abusivos por parte do conselho. Nunca efetuaram o trabalho necessário de negociar e fazer lobby para dissuadir os que estão em cima do muro de seguir seus blocos regionais liderados pelos detratores e convencê-los a se deixar guiar por seus princípios auto-professados de direitos humanos. Eles nunca convocaram uma sessão especial sobre Darfur ou sobre a situação deteriorante no Sri Lanka, para ir além da fixação em Israel demonstrada pelos detratores. Muitos dos que defendem essa postura chegaram ao ponto de adotar o refrão dos detratores, “cooperação e não condenação”, como se a ameaça de censura por abusos sérios não tivesse algo a ver com a obtenção de cooperação governamental para superá-los. Por esse e outros motivos, o conselho deixou uma péssima primeira impressão.

Tomando decisões

A falta de jeito da União Européia pode ser atribuída parcialmente ao seu oneroso processo de tomada de decisões. A necessidade de se obter consenso entre os seus 25 membros (quando da publicação desse relatório, serão 27) tende a causar atrasos e um posicionamento pelo menor denominador comum. Basta somente um governo com profundos interesses paroquiais — o Chipre sobre a Turquia, a Alemanha sobre a Rússia, a França sobre a Tunísia — para bloquear um posicionamento efetivo por parte da União Européia.

Por exemplo, a nova política alemã de Ostpolitik está minando um forte posicionamento da UE quanto a direitos humanos na Ásia Central. Em novembro de 2006, a Alemanha obteve êxito em sua agressiva pressão no sentido de afrouxar até mesmo as mais leves sanções impostas ao Usbequistão após o massacre de Andijan ocorrido em maio de 2005, apesar de o governo usbeque não ter agido substancialmente para atender às condições originalmente estipuladas para suspender as sanções. Em vez de permitir a realização de uma investigação independente sobre o massacre, conforme exigido, o Usbequistão ofereceu apenas “diálogo” e um “seminário especializado” sobre Andijan. Nesse ínterim, sua represália às pessoas que ousam expressar sua insatisfação com o regime é feroz e, apenas em 2006, uma dúzia de defensores de direitos humanos foram condenados e presos sob acusações de cunho político.

Para apoiar sua posição com relação ao Usbequistão, um país com enormes reservas de gás e uma base aérea de grande utilidade às tropas alemãs no Afeganistão, a Alemanha afirma que as sanções não produziram resultados positivos — apesar de a Alemanha ter feito o possível para minar as sanções desde o momento de sua adoção. A proibição de viagem imposta pela União Européia a oficiais governamentais usbeques de alto escalão havia sido recém-divulgada quando Berlim autorizou a entrada na Alemanha de um dos arquitetos do massacre de Andijan para fins de tratamento médico — o antigo Ministro do Interior usbeque Zokir Almatov, que constava como o primeiro da lista da proibição de viagem promulgada pela União Européia. Quando várias famílias de suas vítimas buscaram seu julgamento apesar do grande risco pessoal, o promotor federal alemão se recusou a detê-lo e nem sequer instaurou uma investigação criminal. Nada que o Usbequistão fez justifica a abordagem capitulacionista da Alemanha, e mesmo assim a Alemanha parece estar arrastando a União Européia junto de si, apesar da resistência demonstrada por um grupo considerável de estados-membros.

A Alemanha também lidera na apresentação de um posicionamento fraco da União Européia sobre o Cazaquistão, ao respaldar incondicionalmente a proposta do país presidir a Organização para Segurança e Cooperação na Europa em 2009, em vez de usar o desejo do presidente cazaque Nursultan Nazarbaev pelo cargo de liderança como uma oportunidade de fazer pressão para obter reformas concretas e há muito tempo necessárias.

Da mesma forma, no Nepal, após o golpe real em fevereiro de 2005, os governos nórdicos queriam censurar incisivamente o golpe e impedir o uso de ajuda da UE pelo governo militar. Apesar da Dinamarca ter agido particularmente de forma positiva, outros governos da União Européia, incluindo a França e a Alemanha, enfraqueceram o consenso dentro do grupo. A Grã-Bretanha também buscou uma política independente e, em alguns momentos, acomodacionista, citando uma relacionamento histórico com o Nepal. O resultado deu-se de forma que, logo em seguida ao golpe, a União Européia adotou uma postura bem menos rigorosa, deixando a sociedade civil nepalesa desencorajada e sem apoio.

