Este relatório foi escrito por Joanne Mariner, diretora jurídica adjunta da Human Rights Watch, e teve co-autoria em algumas partes de James Cavallaro, diretor no Brasil da divisão das Américas da Human Rights Watch; foi editado por Anne Manuel, diretora adjunta da divisão das Américas e Cynthia Brown, diretora de programas da Human Rights Watch. O relatório baseia-se na pesquisa conduzida pelos autores entre setembro de 1997 e março de 1998, incluindo visitas a quarenta estabelecimentos penitenciários brasileiros nos estados do Amazonas, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo e em Brasília, assim como em uma vasta gama de materiais suplementares. Os seguintes membros do escritório brasileiro da Human Rights Watch forneceram significativa contribuição na pesquisa e redação deste relatório. São eles: Nadejda Rodrigues Marques (assessora), David Radel (estagiário de direito), Katie Hamill (estagiária de direito), Camila Moreno (estagiária de direito, mestranda em filosofia), Megan Himan (associada) e Oliver G. Chase (estagiário).
A Human Rights Watch gostaria de agradecer aos seguintes indivíduos e organizações pela assistência e cooperação durante a pesquisa no Brasil. São eles: Padre R. Francisco Reardon, coordenador nacional da Pastoral Carcerária da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (São Paulo), como também aos seus vários colegas por todo o país, particularmente Charles Siqueira em Belo Horizonte (Minas Gerais); Dep. Wagner Lino, presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembléia Legislativa do estado de São Paulo e seus dedicados colaboradores; Benedito Domingos Mariano, Ouvidor da Polícia em São Paulo; Juiz Francisco José Galvão Bruno, em São Paulo; os membros da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul (Porto Alegre); João Leite e Durval Angelo, presidente e vice-presidente, respectivamente, da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do estado de Minas Gerais; Fábio Alves dos Santos, vice-presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos do estado de Minas Gerais; Gilvan Alves Franco, promotor público de Minas Gerais; Juiz George Lopes Leite, em Brasília; Júlio Rafael, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Sociais da Câmara dos Vereadores de João Pessoa (Paraíba); Fernando Batista de Vasconcelos, promotor de direitos humanos em Natal (Rio Grande do Norte); Centro de Direitos Humanos e Memória Popular em Natal; Mário Mamede, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do estado do Ceará, e seus colaboradores; Padre Humberto Guidotti do Centro de Direitos Humanos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (Manaus, Amazonas).
ÍNDICE
AGRADECIMENTOS i
PREFÁCIO v
Contexto vi
Metodologia e Questões de Acesso ix
Normas Internacionais de Direitos Humanos Sobre o Tratamento
dos Presos xiv
I. RESUMO E RECOMENDAÇÕES 1
Recomendações 5
II. UMA ANÁLISE DO SISTEMA PENITENCIÁRIO 11
Normas Legais Nacionais 11
Estabelecimentos Prisionais 12
Autoridades Responsáveis 14
Fiscalização do Tratamento e Condições 17
A População Carcerária 23
III. SUPERLOTAÇÃO, PENAS ALTERNATIVAS E CONSTRUÇÃO DE NOVOS PRESÍDIOS 25
Mandados Incumpridos 26
Detenção Antes do Julgamento 27
O Fracasso na Progressão das Penas 29
Remediando a Crise da Superlotação 30
IV. SÃO PAULO E MINAS GERAIS:
DELEGACIAS DE POLÍCIA COMO PRISÕES 38
Tortura nas Carceragens das Delegacias de Polícia 40
Um Atenuante do Sistema Prisional 46
No Limite da Superlotação 48
O que nos Reserva o Futuro 49
O Contra-exemplo: o Rio Grande do Sul 50
V. CONDIÇÕES FÍSICAS 51
Estabelecimentos Penitenciários: Características Básicas 51
Condições de Vida e o Impacto da Superlotação 52
Luz, Ventilação e Temperatura 55
Roupas de Cama e Vestuário 56
Alimentação 57
Água e Higiene 58
VI. ASSISTÊNCIA MÉDICA, JURÍDICA E OUTRAS 60
Assistência Médica 60
Assistência Jurídica 71
Serviços Sociais 71
VII. ABUSOS ENTRE OS PRESOS 72
Ausência de Classificação 72
Ausência de Supervisão Efetiva 73
Disponibilidade de Armas 77
Gangues e Hierarquia nas Prisões 77
Prisioneiros Homossexuais 78
Violência entre os Presos 79
Extorsão e o Mercado "Imobiliário" Interno da Prisão 81
Celas de Castigo e Presos Jurados de Morte 82
Penitenciária Central João Chaves : Estudo de Caso
de um Estabelecimento Penal Violento 83
VIII. ABUSOS COMETIDOS POR GUARDAS E POLICIAIS 89
Efetivo de Pessoal na Prisão 89
Punições Autorizadas: Advertências, Restrições e Isolamento 94
Punições Não Autorizadas: Execuções Sumárias, Tortura e
Outros Abusos Físicos 96
Impunidade 115
IX. O CONTATO DOS PRESOS COM O MUNDO EXTERIOR 118
O Problema da Distância 119
Políticas de Visitação 119
Correspondência e Comunicação por Telefone 128
Acesso à Imprensa 129
X. O TRABALHO E OUTRAS ATIVIDADES 131
Trabalho 131
Educação 133
Exercício e Recreação 134
Religião 135
XI. DETENTAS 137
Infra-estrutura Física 137
Tratamento Médico 139
Relações entre as Detentas 139
Disciplina, Punição e Tratamento pelos Guardas 140
Rebeliões e Protestos 142
Laços de Família 145
Visitas Conjugais 146
Trabalho, Educação e Outras Atividades 149
VII. ABUSOS ENTRE OS PRESOS
O problema é que todos são jogados juntos; assassinos são misturados aos ladrões de galinha.
--Pedro Wilson Guimarães, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Deputados Federal(179)
No Brasil, reincidentes violentos e réus primários, detidos por delitos menores, freqüentemente dividem a mesma cela, situação esta que, combinada com as condições difíceis das prisões, a ausência de supervisão efetiva, a abundância de armas e a falta de atividades, resulta em situações de abuso entre os presos. Nas prisões mais perigosas os detentos poderosos matam outros presos impunemente, enquanto até mesmo em prisões de segurança relativa, extorsão e outras formas mais brandas de violência são comuns.
Ausência de Classificação
A Lei de Execução Penal (Lei 7.210 de 1984) inclui orientações detalhadas, determinando que os presos sejam classificados e separados por sexo, antecedentes criminais, status legal (condenados ou aguardando julgamento) e outras características, reproduzindo os padrões internacionais sobre este assunto.(180) Na prática, contudo, poucas destas regras são respeitadas. As mulheres presidiárias são separadas dos homens, os menores são, grande parte, mantidos fora das prisões de adultos(181), e ex-policiais são mantidos em celas separadas dos outros presos; ainda assim, na maior parte das instituições penais, pouco mais é realizado no sentido de separar as diferentes categorias de presos.
Acima de tudo, há pouco empenho para separar os presos potencialmente perigosos de seus companheiros mais vulneráveis. Alguns estados têm penitenciárias especiais de segurança máxima para manter os indivíduos mais perigosos e propensos a fugas, mas elas contêm apenas uma pequena parcela dos presidiários; além disto, não há um sistema operante de classificação de prisioneiros por níveis de segurança--como, por exemplo, máximo, médio e mínimo-- tanto em cada prisão, como entre as diferentes prisões. Os prisioneiros são misturados igualmente ao acaso: a atribuição de celas, por exemplo, tende a ser ditada por considerações de espaço ou decidida pelos próprios prisioneiros.
Internos que aguardam julgamento são livremente misturados com aqueles já condenados. Além do grande número de prisioneiros condenados confinados junto com outros ainda não condenados nas cadeias das delegacias policiais, examinado anteriormente, existe ainda, nas penitenciárias, um grande número de presos ainda não julgados colocados junto aos presos já condenados.(182)
Ausência de Supervisão Efetiva
O censo penitenciário de 1995 contabilizou um total de 19.366 guardas (agentes penitenciários) trabalhando nas prisões brasileiras, em uma média de 4,5 detentos por guarda.(183) Contudo, a qualquer momento uma proporção surpreendentemente alta de guardas está em licença médica, ou em férias, ou por algum outro motivo ausente do trabalho. Somado a isto, pessoas nominalmente contratadas como guardas estão de fato locadas em funções administrativas em muitas prisões. Os guardas são usados também como motoristas e escolta quando os prisioneiros são levados ao tribunal ou compromissos fora da prisão, reduzindo ainda mais o número de guardas em serviço dentro das prisões. Finalmente, embora o horário dos guardas varie de estado para estado, eles acabam trabalhando um dia para cada três em que descansam.(184)
O resultado final é que a maioria das prisões tem um número muito limitado de guardas responsáveis por supervisionar um número de prisioneiros totalmente desproporcional. Na Casa de Detenção de São Paulo, por exemplo, o diretor disse que ele usualmente tem de dez a doze guardas em serviço para 1.700 prisioneiros, ou aproximadamente um guarda por andar em cada pavilhão.(185) Cada guarda, portanto, é responsável por monitorar algo entre 140 a 170 prisioneiros. O número de guardas baixa ainda mais nas segundas feiras, quando as faltas são particularmente altas, dia em que a violência na prisão mais provavelmente irrompe.
A pior prisão visitada pela Human Rights Watch em termos de supervisão de guardas inadequada foi a Penitenciária Central João Chaves, em Natal, Rio Grande do Norte. Embora vinte e quatro policiais militares fossem designados à prisão cada dia, eles foram divididos entre o anexo feminino, áreas administrativas, serviços de escolta e acompanhamento, etc., deixando somente três guardas responsáveis pelo controle interno da prisão masculina. Assim, dada uma população de 646 presidiários em dezembro de 1997, havia 215 presos por guarda. Além disto, os três guardas permaneciam parados em uma mesa próxima à entrada da prisão. Durante o dia, nas instalações da prisão, raramente os vimos levantar da mesa para monitorar a situação da população de detentos.
Muitas outras prisões tinham faltas no quadro de carcerários, senão equivalentes ao nível descritos acima. A Penitenciária Regional de Campina Grande, na Paraíba, tinha em torno de noventa e três presos para cada guarda em serviço; o Presídio Róger em João Pessoa, Paraíba, tinha sessenta e dois detentos para cada guarda em serviço e o Presídio Central de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, tinha uns sessenta presos por guarda, só para citar alguns exemplos. Na principal prisão de Brasília, na qual havia sessenta e um detentos em média para cada guarda em serviço, o carcereiro nos contou que ele precisaria triplicar este número para lidar com a população dos presos "satisfatoriamente".(186) O diretor da Penitenciária do Estado de São Paulo ressaltou que mesmo considerando que a população carcerária tenha crescido significativamente na última década, o número de guardas permaneceu estável.(187) Além de poucas prisões femininas, que tendem a apresentar proporções mais altas de números de funcionários, a única prisão na qual a Human Rights Watch encontrou, de alguma forma, proporções razoáveis de prisioneiros e guardas foi a Penitenciária Nelson Hungria, em Nova Contagem, Minas Gerais, onde em torno de cinqüenta guardas supervisionam 683 internos (uma média de quatorze detentos por guarda).
A proporção entre prisioneiros e carcereiros nas delegacias policiais que a Human Rights Watch visitou foi igualmente precária. Grande parte das cadeias tem apenas um guarda em serviço por vez. Este único guarda estava normalmente parado fora da carceragem e raramente iria aventurar-se a entrar para monitorar o bem estar dos presos. Em algumas instalações, como por exemplo no 3o DP, em São Paulo, encontramos uma pesada porta de ferro separando a área da carceragem, que impedia a vigilância visual e abafava o som. No Depatri, estabelecimento policial em São Paulo, os carcereiros não somente ficavam parados à distância dos prisioneiros, como eram apenas dois carcereiros por turno para monitorar algo como 350 presos.
Paradoxalmente, o baixo quadro de pessoal das instalações penais brasileiras, ao invés de forçar os guardas a uma vigilância maior, os encoraja a negligenciar ainda mais os seus deveres. Uma vez que são de tal forma excedidos em número, os guardas estão sob maior risco quando entram em contato com os presos. Dados os chocantes números de conflitos entre os internos e os episódios envolvendo tomada de reféns durante os últimos anos, não é surpresa que os guardas prefiram não fazer rondas dentro das prisões e sim, tanto quanto possível, permanecer a uma distância segura. No Presídio Central de Porto Alegre, prisioneiros afirmaram que os guardas quase nunca entram nas áreas onde vivem os prisioneiros (galerias); de fato, que os guardas "não podem entrar" nestas áreas enquanto os prisioneiros estão lá dentro.(188) A morte de guardas, embora não muito freqüente, não é um fato desconhecido. Na Casa de Detenção em Hortolândia, em junho de 1995, em um incidente particularmente brutal, prisioneiros amotinados mataram dois guardas e o diretor da prisão(189).
A corrupção entre os guardas é o fator final de contribuição para esta mistura perigosa. Os prisioneiros pagam aos guardas para que estes lhes permitam burlar algumas regras, incluindo contrabandear armas e ir até áreas da prisão nas quais normalmente lhes seria barrado o acesso, em alguns casos, para vingarem-se de inimigos lá. Como um prisioneiro da prisão masculina de Manaus disse: "Dê a um guarda R$30 e ele não vai se importar com o que você faz; ele vai lhe dar a chave da cela de outra pessoa".(190) O delegado de um distrito policial em São Paulo afirmou sem rodeios:
Tenho apenas alguns carcereiros e a maioria deles é corrupta. Estou tentando me livrar dos dois piores, mas é difícil provar a corrupção. Estes homens ganham aproximadamente R$300-R$400 reais por mês [aproximadamente US$265-US$355]. Os prisioneiros oferecem a eles grandes somas de dinheiro para trazer para dentro da prisão furadeiras elétricas. Tenho presos que me informam; descobri que a cela quatro está tentando comprar um conjunto de ferramentas por R$2.000. Estou tentando implantar uma nova conduta, determinando que os carcereiros sejam revistados quando entram. O detetor de metais não funciona. . .Até agora nós não encontramos armas de fogo, mas encontramos facas. Os prisioneiros até arranjam como receber pizza, entregue pelas pizzarias de sua preferência.(191)
O resultado final do baixo número de guardas e da vigilância frouxa constitui um vácuo de poder. Indisciplinados e sem supervisão, os prisioneiros brasileiros são deixados ao seu próprio governo. Com a presença escassa de guardas em muitas prisões, há muito poucos meios de prevenir que presos mais fortes, brutos, ricos e mais bem relacionados ameacem, intimidem e algumas vezes abusem violentamente de companheiros mais vulneráveis.