A inclinação da União Européia para agir com o menor denominador comum reflete uma preferência pela unidade em detrimento da eficácia. É compreensível que seja importante atingir um posicionamento comum para se criar uma comunidade de nações européias. Além disso, ao se unirem, os governos dentro da UE têm maior influência e se deparam com menor risco de retaliação do que se agissem independentemente. Porém, se a União Européia nunca agir além dos desejos do membro que apresenta mais relutância, geralmente acabará fazendo pouco ou nada. É necessário haver um processo de tomada de decisões mais ágil e razoável. Uma opção seria permitir uma super-maioria em vez da unanimidade para se criar uma política externa comum. Mas isso necessitaria que cada governo da União Européia desistisse do seu precioso poder de veto a ações da União e da prerrogativa de soberania que isso representa. Entretanto, o status quo também custa caro em termos das pessoas oprimidas no mundo, cujos pedidos de ajuda não são atendidos pela União Européia.

Mesmo dentro das exigências da unanimidade, é possível haver melhorias. Por exemplo, no Conselho de Direitos Humanos, a União Européia parece exigir consenso em um nível absurdamente banal. Em vez de aprovar uma estratégia e ter fé que os representantes da União Européia a cumprirão de modo sábio, os membros da UE insistem em ratificar todas as resoluções propostas, palavra por palavra. Esse estilo de micro-gerenciamento faz com que seja impossível para a União Européia atender eficazmente a circunstâncias mutantes ou participar de um rápido “toma-lá-dá-cá” diplomático que é necessário para construir alianças majoritárias.

Quando direitos humanos estão em jogo, a União Européia também poderia considerar o seu posicionamento comum como piso e não como teto. É válido insistir que nenhum governo aja de forma inferior ao posicionamento comum da UE em relação às principais questões de direitos humanos, mas por que nenhum governo — ou grupo de governos — não pode agir acima do recomendado? Não há um impedimento formal para tanto, e ocasionalmente os governos agem acima do recomendado, como por exemplo relativamente aos tratados sobre o Tribunal Penal Internacional, minas terrestres anti-pessoais, e sobre o desaparecimento forçado de pessoas. A Dinamarca chegou a sugerir essa abordagem com relação a Darfur. Mas, com muita freqüência, os governos que compõem a União Européia usam a falta de um sólido posicionamento comum para justificar a falta de uma forte posição interna sobre o mesmo assunto. Isso pode fazer sentido em, digamos, um assunto relativo a comércio ou a tributos, porém é insensível prevenir a ação a nível interno com relação a direitos humanos, ou prevenir que um grupo de nações aja para além de um consenso mínimo — priorizando o coletivo em detrimento do efetivo. Tal atitude sugere que a União Européia, apesar de seus ideais, apesar de suas promessas elevadas, decidiu por fim que uma defesa fraca e uniforme dos direitos humanos é mais importante do que uma defesa variada e vigorosa.

Uma exceção bem-vinda à regra da unanimidade foi a decisão de novembro de 2006 tomada por 14 estados-membros da União Européia de co-patrocinar uma resolução sobre o Usbequistão na Assembléia Geral da ONU, após falhas nas tentativas de se chegar a um consenso entre todos os 25 membros. Há necessidade de mais iniciativas desse tipo.

Nossa meta não é regressar a uma era pré-UE de 25 políticas externas distintas. O coletivo tem mais força do que o indivíduo. A relativa fraqueza da presença européia no Afeganistão — onde vários governos dão prosseguimento aos seus próprios projetos bilaterais sem o aprimoramento e reforço que seriam possíveis com uma abordagem mais coordenada — mostra com maior relevância o preço de tal desordem. Apesar da missão da UE em Cabul estar bem informada, seus estados-membros mal usam as informações disponíveis. Em decorrência disso, a reforma na polícia da Alemanha não foi coordenada com a reforma judiciária italiana (concluída em 2006). Os governos que possuem equipes provinciais de reconstrução não sincronizam seus esforços de desenvolvimento. Os participantes da UE nas operações militares da OTAN impõem suas próprias restrições bilaterais — as tropas alemãs não lidarão diretamente com insurgentes para proteger civis, as tropas britânicas não agirão contra traficantes de drogas mesmo se estiverem apoiando a insurgência, as tropas holandesas agem com relutância na detenção de suspeitos —que servem como empecilho aos esforços de promover um ambiente seguro para o povo afegão. Há momentos, entretanto, em que ações fortes por parte de alguns países seria melhor do que ações fracas ou inexistentes por parte de vários governos.