Disponibilidade de Armas
Armas, em particular as facas caseiras e estiletes, são abundantes nas prisões. Os carcereiros de diversas instalações nos mostraram armas que eles haviam confiscado durante buscas: pedaços de aço afiados e presos a cabos de tecido enrolado, facas apontadas e outros instrumentos perigosos. Prisioneiros de várias prisões falaram à Human Rights Watch que "todo mundo" possuía armas.
As autoridades das prisões conduzem buscas regulares, mas estas são inadequadas para lidar com a engenhosidade dos prisioneiros em produzir e contrabandear armas. Para citar um exemplo que sugere a extensão do problema, uma busca de um dia realizada na Casa de Detenção de São Paulo encontrou 250 facas.(192)
Gangues e Hierarquia nas Prisões
Muito da violência nas prisões é relacionada aos conflitos entre gangues que, por sua vez, são freqüentemente resultado da competição para controlar o tráfico de drogas na prisão. O diretor da Penitenciária Estadual de Jacuí, no Rio Grande do Sul, nos contou que em 1992 uma "guerra" violenta entre os manos e os abertos, duas gangues da prisão, forçaram as autoridades estaduais a inaugurar uma nova penitenciária de segurança máxima, antes do tempo previsto.(193) Mais recentemente, em maio de 1998, um enorme confronto de gangues na Penitenciária Professor Barreto Campelo, em Pernambuco, deixou pelo menos vinte e dois presos mortos.(194)
Em algumas prisões, rivalidades perigosas entre diferentes pavilhões ou alas da prisão irrompem. No superlotado Presídio Central de Porto Alegre, por exemplo, prisioneiros do segundo andar do pavilhão B tentaram "tomar" o terceiro andar no início de 1997, invadindo-o violentamente. A Human Rights Watch entrevistou um dos prisioneiros do terceiro andar que foi tomado como refém durante o assalto: "Eu fui agarrado por trás e arrastado escada abaixo. Então eles amarraram minhas mãos e pés juntos e bateram-me com paus".(195) Os outros prisioneiros ameaçaram enrolá-lo em um colchão de espuma e atear fogo, caso a polícia militar tentasse libertá-lo. Ele tem cicatrizes visíveis do episódio.
Os prisioneiros falaram da "prefeitura", da "liderança" ou dos "xerifes" de suas instalações, reconhecendo em termos formais o status dos detentos mais poderosos. No Presídio Central de Porto Alegre, ouvimos que os membros da prefeitura controlam o tráfico de drogas, que estava aumentando rapidamente, vivem nas melhores celas, detém os poucos trabalhos disponíveis aos presos, obtendo desta forma remissão da pena. Na prisão masculina de Manaus, estes líderes são estimados em número próximo a cinqüenta, em uma população de presos de mais de 500; eles controlam a venda de drogas e também determinam surras em outros prisioneiros.
Prisioneiros Homossexuais
Prisioneiros homossexuais e transexuais enfrentam dificuldades particulares, na medida em que a discriminação contra eles é intensificada na sociedade hierárquica das prisões masculinas. Alguns prisioneiros homossexuais e transexuais estão confinados na Casa da Detenção de São Paulo, a maioria em uma pequena área no pavilhão cinco.(196) Uma minoria desprezada pelo sistema penitenciário, eles não têm outra escolha senão conformar suas atitudes ao conjunto de "leis" não escritas estabelecidas por outros detentos. Nos dias de visita, por exemplo, eles têm que permanecer nas suas celas durante o dia todo; eles não podem mostrar-se por medo de aborrecer os visitantes. Se recebem visitas, eles só podem sair das celas cobertos. Cada prisão, e cada pavilhão na Casa de Detenção, tem algum tipo de regra diferente para os homossexuais, mas elas são todas similarmente degradantes e discriminatórias.
Um preso homossexual nos disse que:
Eles dizem que nós não temos dignidade, honra e direitos. Eles são orgulhosos de serem homens, bandidos; eles são durões...Eles nos vêm como objetos para serem usados. Se há uma rebelião, nós somos os que sofrem. Os guardas não têm controle da situação aqui dentro.(197)
Muitos prisioneiros homossexuias sobrevivem lavando roupas para outros prisioneiros e fazendo outros tipos de "serviços femininos", incluindo prostituição. Os homossexuais e travestis que vivem em seu próprio setor têm um certo grau de independência; aqueles, no entanto, que chegam sem amigos por lá, enfrentam as maiores dificuldades. Os prisioneiros homossexuais que acabam indo viver em um outro setor ("com os homens", como eles dizem) terão de trabalhar para os outros presos como escravos. "Ela se torna uma escrava sexual também" um preso homossexual acrescenta, explicando:
Nós cumprimos duas sentenças aqui: uma imposta pelo juiz e outra imposta pelos prisioneiros. Nós não temos valor para eles. Ninguém presta atenção para a palavra de um homossexual. Eles nos deixam falar com eles até um certo ponto. Nenhum deles beberia do meu copo. (198)
Violência entre os Presos
Dada esta conjunção de fatores causais, é fácil compreender porque explosões de violência entre os prisioneiros ocorrem com freqüência nos centros de detenção brasileiros. Exemplos de anos recentes incluem os seguintes: detentos que queriam terminar uma rebelião no início de 1998 na Penitenciária São José, em Belém do Pará, mataram três dos líderes da rebelião, atirando dois deles do alto de um dos muros da prisão; sete prisioneiros foram mortos nas cadeias policiais do Rio de Janeiro durante um período de duas semanas em julho de 1997, resultado de rivalidade de gangues; um grupo de presos da Casa de Detenção de São Paulo invadiu a cela de outro preso e o esfaqueou até a morte em maio de 1997; nos primeiros três meses de 1997, quatro prisioneiros foram mortos na seriamente superlotada cadeia pública de Vila Branca em São Paulo, sendo um dos prisioneiros esfaqueado quarenta vezes; um confronto de gangues numa prisão em Sorocaba em janeiro de 1997, deixou três prisioneiros mortos.(199)
Na Casa de Detenção de São Paulo cerca de dez presos morrem a cada ano como resultado de ferimento de faca, de acordo com os presos-enfermeiros que normalmente tratam os ferimentos dos detentos.(200) De fato, um preso foi morto em março de 1997, menos de quinze minutos após chegar na prisão, esfaqueado até a morte enquanto ainda permanecia em uma cela de triagem. Um preso-enfermeiro dos presidiários explica como a violência freqüentemente ocorre:
A maioria dos esfaqueamentos ocorre nas segundas-feiras; é dia de coleta. Após as visitas do domingo, aqueles que têm crédito vem receber. Quando os presos que devem não têm dinheiro a briga começa.(201)
No Presídio Central de Porto Alegre, uma das instalações mais perigosas inspecionadas pela Human Rights Watch, um preso nos relatou o seguinte:
Em três anos eu vi seis pessoas morrerem violentamente; a maioria delas devia dinheiro. Em '96, eles injetaram dez gramas de cocaína num cara; quando viram que com isto ele não morreu rapidamente, eles enforcaram ele.(202)
Oficiais desta instituição disseram que três presos morreram violentamente no ano passado, todos eles enforcados pelos outros prisioneiros. Os detentos da Penitenciária Raimundo Vidal Pessoa, em Manaus, relataram à Human Rights Watch que quatro prisioneiros foram mortos em 1997, três esfaqueados e um enforcado pelos outros presos. "Quando você fala muito, você morre; esta é a lei aqui", afirmou um preso.(203)
O Censo Penitenciário Nacional de 1994 reportava um total de 131 homicídios entre os presos e quarenta e cinco suicídios (como as descrições acima sugerem, alguns destes "suicídios" podem ter sido forçados).(204) Embora estas estatísticas não sejam nem de longe chocantes como as de outros países da América Latina, elas permanecem indicando às autoridades que elas precisam tomar medidas para prevenir a violência nas prisões. A pesquisa da Human Rights Watch sugere, de forma complementar, que o número de homicídios recentes entre os presos é substancialmente maior (ou que os números de 1994 foram desviados por sonegação de dados).(205) Infelizmente, o Censo Penitenciário de 1995 falhou em providenciar qualquer informação estatística sobre violência nas prisões.
Extorsão e o Mercado "Imobiliário" Interno da Prisão
Internos de algumas instalações, em geral as mais superocupadas, têm que pagar a outros internos para utilizar uma cela. Na Casa de Detenção de São Paulo, por exemplo, os presos pagam entre R$180 e R$ 800 (aproximadamente US$160-US$711) para dividir uma cela, dependendo de sua qualidade e localização. Naquele local, prisioneiros poderosos "possuem" ou controlam dez ou mais celas. Na Penitenciária Regional de Campina Grande, na Paraíba, os presos devem fazer um pagamento único de cerca de R$100 (aproximadamente US$ 89) para usar uma cela. Prisioneiros que não podem arcar com este valor dormem nos corredores. Na Penitenciária Central João Chaves, em Natal, diz-se que não custa nada para um preso viver no dormitório, mas deve-se pagar de R$100 a R$120 para dividir uma cela individual. Presos em geral pagam uns aos outros com maços de cigarros.
Os prisioneiros mais fracos ou menos poderosos freqüentemente têm que pagar a outros presos por certos "privilégios"; para tanto, seus pertences pessoais são constantemente tirados deles.
Celas de Castigo e Presos Jurados de Morte
Todas as prisões visitadas pela Human Rights Watch, com exceção de algumas penitenciárias femininas, tinham celas de triagem ou de isolamento, geralmente localizadas na parte da frente da prisão, próximas à supervisão dos guardas. Algumas vezes estas celas abrigavam prisioneiros recém chegados, mas com maior freqüência detinham aqueles prisioneiros que, por uma ou outra razão, temiam ser lesados nas mãos dos outros presos. Presos como estes são, com freqüência, descritos como "jurados de morte" ou presos "seguros".
A Casa de Detenção de São Paulo tem duas áreas principais de isolamento uma no quinto andar do pavilhão seis, e outra, muito maior, no quinto andar do pavilhão cinco, ambas as quais tem as piores condições da prisão. Os presos são mantidos nestas áreas depois de requerer medida preventiva de segurança. Com medo dos outros presos, eles estão todos aguardando transferência para outras prisões, o que poderá ser concedido dentro de três, seis, oito ou mais meses. Como explicou um dos prisioneiros: "eu tenho um inimigo. Se eu retornar à minha cela, ou ele terá de me matar ou eu terei que matá-lo. Eu preferi sair de lá".(206) Outros prisioneiros não têm dinheiro para pagar por uma cela. No total de uma população de internos de cerca de 6.500, uns 300 presos, 5 % do total, encontravam-se nesta situação quando da ocasião da visita da Human Rights Watch.
A Human Rights Watch entrevistou seis prisioneiros mantidos em uma cela de isolamento na Penitenciária de Segurança Máxima de João Pessoa, os quais estavam flagrantemente temendo por suas vidas. Alguns estavam mesmo aterrorizados. Eles explicaram um complicado esquema de assassinato envolvendo maconha envenenada, que eles alegam ter sido erroneamente atribuída a eles. A vítima visada da tentativa de assassinato frustrada era um conhecido "cabeça" da prisão, um interno que teria anunciado vingar-se, matando todos eles. "Nós podemos morrer a qualquer momento", disse um dos integrantes do grupo com a voz trêmula. "Eles estão nos ameaçando; já tentaram três vezes chegar até a nossa cela. Eu não durmo mais".(207) Ilustrando a procedência destes temores, o preso nos disse que três brigas de faca ocorreram no mês anterior, todas terminando em ferimentos graves. Um outro membro do grupo disse que seis meses antes, um preso naquele estabelecimento foi esfaqueado até a morte.
Em rebeliões nas prisões, quando outros presos tomam controle das instalações, estes prisioneiros são freqüentemente feitos de reféns, torturados e mesmo mortos.(208) A Human Rights Watch falou com oito presos de segurança máxima na cadeia pública de Ribeirão Pires, em São Paulo, tomados como reféns em uma rebelião ocorrida cerca de duas semanas antes da nossa visita. Outros prisioneiros os mantiveram amarrados a botijões de gás e fazendo ameaças com facas, chegaram a cortar um preso. Durante um incidente anterior no mesmo local, em fevereiro de 1997, presos amotinados jogaram água fervente em um preso seguro que havia notificado previamente as autoridades sobre uma tentativa de fuga.(209)
Penitenciária Central João Chaves : Estudo de Caso de um Estabelecimento Penal Violento
Embora a Human Rights Watch tenha visitado várias prisões violentas durante sua missão no Brasil, nós ficamos particularmente perturbados com a situação da Penitenciária Central João Chaves, em Natal. De acordo com o Cel. Sebastião Saraiva, diretor da Penitenciária Central João Chaves, dez prisioneiros tiveram morte violenta naquela instituição entre março de 1997 e o início de fevereiro de 1998.(210) Nas duas ocasiões em que a Human Rights Watch visitou as instalações, achamos a atmosfera sinistra: alguns prisioneiros entrevistados pela Human Rights Watch estavam claramente convictos que estavam correndo risco de vida.
Os prisioneiros relataram à Human Rights Watch que, em vários casos, as autoridades foram indiferentes às ameaças de morte recebidas pelos prisioneiros, que mais tarde acabaram mortos. Alguns prisioneiros disseram que as autoridades carcerárias incentivavam alguns deles a matar outros em troca de saídas não autorizadas ou outros benefícios irregulares. Embora as autoridades da Secretaria de Justiça neguem veementemente estas acusações, a Human Rights Watch pôde documentar dois casos extremamente preocupantes que sugeriam, no mínimo, indiferença oficial quanto às mortes ocorridas entre os detentos. Em ambos os casos analisados, os presos que sofreram ameaças de morte não receberam transferência ou qualquer tipo de proteção após terem informado às autoridades dos riscos que sofriam e foram mortos por outros presos logo depois da denúncia das ameaças que haviam recebido.