Mesmo quando há um posicionamento comum, a insistência da União Européia em falar e trabalhar quase que exclusivamente através de sua “presidência” muitas vezes mina sua influência. No Conselho de Direitos Humanos, a tradição da União Européia de proferir seu ponto de vista somente uma vez através de sua presidência, em vez de permitir que os governos-membros expressem seu apoio à posição comum, deixa as nações detratoras, que conhecem a importância da repetição, dominarem o debate.

Mais fundamentalmente, é difícil imaginar uma maneira menos eficaz de manter continuidade ou de ganhar experiência do que a confusão que é o mandato rotativo de seis meses dos líderes da União Européia. Às vezes, como no caso da presidência da Finlândia durante os primeiros e vitais seis meses do Conselho de Direitos Humanos, o governo pareceu ter problemas e ver sua missão como se fosse a de criar consenso em vez de assumir a liderança. Em outros momentos, governos melhores equipados assumem as rédeas, porém têm de fazer com que sua agenda caiba em seis meses do mandato. A tradição da presidência eleita e do Conselho Europeu e da Comissão Européia de manter um papel em uma “troika” presidencial alivia um pouco a dificuldade imposta a si mesmas, mas não o suficiente. A rotatividade da liderança reitera a igualdade de todos os membros da União Européia, porém a recusa em conceder responsabilidade a longo prazo aos governos — portanto acabando com a possibilidade de desenvolver experiência e estratégias a longo prazo — é uma receita para disfunção. Em alguns casos, como nas negociações com o Irã sobre seu programa nuclear, a União Européia toma iniciativas para remediar esse obstáculo ao nomear uma forte troika permanente, composta pela Inglaterra, França e Alemanha no papel de representantes da União. Mas passos semelhantes não foram tomados em assuntos importantes relativos a direitos humanos.

Para superar este obstáculo, a União Européia deve reconhecer que a diversidade de seus membros poderia ser considerada um patrimônio em vez de um problema de procedimento. Seus 25 membros têm uma diversidade de experiências e relacionamentos com o resto do mundo, que pode ser aproveitada através de “troikas de experiência” ou “troikas de eficácia” a longo prazo, em vez de “troikas dos recém-chegados” em um sistema de rotatividade. A influência da União Européia aumentaria muito mais se, em vez de apresentar uma nova geração de caras novas a cada seis meses, os mesmos três governos continuassem a trabalhar juntos em questões problemáticas ano após ano, representando assim uma continuidade no envolvimento e uma determinação para cumprir o trabalho.

A eficácia da União Européia quanto a direitos humanos também é prejudicada por uma falta de transparência. A promoção de direitos humanos geralmente vai de encontro a outros interesses governamentais. É difícil para o público saber como a União Européia resolve tais divergências quando ela desenvolve e busca uma estratégia de direitos humanos a portas fechadas — especialmente quando tantas decisões importantes são tomadas em Bruxelas e não em capitais nacionais, e um número tão ínfimo delas envolve um debate parlamentar aberto. Pode convir aos governos evitar o embaraço do escrutínio público, porém eles sentem na pele as conseqüências dos compromissos frouxos e do desempenho medíocre quanto a direitos humanos da União Européia.

Essas falhas de procedimento não explicam por completo a falta de liderança da União Européia no tocante a direitos humanos. Grande parte do problema deve-se a uma simples falta de vontade política. Promover os direitos humanos pode ser custoso e difícil, e vários governos não querem se incomodar — pelo menos mais do que falar da boca para fora. Independentemente da culpa ser do procedimento ou do compromisso, a credibilidade da União Européia como uma entidade que promove os direitos humanos com base em princípios definidos está em risco.

Para examinar mais detalhadamente a liderança da União Européia no tocante a direitos humanos, vale a pena analisar sua reação a vários desafios: as principais potências da China, Rússia e dos Estados Unidos; crises como Darfur; outros problemas relativos a direitos humanos; e questões de direitos humanos dentro da própria União Européia.