De acordo com os registros da 12a. Delegacia Policial de Natal, foram conduzidos inquéritos policiais para apurar a morte de dez prisioneiros na Penitenciária Central João Chaves, ocorridas entre março de 1997 e janeiro de 1998. O quadro abaixo reproduz os reg da décima-segunda delegacia policial sobre os inquéritos concluídos, proporcionados à Human Rights Watch pelo Delegado Titular istros, Fábio Rogério Silva:
| No do Inquérito | Data da Conclusão | Nome da Vítima | Nome do Suspeito(s) |
| 003/97 | 2/04/97 | Francisco Luiz da Silva Junior | Gutemberg Bezerra da Silva |
| 004/97 | 3/04/97 | Gutemberg Bezerra da Silva | Marinaldo Soares;
José Costa Patrício |
| 006/97 | 23/04/97 | Marinaldo Soares | José Costa Patrício |
| 010/97 | ---------- | Rosanea da Silva de Oliveira | Elissandra Ferreira da Silva; Almir Queiroz da Silva |
| 014/97 | 26/11/97 | Francisco Canindé Bezerra dos Santos | João Maria Segundo do Nascimento |
| 016/97 | 31/12/97 | Djerson Andrade de Almeida | Jailton Bastos de Souza |
| 017/97 | 21/01/98 | João Maria Segundo do Nascimento | José Barbosa de Souza |
| 002/98 | 22/01/98 | Mário Sérgio Ribeiro dos Santos | João Maria Vicente de Souza |
| 004/98 | 27/01/98 | Antonio Rodrigues da Costa | João Batista da Silva |
| 005/98 | 30/01/98 | José Francisco Cerqueira | Francisco de Assis Dantas |
A morte de Francisco Canindé Bezerra dos Santos
Em 27 de agosto de 1997, Francisco Canindé Bezerra dos Santos (Canindé) foi colocado em uma cela de castigo. Logo depois disto, Bezerra foi transferido para a cafua, uma área decrépita também utilizada para castigo.(211) Em 28 de agosto, Francisca Bezerra dos Santos, sua irmã, recebeu um telefonema anônimo da Penitenciária Central João Chaves, informando que ela deveria dirigir-se ao hospital Santa Catarina porque seu irmão foi levado para lá, após ter sido severamente surrado. Os registros do hospital Santa Catarina confirmam que ele foi atendido como um paciente externo em 28 de agosto de 1997.(212) Francisca pediu à sua cunhada, Vera Neide Gonzaga da Silva, para ir ao hospital, indo pessoalmente até lá mais tarde. As duas mulheres viram Francisco acompanhado por policiais. De acordo com o depoimento delas, o preso estaria com o nariz sangrando e tinha curativos na cabeça.
As duas mulheres dirigiram-se à Penitenciária Central João Chaves, onde encontraram-se com o diretor. A irmã de Canindé informou à Promotoria de Direitos Humanos que ela havia pedido ao diretor para remover seu irmão da área de castigo, mas que ele negou-se a atender seu pedido, insistindo que Bezerra dos Santos deveria permanecer ali por trinta dias.
No dia seguinte, Francisca dirigiu-se à Promotoria de Direitos Humanos e encontrou-se com o Promotor, Dr. Fernando Batista de Vasconcelos. Com base nas informações apresentadas por ela, o Dr. Vasconelos preparou três cartas endereçadas às autoridades competentes, requerendo a tomada de medidas imediatas em relação ao caso. Uma das cartas foi dirigida a Sebastião Saraiva, diretor da João Chaves, outra ao juiz competente, com autoridade de supervisão sobre a Penitenciária Central João Chaves, Dr. Manoel dos Santos, e uma última ao juiz do distrito domiciliar de Canindé. Após submeter a primeira carta ao juiz Manoel dos Santos, Francisca (a irmã do Canindé) foi até a penitenciária, onde chegou por volta das 13:10. Às 14:00, Saraiva encontrou-se com ela e recebeu a carta, carimbando e assinando-a com a data do recebimento: 29 de agosto de 1997. A carta incluía uma cópia do depoimento de Vera Neide Gonzaga detalhando os abusos físicos e o isolamento em uma cela de castigo aos quais Canindé tinha sido sujeito. A carta requeria ao diretor que o preso em questão fosse levado ao Instituto Técnico e Científico de Polícia, ITEP/RN, de modo a proceder um exame de corpo de delito para verificar se Canindé fora alvo de abuso ou tortura, que lhe fosse conferido o atendimento médico necessário e que Saraiva ordenasse a abertura de um inquérito policial sobre as alegações de abuso físico que ele teria sido sofrido.(213)
As duas mulheres permaneceram na prisão até 15:30 da tarde, mas não lhes foi permitido ver Canindé; ao retornarem à casa naquela noite elas souberam que ele havia sido morto naquele mesmo dia, 29 de agosto, por outros internos da Penitenciária Central João Chaves. De acordo com o Promotor Vasconcelos, Canindé teria feito queixas públicas sobre o envolvimento da polícia com o tráfico de drogas dentro da Penitenciária Central João Chaves. Tal fato, de acordo com o Promotor Vasconcelos, provocou a decisão das autoridades da penitenciária de colocá-lo na cafua e depois, no mínimo, de falhar em tomar medidas para proteger a vida do preso dentro da área principal de detenção da prisão.
Embora o inquérito policial que apurou a morte de Francisco Candidé Bezerra dos Santos tenha sido concluído em 26 de novembro de 1997, a investigação oficial não tocou no papel do diretor Saraiva neste crime até o momento da elaboração deste relatório.
Morte do prisioneiro Djerson Andrade de Almeida
Por volta de 22:00 horas do dia 28 de setembro de 1997, durante uma busca de rotina no interior da Penitenciária Central João Chaves, integrantes do quadro de pessoal da penitenciária (policiais militares) encontraram uma bomba de fabricação industrial (tipoTNT-3 fabricado pela Embel).(214) Logo em seguida, de acordo com os meios de comunicação locais, as autoridades da João Chaves interrogaram setenta e um presos para descobrir quem era o responsável pela entrada da bomba no presídio. Como parte destas interrogações, um número de presos foi levado para a cafua.(215)
As autoridades escolheram um grupo de pelo menos seis prisioneiros, aparentemente creditados como sendo os responsáveis pela entrada da bomba na prisão, e os trancaram na cafua. Parentes destes detentos registraram queixa junto ao Centro de Direitos Humanos e Memória Popular, em Natal. O Centro, em carta datada de 03 de outubro de 1997, informava ao promotor Fernando Vasconcelos sobre a detenção e tortura de seis prisioneiros mantidos na cafua.(216) Os seis prisioneiros listados na carta eram os seguintes: Djerson Andrade de Almeida, José Roberto Lopes Cunha, Lindemberg da Fé, Marcelo Santos da Silva, Eduardo Anunciação Ribeiro da Silva e João da Silva Oliveira. Naquele mesmo dia, 03 de outubro, o promotor Vasconcelos fez requerimento através de carta enviada ao diretor da prisão, Sebastião Saraiva, pedindo que a integridade física e as vidas dos prisioneiros fossem garantidas e que os seis homens fossem enviados ao Instituto Técnico e Científico de Polícia, ITEP/RN, de modo que os exames pudessem ser realizados em todos eles. Vasconcelos enviou cópia desta carta, junto com uma carta de apresentação descrevendo a gravidade da situação, a Carlos Eduardo Alves, Secretário de Justiça do Rio Grande do Norte.
Mais tarde naquele mesmo dia, seguindo o conselho do promotor Vasconcelos, os familiares dos presos foram até a redação do Diário de Natal, um dos maiores jornais da cidade, para informar ao jornal do risco eminente ao qual estavam sujeitos seus parentes presos. De acordo com o Diário de Natal, familiares de seis presos e de um prisioneiro conhecido apenas pelo apelido "Cabeludo", reportaram ao jornal que aqueles homens estavam sendo mantidos nus na cafua, onde estavam sendo alvo de espancamentos e torturas com objetivo de forçá-los a confessar a participação em uma tentativa de fuga envolvendo a bomba encontrada na prisão no domingo anterior.(217)
Repórteres do Diário de Natal foram até a Penitenciária Central João Chaves a fim de requerer permissão para encontrarem-se com os prisioneiros mantidos na cafua, mas o acesso lhes foi negado pelo diretor Saraiva. Ao invés disto, ele apresentou-os a outros prisioneiros que informaram aos jornalistas que eles ignoravam casos de tortura cometidos dentro da prisão.