China

Com relação à China, a União Européia mantém-se muda quanto à crítica de direitos humanos, relegando a maioria dos seus comentários públicos sobre o tema a afirmações escritas brandas que são fáceis de ignorar. A União Européia mantém um “diálogo” periódico com a China sobre direitos humanos, mas que é efetuado por oficiais de médio escalão, a cada momento encabeçado por um representante da nova presidência, sem referências visíveis para avaliar o progresso de um encontro para o outro, e sem resultados tangíveis. Em contrapartida, Pequim formou uma equipe de especialistas para o diálogo para se esquivar de críticas e obstruir qualquer ímpeto pró-reforma. Como resultado, o diálogo fica abrigado no ministério de relações exteriores sem a divulgação pública que poderia pôr em jogo a reputação da China e dar margens a transformações.

A falta de importância do diálogo foi realçada na ocasião da cúpula mais recente entre a União Européia e a China, em Helsinki em setembro de 2006, com a participação do Primeiro-Ministro chinês, Wen Jiabao. Em nome da presidência da União Européia, a embaixadora da Finlândia em Pequim, Antti Kuosmanen, afirmou que os direitos humanos “não seriam um ponto dominante” na reunião de cúpula, e que os direitos humanos eram um “assunto sensível e delicado... pois estamos tratando de valores”. Com uma pincelada, a União Européia relegou os direitos humanos universais à esfera da subjetividade. Como se previa, assuntos sobre segurança e setores empresariais dominaram a agenda, como também ocorreu durante as visitas subseqüentes de Wen com o Primeiro-Ministro britânico Tony Blair e com a Chanceler alemã Angela Merkel, assim como durante a visita do Presidente francês Jacques Chirac a Pequim.

Da mesma maneira, em outubro, a Comissária de Relações Exteriores da União Européia, Benita Ferrero-Walder, e o Comissário de Comércio, Peter Mandelson, insistiram em uma “reestruturação total” do relacionamento da União Européia com a China, mas sem nunca mencionar os direitos humanos. A proposta deles poderia ser resumida em colocar os lucros à frente dos princípios.

Uma área na qual se sente essa falta de pressão sobre direitos humanos é na liberdade na Internet. Sem auxílio da União Européia (nem mesmo os Estados Unidos) na resistência à pressão chinesa, as empresas de Internet entraram em uma corrida para o fim do poço, na qual realizam o trabalho sujo como censores da rede para o governo chinês.

Houve uns raros momentos felizes no relacionamento entre a União Européia e a China quanto aos direitos humanos. A Chanceler alemã Angela Merkel, em Pequim para sua primeira reunião de cúpula com líderes chineses, passou um tempo na companhia de ativistas chineses que tratam dos problemas e da inquietação da região rural. Apesar do lobby chinês, a União Européia não liberou o embargo a armamentos imposto à China após a repressão sangrenta na Praça da Paz Celestial em 1989 — um caso raro no qual as regras relativas ao consenso facilitaram um posicionamento sólido quanto a direitos humanos, pois o embargo, inicialmente imposto sem vencimento, exige posicionamento unânime para ser revertido. Mas com a China ansiosa pelo fim do embargo antes dos Jogos Olímpicos em 2008, a União Européia ainda não articulou as condições a serem cumpridas — tais como uma investigação transparente e crível dos assassinatos cometidos na Praça da Paz Celestial — e assim desperdiçou uma fonte de influência em potencial.

Rússia

A Alemanha, que assumirá a presidência da União Européia no primeiro semestre de 2007, domina a política da UE em relação à Rússia. A nova Ostpolitik promulgada por Berlim reflete uma determinação aparente de engajar a qualquer custo, sem impor nenhuma condição à Rússia. Como o interlocutor mais importante e respeitado da Rússia, o governo alemão desperdiça sua influência ao aparentemente supor que a obtenção de segurança energética — uma das principais prioridades européias — é incompatível com desafiar o histórico perturbador dos direitos humanos na Rússia. A relutância alemã quanto ao engajamento crítico com o governo russo também pode ser influenciada por sentimentos de culpa devido aos milhões de russos que morreram por causa da invasão alemã durante a Segunda Guerra Mundial, apesar de não explicar por que as vítimas atuais da opressão russa devem sofrer por causa da desgraça de seus antepassados. A União Européia realiza “consultas” semi-anuais sobre direitos humanos com a Rússia, também a um baixo nível diplomático, mas os direitos humanos não constam em posição proeminente na agenda mais ampla da União Européia e da Rússia. Da mesma maneira que a China, a UE periodicamente se pronuncia sobre casos individuais ou eventos tais como a nova legislação russa relativa a ONGs, mas os direitos humanos raramente entram no discurso público dos oficiais de alto escalão. As atrocidades na Chechênia são praticamente esquecidas, sem que o público possa exigir responsabilidade pelos atos cometidos nem mesmo ter notícia sobre o destino dos “desaparecidos”.

Como na sua visita à China, a Chanceler alemã Merkel fez questão de se reunir com defensores de direitos humanos russos na mesma época da sua primeira reunião de cúpula com o Presidente Putin. Ela também falou sobre a importância dos direitos humanos e do Estado de Direito na Rússia. Mas nenhum outro líder europeu a seguiu fazendo as mesmas declarações ou tendo os mesmos gestos, e sua mensagem não foi refletida em nenhum posicionamento comum da União Européia. O Presidente Chirac da França até condecorou Putin com a Grande Cruz da Legião de Honra. Em contrapartida, em quatro ocasiões distintas em 2006, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos condenou a Rússia pela infração do direito à vida devido ao papel desempenhado por tropas russas e seus representantes no desaparecimento forçado de pessoas na Chechênia. Os líderes europeus estão perdendo uma oportunidade de ouro apresentada por essas decisões judiciais para pressionar a Rússia a acabar com os abusos e dar um fim à impunidade.

Estados Unidos

Quanto aos Estados Unidos, a União Européia tem uma lista de sucessos e insucessos. As operações de detenção de suspeitos dos EUA na Europa tornaram os governos europeus cúmplices na tortura, detenção arbitrária e desaparecimentos forçados. Há provas que sugerem que a Polônia e a Romênia permitiram a detenção secreta em seu solo de suspeitos que “desapareceram”. Apesar de o Congresso norte-americano não ter tomado nenhuma atitude quanto à investigação dessas operações, o Parlamento Europeu abriu um inquérito. O comitê parlamentar provisório (TDIP) chegou à conclusão de que seria “totalmente implausível” que tais atividades pudessem ter ocorrido sem o conhecimento da inteligência ou dos serviços de segurança europeus. O comitê encontrou uma cumplicidade oficial quanto à captura de suspeitos em solo europeu e sua rendição a governos para os quais a tortura é prática sistemática e, ao mesmo tempo, atribuiu uma “responsabilidade clara” à CIA. Com vista às revelações de sua cumplicidade, a Polônia fez cara de estátua, recusando-se a cooperar com as diversas investigações sobre os centros secretos de detenção.

Em contraste, um tribunal italiano tem sido mais vigoroso, emitindo mandados de prisão para os agentes da CIA e seus cúmplices italianos que supostamente foram responsáveis pela abdução de Osama Mustafa Hassan Nasr, conhecido como Abu Omar, em 2003, e sua entrega ao Egito para ser torturado. Em novembro, no que foi descrito como uma “rotatividade natural”, o novo governo do Primeiro-Ministro Romano Prodi substituiu o chefe dos serviços de inteligência militar SISMI, que se encontra sob investigação por seu papel no rapto. Porém, o teste de fogo para a Itália será se o governo enviará os mandados de extradição do tribunal aos Estados Unidos, e se divulgará as informações sobre um possível conhecimento prévio de sua parte sobre o seqüestro.

Com relação à conduta dos EUA fora da Europa, a União Européia não fez nenhum comentário público de alto nível sobre as conclusões do Comitê contra Tortura da ONU quanto à cumplicidade dos EUA em atos de tortura e outros interrogatórios abusivos. E levou anos para que a União Européia — até a reunião de cúpula entre a União Européia e os EUA em junho de 2006 — solicitasse coletivamente o fechamento da instalação de detenção americana na Baía de Guantánamo. Essa súplica seguiu invocações similares da Grã-Bretanha, Alemanha e Espanha. Mesmo assim, a União Européia se recusou a fazer o ato humanitário de abrigar os detentos de Guantánamo que os EUA estão dispostos a liberar, mas que não podem regressar aos seus países de origem por medo de serem torturados após o retorno. Foi somente a Albânia, que não faz parte da União Européia, que finalmente concordou em acolher cinco detentos de etnia Uighur que foram libertados de Guantánamo mas não podiam regressar à China com segurança, e que também autorizou a permanência de detentos egípcios, argelianos e usbeques.