O pai de Djerson, Paulo Luiz de Almeida, em uma declaração assinada, entregue ao Ministério Público estadual, relata que em 02 de outubro, através da assistência do advogado Dr. José Humberto Dutra de Almeida, seu filho foi removido da cafua e retornou à parte principal da prisão. Entretanto, ele foi retirado da área na qual eram mantidos os presos que aguardavam julgamento (a ala dos provisórios) e colocado na área daqueles já condenados. De acordo com Paulo Luiz de Almeida, em 03 de outubro seu filho enviou-lhe uma mensagem na qual pedia a quantia de R$100 (aproximadamente US$89) para pagar por um espaço para dormir na área para onde havia sido transferido. No dia seguinte, por volta das 11:00, o pai de Djerson foi até a Penitenciária Central João Chaves, onde foi informado que seu filho havia sido torturado e morto por outros presos.(218)
Como no caso de Francisco Canidé Bezerra dos Santos, embora o inquérito policial sobre a morte de Djerson Andrade de Almeida tenha sido concluído em 31 de Dezembro de 1997, uma investigação sobre a responsabilidade do diretor não tinha sido realizada até o momento de elaboração deste relatório.
VIII. ABUSOS COMETIDOS POR GUARDAS E POLICIAIS
Desde o momento em que são detidos até serem libertados, os presos brasileiros enfrentam uma violência oficial crônica e muitas vezes extrema. Particularmente no período que se segue às rebeliões nos presídios, os detentos sofrem abusos físicos horríveis. Mal remunerados e carentes de treinamento adequado, os agentes penitenciários rápida e freqüentemente recorrem aos espancamentos ao invés das punições autorizadas e previstas na LEP. Ainda assim, as mais altas instâncias de brutalidade, incluindo a execução sumária de prisioneiros, são cometidas pela Polícias Civil e Militar ao invés dos guardas. A chacina ocorrida na Casa de Detenção do Carandiru, em 1992, um dos mais sangrentos episódios da história brasileira, foi cometido por membros da Polícia Militar, bem como a matança de oito presos, em João Pessoa, Paraíba, em dezembro de 1997, a morte de sete presos fugitivos perto de Fortaleza, no Ceará, e, em fevereiro de 1998, a morte de pelo menos seis presos fugitivos em Natal, Rio Grande do Norte. Uma vez que os antecedentes das Polícias Civil e Militar em vários estados na condução de suas tarefas de policiamento são fortemente marcados por brutalidade, corrupção e abusos afins,(219) não é surpresa que sua conduta com os presidiários seja igualmente defeituosa.
Como ocorre em geral com outras violações aos direitos humanos, o que mais encoraja estes atos de violência é a impunidade persistente que impede responsabilizar os oficiais por suas faltas. Em cada etapa do processo criminal, da investigação à acusação, do julgamento à apelação, a balança é altamente favorável aqueles que cometem abusos. De fato, muito poucos incidentes envolvendo abusos físicos aos prisioneiros, mesmo incluindo os casos mais graves de tortura, são investigados. A impopularidade e a impotência política da população carcerária faz com poucas pessoas se importem que os abusos praticados contra os presos prossigam impunes.
Efetivo de Pessoal na Prisão
Reconhecendo a importante responsabilidade confiada aos guardas das prisões, que devem evitar preventivamente fugas e manter a ordem entre os prisioneiros, enquanto proporcionam segurança e bem estar a todos os internos, as Regras Mínimas contêm várias cláusulas obrigando a cuidadosa seleção dos guardas, que deverão ser apropriadamente treinados e adequadamente remunerados. É ressaltado, na explicação destas medidas, que o correto funcionamento das prisões depende dos guardas, notadamente de sua "integridade, humanidade, capacidade profissional e aptidão pessoal para o trabalho na prisão".(220)
Estrutura de responsabilidades
Em muitos estados os agentes penitenciários, contratados e treinados pelas Secretarias de Justiça, fornecem pessoal às prisões, enquanto policiais civis realizam este trabalho nas carceragens das delegacias de polícia. Em outras palavras, uma vez que o preso tenha sido transferido para o sistema penitenciário, ele deveria ficar longe do jugo da polícia.
Não obstante, a Polícia Militar estadual, que é sujeita ao controle civil e, portanto, detém um nome um tanto quanto impróprio, tem de fato um papel importante nas penitenciárias.(221) A principal atribuição da polícia militar é garantir a segurança externa da penitenciária através da guarda constante nas guaritas e outras estruturas de observação que circundam as instalações. Eles também são geralmente chamados para apoiar o pessoal da prisão no abrandamento de conflitos, prevenir fugas e lidar com outras perturbações internas à prisão.
Em certos estados, além disto, a polícia é formalmente empregada dentro das prisões. O exemplo mais extremo de controle policial do sistema penitenciário é verificado no Rio Grande do Norte, um pequeno estado nordestino, com uma população carcerária relativamente pequena. Quando visitamos o estado, em dezembro de 1997, as prisões estavam inteiramente sob a administração da Polícia Militar. Um porta voz da Secretaria do Interior, Justiça e Cidadania, que dirige o sistema penitenciário, disse que o estado jamais empregou corpos civis no pessoal das prisões, embora estivesse planejando contratar alguns em breve.(222)
O Rio Grande do Sul entregou o controle de cinco de suas prisões, as mais inviáveis, à Brigada Militar do estado. Após muitos anos de contínuas perturbações, culminando com uma crise dramática envolvendo a tomada de reféns e a fuga de presos notórios, a Brigada Militar foi autorizada a tomar as prisões em 25 de julho de 1995. A autorização era limitada a um período de seis meses, mas tem sido renovada a cada vez que está prestes a vencer. Quando a Human Rights Watch visitou estas prisões, a Brigada Militar estava confiante que seu mandato seria prorrogado desta forma indefinidamente; na realidade, eles aparentavam estar muito bem acomodados em suas funções de administradores da prisão.
Enquanto grande parte dos observadores, e até alguns prisioneiros, concordam que a Brigada Militar do Rio Grande do Sul representou uma melhora em relação aos corruptos e abusivos agentes penitenciários que eles substituíram, sua presença nas prisões é acusada de constituir violação às garantias da constituição estadual, que limita suas funções na prisão a unicamente garantir segurança externa. Quando consultado sobre este assunto, o chefe da Força Tarefa, força militar das prisões, respondeu simplesmente "nós não nos envolvemos em questões constitucionais", embora ele tenha concordado que a função nas prisões não é usual.