Darfur

Em se tratando da enorme crise em Darfur, a União Européia gosta de anunciar a quatro vozes as verbas que envia para apoiar a força da União Africana (AMIS), que sofre de falta de equipamentos e mão-de-obra. Entretanto, a UE fez pouco para persuadir Cartum a aceitar a força de proteção da ONU, com capacidade de equipamento e tropas, aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU em agosto. A União Européia impôs um embargo de armas no Sudão durante a guerra civil entre o norte e o sul, porém não agiu para que o embargo fosse cumprido desde que o conflito em Darfur começou. Com preferência pela participação, os membros da União Européia resistem congelar os bens e proibir a movimentação dos principais oficiais sudaneses responsáveis pelas matanças em Darfur. Longe de implementar sanções comerciais ao Sudão similares às realizadas pelos EUA, a União Européia e, especialmente a França, registrou uma enorme aumento no comércio com o Sudão. O fato de Cartum não ter progredido no sentido de desarmar as milícias assassinas Janjaweed ou responsabilizar os culpados pelas atrocidades cometidas, conforme exigido pela União Européia e pela ONU, não fez nada para levar a União Européia a uma ação de resposta mais rigorosa.

Parte do problema é que a Grã-Bretanha e a França, como membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, insistem que a política da União Européia em Darfur seja estabelecida em Nova York e não em Bruxelas. Dando o crédito que merece, a União Européia — e particularmente a Alemanha e a França — tiveram um papel importante na criação de uma comissão de inquérito dentro do Conselho de Segurança para examinar as atrocidades em Darfur, e subseqüentemente, enviar o caso de Darfur ao Tribunal Penal Internacional. Porém o importante feito de obter justiça para as vítimas não substitui a ação imediata de dar um fim aos assassinatos, estupros e desapropriações forçadas que ocorrem atualmente Com relação a obter o auxílio de outros países para pressionar Cartum, a União Européia trouxe à tona o assunto de Darfur na China antes da reunião de cúpula entre a China e a África, em novembro de 2006. E a Chanceler alemã Merkel debateu Darfur em suas reuniões com os líderes chineses e russos. No entanto, o esforço de contar com o auxílio da China e da Rússia para pressionar Cartum a aceitar uma força de proteção da ONU e reverter suas políticas brutais em Darfur não foi suficientemente mantido nem intensificado para que se sentisse uma diferença considerável no local, no qual Cartum e seus representantes da Janjaweed persistem em atacar civis com impunidade.

Outros assuntos relativos a direitos humanos

Há vários outros países nos quais a União Européia deixa a desejar quanto a direitos humanos. Às vezes, interesses comerciais falam mais alto.

  • Na Birmânia, a União Européia presta assistência ao movimento democrático no exílio. Também critica o governo birmanês e impõe algumas sanções. No entanto, vários membros da União Européia — Grã-Bretanha, França, Alemanha e Países Baixos — têm interesses comerciais e de investimentos consideráveis na Birmânia, fato esse perturbador em vista do uso de trabalho forçado pelo exército birmanês em vários setores da economia. Em uma época na qual os vizinhos da Birmânia expressam suas críticas publicamente, vários países poderosos da UE são relativamente passivos. Os países da União Européia até mesmo consideraram adequado convidar o ministro das relações exteriores birmanês para a reunião de cúpula entre a Ásia e a Europa (ASEM) em setembro.
  • Na Tailândia, a União Européia respondeu com firmeza ao golpe militar em setembro de 2006 que retirou o Primeiro-Ministro Thaksin Shinawatra do poder. Porém, durante o mandato de cinco anos de Thaksin, a União Européia expressou sem muito alarde sua preocupação com a piora das condições dos direitos humanos no país — incluindo cerca de 2.500 execuções extra-judiciais durante a guerra contra drogas promovida por Thaksin, a supressão da liberdade de imprensa, uma contra-insurgência brutal no sul do país, e a diminuição da proteção de refugiados. Nesse ínterim, a União Européia procurou chegar a um acordo de comércio livre com a Tailândia.
  • A União Européia, que tem cláusulas sobre direitos humanos em seus acordos comerciais e de cooperação com a maioria dos países, deveria ter agido mais incisivamente quanto a direitos humanos no Oriente Médio. A principal exceção nesse sentido foi seu apoio a uma investigação internacional do assassinato por um carro-bomba do ex-Primeiro-Ministro libanês Rafik Hariri, ocorrido em 2005.
  • Na Etiópia, a União Européia protestou fortemente contra os abusos do governo no decorrer das eleições altamente contestadas de 2005. Também agiu segundo suas palavras, com a supressão ou reencaminhamento de mais de US$375 milhões em suporte orçamentário multilateral direto ao governo etíope. Entretanto, não houve seguimento visível da União Européia no sentido de tratar dos principais problemas de direitos humanos que ainda ocorrem na Etiópia, tais como a repressão de oponentes políticos e as surras, estupros e assassinatos extrajudiciais de membros do grupo étnico Anuak, na região etíope de Gambella.
  • A União Européia agiu positivamente ao pressionar a Nigéria a entregar o antigo presidente liberiano, Charles Taylor, para julgamento pelo Tribunal Especial para Serra Leoa, com base em acusações de que ele cometeu crimes de guerra e crimes contra a humanidade ao apoiar a assassina Frente Revolucionária Unida em Serra Leoa. Mas, quando o Tribunal Especial para Serra Leoa solicitou que o julgamento fosse realizado em Haia, devido a problemas de segurança associados com a presença de Taylor em Freetown — uma preocupação expressa também pela Libéria — a União Européia perdeu tempo. O Tribunal Penal Internacional prontamente ofereceu suas dependências, e os Países Baixos concordaram, mediante a condição de que outro governo se comprometesse a deter Taylor caso ele fosse sentenciado. Mas, durante uma época de potencial instabilidade na África Ocidental, a transferência de Taylor foi adiada por semanas até que a União Européia encontrasse um governo que atendesse à solicitação. Finalmente, a Grã-Bretanha se prontificou a detê-lo.
  • O governo da Tunísia, que não tolera nenhuma entidade que critique seus atos, há anos bloqueia uma série de verbas aprovadas pela União Européia para a organização independente tunisiana Liga de Direitos Humanos, assim como verbas que a União Européia deseja doar a outras organizações independentes. Mesmo assim, a União Européia protesta publicamente com pouquíssimo alarde contra essa prática contínua por parte do governo.