No Ceará, outro estado visitado pela Human Rights Watch, a Polícia Militar foi encarregada de manter a segurança interna das prisões estaduais. Ainda assim, temos informações insuficientes para concluir que o Brasil está assistindo a uma sistemática "militarização" de suas prisões, como ocorreu em outros países da América Latina.(223) Não obstante, estamos preocupados com o grau de controle da polícia militar sobre o sistema penitenciário, que viola normas internacionais que determinam que as prisões sejam mantidas por um corpo de profissionais civis.(224)
Falta de treinamento
A LEP obriga que os guardas recebam tanto cursos específicos de formação, como a reciclagem periódica dos servidores em exercício.(225) Apesar disto, a falta de treinamento adequado prejudica gravemente os guardas das prisões brasileiras, deixando muitos deles mal equipados para lidar com os deveres de custódia. Os policiais militares trabalhando em várias prisões do Rio Grande do Sul, por exemplo, recebem somente cinco dias de treinamento antes de receberem a função de trabalho nestas instituições.(226)
Agentes penitenciários em Minas Gerais reclamaram ruidosamente da ausência de treinamento durante as entrevistas com a Human Rights Watch. O curso preparatório, quando é oferecido, consiste em uma semana de palestras em sala de aula, ministrada dentro de uma das prisões. O estado não mantém uma academia de treinamento, nem existem cursos de atualização e reciclagem para os agentes penitenciários que já estão trabalhando.(227)
Em São Paulo, o estado com o maior corpo de agentes penitenciários, o presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários relatou à Human Rights Watch que "o treinamento que nos é fornecido nunca foi adequado".(228) Distintamente de outros estados, São Paulo tem uma academia penitenciária responsável pelo treinamento dos agentes, embora as disciplinas ensinadas lá sejam limitadas. O presidente do sindicato ressaltou que durante os quarenta dias do curso de treinamento, os guardas recebem substancialmente treinamento em habilidades policiais, mas pouca informação relativa ao tratamento humano dos presos.
Baixos salários
Os salários dos agentes penitenciários variam enormemente de estado para estado, mas tendem em geral a ser baixos, e em alguns estados, mínimos. Muitos estados, contudo, complementam seu pessoal regular encarregado de custódia com empregados contratados, em geral através de contratos de seis meses renováveis; estes agentes recebem pagamento inferior, pouco ou nenhum treinamento, e um mínimo de benefícios.
Os agentes mais bem pagos foram encontrados em Brasília, onde recebem aproximadamente R$1.700 por mês (aproximadamente US$1.513), e no Amazonas, onde guardas recebem entre R$1.000 e R$1.500 (entre US$890 e US$1.335) por mês.(229) Em São Paulo os agentes novos iniciam recebendo entre R$711e R$785 (aproximadamente US$633 - US$699) por mês. Em Minas Gerais, até junho de 1997, os agentes ganhavam R$220 (aproximadamente US$196) por mês; então, depois de uma greve, seus salários foram aumentados para R$463 (aproximadamente US$421) mensais(230). Carcereiros nas delegacias de São Paulo recebem em geral entre R$300 e R$400 (aproximadamente US$267- US$356) por mês.
Na Paraíba, somente uma parcela do quadro de agentes penitenciários tem estabilidade no emprego, recebendo um salário de R$400 (aproximadamente US$356) por mês; a maioria dos agentes trabalha com contratos de seis meses, ganhando R$120 (aproximadamente US$107) por mês. Agentes nesse estado nos relataram que mesmo os empregados estáveis trabalham freqüentemente em um segundo emprego para conseguir suprir suas necessidades.(231)
Salários baixos como estes contrariam as Regras Mínimas, que requerem que o pessoal que trabalha nas prisões receba "remuneração adequada a fim de se obter e conservar os serviços de homens e mulheres capazes".(232) Salários miseravelmente baixos, não só são ineficazes em atrair pessoal qualificado, como encorajam a corrupção.
Punições Autorizadas: Advertências, Restrições e Isolamento
A LEP enumera as punições para infrações disciplinares cometidas pelos presidiários, autorizando, em ordem crescente de gravidade, advertências verbais, repreensão, restrição ou suspensão de certos direitos (como as visitas), e um máximo de trinta dias de isolamento disciplinar. A mesma lei também proíbe outras punições: em particular os castigos coletivos, uso de cela escura e punições que colocam em risco a saúde mental ou física do preso.(233)
Como será descrito logo abaixo, a Human Rights Watch verificou que a proibição legal quanto aos castigos coletivos é rotineiramente violada nas instituições penais brasileiras, e que punições infligidas muito comumente incluem abuso físico. Também verificamos muitas celas de castigo, utilizadas para isolamento disciplinar que, embora não fossem absolutamente escuras, eram muito fracamente iluminadas ou sombrias na maior parte do tempo.(234) Notamos que o limite de trinta dias para o isolamento disciplinar é em geral respeitado.
Como é típico a todas as prisões, celas punitivas tendem a ter condições muito piores que as celas normais.(235) A Penitenciária Central João Chaves, em Natal, apresentou uma das piores áreas de punição visitadas pela Human Rights Watch. Chamada de cafua (calabouço), a área consistia em quatro celas, três delas medindo aproximadamente dois metros por três metros, e uma maior de três metros por cinco metros. Nenhuma das celas menores tinha acesso direto à luz natural ou instalações sanitárias. Os prisioneiros relataram à Human Rights Watch que aqueles enviados para a cafua, regularmente passavam trinta dias ininterruptos nas celas de punição e eram, por este motivo, forçados a defecarem no chão da cela ou em sacos plásticos, que mais tarde eram jogados através da porta de ferro da cela. Um prisioneiro mencionou ter sido mantido em uma das celas menores com mais nove pessoas.
Durante a visita realizada à Penitenciária Central de João Chaves, em dezembro de 1997, fomos informados que a cafua havia sido fechada quinze dias antes. Muitos dos prisioneiros com os quais conversamos, entretanto, falaram que eles estavam presos na cafua e que foram liberados apenas alguns dias antes de nossa visita. Após uma tentativa de fuga realizada em outubro, mais de cinqüenta prisioneiros foram colocados na cela de punição maior. "Nós passamos três dias cara a cara", descreveu-nos um prisioneiro. "Ninguém podia dormir".(236) Na nossa visita de retorno àquela prisão em fevereiro de 1998, vários internos nos relataram que a cafua continuava sendo usada, embora mais esporadicamente do que antes.
Punições Não Autorizadas: Execuções Sumárias, Tortura e Outros Abusos Físicos
Particularmente na sequência das rebeliões, tentativas de fuga e outros incidentes sérios, mas às vezes mesmo por ofensas triviais, agentes penitenciários e policiais desconsideram as restrições da LEP e recorrem à violência física. O que segue é uma descrição, estado por estado, de incidentes recentes envolvendo abuso físico violento nas penitenciárias, cadeias e delegacias do Brasil, as mais sérias envolvendo a execução sumária de detentos.(237)
Amazonas
Até meados de 1997, a Penitenciária Raimundo Vidal Pessoa, em Manaus, a principal prisão do estado, era o local da violência oficial implacável. Os prisioneiros descreveram como o diretor da prisão, um membro da Polícia Militar, supervisionou pessoalmente o espancamento de prisioneiros, às vezes inclusive participando ele mesmo, assim como agentes bêbados batiam nos prisioneiros sob qualquer pretexto. Tropas de choque da polícia militar costumavam entrar na prisão regularmente, batendo nos detentos e quebrando coisas. A situação começou a mudar com o estabelecimento da nova Secretaria de Justiça em março de 1997. Para a surpresa de todos, quando três prisioneiros foram brutalmente espancados por tropas de choque da Polícia Militar em julho de 1997, o novo secretário de justiça visitou a prisão e desculpou-se junto aos presos em nome do governo do estado.(238) O secretário também buscou a acusação dos membros da guarnição militar que realizaram os espancamentos.