Nada do expresso acima serve para negar que, às vezes, a União Européia age positivamente, especialmente no tocante a disponibilizar missões operacionais.

  • A União teve um papel importante na criação de um o acordo de paz em Aceh e no envio de uma equipe de monitoramento, apesar de não ter pressionado o governo indonésio a deixar aberta a possibilidade de que se aplique justiça aos responsáveis pelas atrocidades cometidas durante a guerra.
  • Uma força européia enviada à República Democrática do Congo, antes das eleições em outubro de 2006, forneceu um importante incentivo para os esforços da força de manutenção de paz da ONU para manter a segurança, apesar da insistência da Alemanha em trazer seus soldados para casa antes do Natal, o que arriscou a redução da força das tropas em um momento no qual as tensões políticas sobre os resultados contestados das recém-ocorridas eleições continuavam altas. Os riscos foram realçados pela ocorrência de uma nova revolta no leste do Congo no final de novembro de 2006.
  • Em outubro de 2006, um comitê do Parlamento Europeu rejeitou uma proposta da Comissão Européia para se criar um acordo comercial interino com o Turcomenistão, ressaltando que o parlamento aprovaria tal acordo somente quando “se chegasse a um progresso claro, tangível e sustentável na situação de direitos humanos” no país.
  • Seis mil tropas da União Européia mantêm a paz na Bósnia, onde se espera que a União Européia assuma a total responsabilidade por uma reduzida presença civil internacional em meados de 2007.
  • Em Kosovo, a União Européia planeja liderar a missão civil internacional que espera ser enviada em 2007, quando a situação do território for determinada. Seu enfoque incluirá justiça e policiamento.

Da mesma forma, a União Européia pode ser uma força sólida em direitos humanos através de seu processo de ascensão, no qual a exigência de haver unanimidade para ação tende a elevar a pressão sobre o estado candidato — já que qualquer membro da União Européia pode se opor ao candidato que não tenha feito o suficiente para melhorar seu histórico em direitos humanos — em vez de apresentar um obstáculo para a projeção da influência da União Européia. Foi possível sentir tal influência positiva com maior ímpeto no ano passado nos Bálcãs, não obstante Bruxelas não ter conseguido enfocar suficientemente a responsabilidade interna por crimes de guerra cometidos na região. No passado recente, isso também foi percebido na Turquia, apesar da relutância crescente de vários governos da UE quanto ao ingresso da Turquia sob quaisquer termos ter posto em jogo o poder dos critérios de direitos humanos descritos para ascensão ao grupo.

Porém, as exceções positivas não substituem a falta de coerência na política que dificulta a resposta da União Européia a alguns dos desafios de direitos humanos mais importantes da atualidade. É essencial que a União Européia encontre uma voz mais firme e mais consistente sobre direitos humanos se quiser ter o extremamente necessário papel de líder global.

Direitos humanos em casa

As políticas sobre assuntos relativos a direitos humanos dentro da União Européia decepcionam no tocante ao tratamento de migrantes e pessoas que buscam asilo. A determinação da União Européia em estancar o fluxo de migrantes a todo custo resulta no fato de que os direitos dos migrantes são ignorados e seu direito de buscar asilo na Europa, fugindo de perseguição em sua terra natal, é dificultado. Em janeiro de 2006, a Diretiva de Procedimentos para Asilo entrou em vigor, com a exigência de que todos os estados-membros devolvam os que buscam asilo a uma lista de “países de origem seguros”. A falta de consenso sobre os países que devem constar da lista — muitos dos quais oferecem segurança duvidosa — até agora atrasou a implementação de tal documento, mas vários estados-membros já seguem suas próprias listas de países seguros.

Em seus esforços de “internacionalizar” a gestão de migrantes, a União Européia se aliou a regimes repressivos como a Líbia, um dos portais de saída para milhares de migrantes que buscam proteção e trabalho na Europa. A cooperação da Líbia e da União Européia sobre a imigração é unidimensional e se concentra exclusivamente em bloquear acesso à Europa, sem muita preocupação com os direitos ou reivindicações de refúgio dos migrantes. Na fronteira ao leste, a União Européia assinou um acordo de readmissão com a Ucrânia em outubro que exige que os cidadãos de outros países que buscam proteção na UE sejam readmitidos, apesar de crescentes preocupações sobre as práticas abusivas de detenção na Ucrânia e sobre o sistema de asilo ucraniano que mal se mantém em funcionamento. A “carência” de dois anos antes das pessoas serem repatriadas não é tempo suficiente para reformular o problemático sistema ucraniano. A Espanha, que em 2006 recebeu o maior número de migrantes por via marítima, busca assinar acordos de readmissão com países como Senegal e Mauritânia.

A maioria dos governos da União Européia trata satisfatoriamente dos crimes considerados como terrorismo através do sistema penal comum, mas a remoção de garantias processuais para suspeitos de terrorismo arrisca destruir toda a estrutura do Estado de Direito. O Reino Unido aprovou uma lei que aumentou a detenção pré-acusação de 14 para 28 dias, e um aumento adicional para 90 dias está em vias de debate. Os Países Baixos, com pendência na legislação antiterrorismo, se preparam para aumentar sua detenção pré-acusação de três para 14 dias. Desde janeiro de 2006, os suspeitos de terrorismo na França podem ficar detidos até seis dias sob custódia policial com acesso extremamente limitado a aconselhamento legal, enquanto os interrogadores policiais podem questionar os detentos à vontade.

Alguns membros da União Européia desejam evitar a instauração de processos penais em seu solo e, por isso, deportam ou extraditam suspeitos de terrorismo, muitas vezes para locais nos quais eles sofrem o risco de tortura. O Reino Unido insiste em deter suspeitos sem acusação formal, e tenta enviá-los de volta a países como a Líbia ou a Jordânia baseando-se em promessas superficiais de tratamento humanitário por parte desses governos. Justifica sua infração da lei internacional como necessária para combater o terrorismo, porém ainda não deu direito a seus promotores para usar provas obtidas por grampo telefônico autorizado legalmente em processos — uma das únicas duas democracias ocidentais (a Irlanda é o outro exemplo) a agir com esta visão extrema. O governo britânico nunca explicou por que o sacrifício dos direitos fundamentais deve ser considerado antes de ao menos se tentar usar ferramentas de implementação do cumprimento da lei amplamente aceitas.

Os Países Baixos continuam a buscar a extradição de alguns suspeitos de terrorismo para a Turquia, com base em semelhantes promessas não confiáveis de que não tratarão mal os suspeitos. Outros governos, incluindo o da Suíça, agora se preparam para adotar essa mesma prática duvidosa. É irônico que, ao mesmo tempo que o Parlamento Europeu apropriadamente investiga a cumplicidade européia com as devoluções de suspeitos da CIA a países que apresentam risco de tortura, alguns países-membros da União Européia adotam transferências a países similares como uma medida antiterrorista em seu próprio solo.