Naquele mesmo mês, após uma rebelião na prisão durante a qual inúmeras ocorrências de abuso físico foram divulgadas, o diretor do presídio foi destituído, junto com alguns poucos adjuntos.(239) Em dezembro de 1997, quando a Human Rights Watch visitou as instalações, os presos tinham muitas reclamações para discutir, mas o abuso físico pelos guardas não era um deles. Em nossa pesquisa, esta foi praticamente a única prisão masculina na qual a questão não foi levantada.
Ceará
A polícia militar agiu de modo correto. O resultado foi excepcional.
--Gen. Cândido Vargas Freire, Secretário de Segurança Pública, descrevendo a reação da polícia em resposta a uma tentativa de fuga perto de Fortaleza, Ceará, em dezembro de 1997, na qual sete prisioneiros fugitivos foram mortos e três reféns foram feridos, dois por tiros da polícia.(240)
Denominado "Sangue no Natal" pela imprensa,(241) a reação da polícia à tentativa de fuga de vinte e três prisioneiro do Instituto Penal Paulo Sarasate (IPPS) de Fortaleza, em 25 de dezembro de 1997, envolveu o uso excessivo de força letal e pelo menos duas execuções sumárias. A despeito disto, as autoridades policiais minimizaram a gravidade do incidente e, até o momento da elaboração deste relatório, a promotoria falhou em concluir a investigação que poderia produzir acusações contra os policiais que cometeram abusos durante a operação.
Em 24 de dezembro de 1997, três defensores dos direitos dos presos, Eunísia Barroso, coordenadora da Pastoral Carcerária da Arquidiocese de Fortaleza, Maria Nilva Alves, presidente da Fundação Maria Nilva, e Eder Gil Teixeira Pinheiro, vice-presidente da Fundação Maria Nilva, chegaram ao IPPS para oferecer doações de Natal aos presos lá confinados.(242) Enquanto os visitantes assistiam a uma demonstração de capoeira apresentada em sua homenagem,(243) vinte e três presos invadiram o recinto onde a performance estava sendo conduzida e agarraram à força os três ativistas dos direitos dos presos e o chefe da segurança interna do IPPS, Ten. Francisco Tomaz de Aquino. Empunhando dois revólveres e várias facas caseiras, os internos levaram os quatro reféns para a escolinha da prisão. Durante uma troca de tiros com os guardas da prisão, um ou mais tiros disparados pelas autoridades atingiu Francisco Sérgio Dias Ferreira, o prisioneiro que acreditava-se ser o líder do ataque, na cabeça, matando-o instantaneamente.(244) Com os quatro reféns efetivamente sob seu controle, os prisioneiros restantes iniciaram uma série de negociações com as autoridades, utilizando o telefone celular de Maria Nilva.(245)
As negociações entre os prisioneiros e a polícia (que acabaram por durar mais de vinte e cinco horas) foi uma árdua experiência para os reféns. Embora as autoridades prisionais tenham anunciado à imprensa que eles haviam distribuído amplas rações de alimentos, água e roupa de cama para os reféns, Eder Gil e Eunísia relataram à Human Rights Watch que suas súplicas por água e comida eram repetidamente desconsideradas pelas autoridades da prisão, e somente após dezessete horas de cativeiro eles receberam uma garrafa de dois litros de água para dividir entre vinte e três pessoas. Como nos contou Eunísia, uma diabética de sessenta e sete anos, os efeitos para a saúde da ausência de água e comida foram graves, "para mim a falta de água foi horrível. Eu podia sentir meus rins e meu sangue endurecendo. Para impedir que eu desmaiasse de calor, os prisioneiro tiveram que umedecer meus lábios com o suor de suas camisas". (246)
Em uma tentativa de assegurar água e comida, alguns dos prisioneiros buscaram entrar no prédio da administração da prisão. Eder Gil e Eunísia reportaram à Human Rights Watch que na medida em que os prisioneiros alcançavam a porta da frente do prédio da administração, a polícia militar disparava das guaritas em direção a eles, acabando por ferir o prisioneiro Francisco Kelly Costa.(247) O Secretário de Justiça Paulo Duarte falou à Human Rights Watch que a Polícia Militar abriu fogo porque eles acreditavam que Francisco estava armado e planejando invadir o prédio.(248)
A polícia removeu os membros da imprensa do recinto durante o incidente e não permitiu que os familiares dos reféns ou representantes das ONGs locais participassem das negociações, dificultando identificar quais autoridades conduziam as negociações. Versões jornalísticas divergentes reportam que o Delegado de Investigações e Capturas, Luís Carlos Dantas, o Diretor do IPPS, Cel. Henrique Amaral Brasileiro Neto, Cel. Adaílton Magalhães, do Comando de Policiamento da Capital da Polícia Militar, e o Secretário de Justiça, Paulo Duarte, estavam entre os principais negociadores. Independentemente de quem dirigiu as negociações, as autoridades mostraram dar prioridade à libertação do Tenente Tomaz, o qual, como agente da lei, deveria ter sido o último refém resgatado pela polícia. Como o Cel. Magalhães falou aos membros da imprensa durante as negociações: "nós damos preferência ao resgate inicial do tenente porque acreditamos que as mulheres, Maria Nilva e Eunísia Barroso, têm maior controle emocional sobre a situação. Elas já foram capazes de conversar com os prisioneiros e acalmá-los".(249) Em entrevista concedida à Human Rights Watch, Traumaturgo Barroso, filho de Eunísia Barroso, que estava aguardando do lado de fora da prisão durante as negociações, afirmou que ele ouviu um policial dizer, em termos mais diretos, o equivalente comentário: "depois que libertarem o tenente, o resto que se dane".(250)
Aproximadamente às 10:00 do dia seguinte, 25 de dezembro, os prisioneiros e a polícia chegaram a um acordo. Nele, em troca da libertação do Ten. Tomaz e da promessa dos prisioneiros de deixarem o presídio durante o dia ao invés de esperarem até a noite, a polícia concordava em providenciar aos presos quatro carros, oito revólveres calibre 38, duas caixas de munição, lençóis (para ocultar os presos e os reféns enquanto dirigiam-se aos carros), jornais (para ocultar os presos e os reféns uma vez dentro dos carros), fita de pintor e a garantia de não perseguir os fugitivos por pelo menos meia hora após sua saída do IPPS. Durante este período, a polícia começara a juntar tropas, incluindo mais de 150 policiais militares, civis e federais, em torno da prisão e a montar uma série de obstruções na estrada incluindo um ônibus da Polícia Militar, caminhonetes da Polícia Rodoviária Federal e um caminhão de bombeiros do local, dispostos ao longo da rodovia BR-116 para frustar a fuga dos prisioneiros.(251)
Próximo às 15:00 daquele dia, prisioneiros e reféns, ocultados sob lençóis providenciados pela polícia, deixaram o local e dirigiram-se aos carros que estavam à sua espera no pátio da prisão. Antes de deixar o IPPS, os prisioneiros, cumprindo seu acordo com a polícia, liberaram o Ten. Tomaz. Após cobrirem as janelas dos quatro carros com folhas de jornal (com exceção de uma pequena brecha de aproximadamente 30cm x 40 cm no parabrisa do motorista), vinte presos e os três reféns restantes partiram das instalações da prisão em veículos recentemente adquiridos. Os presos sobreviventes e reféns contaram à Human Rights Watch que seis presos e um refém (Eder Gil) estavam no primeiro carro, cinco presos e nenhum refém no segundo carro, cinco presos e um refém (Maria Nilva) no terceiro carro, e quatro presos e um refém (Eunísia) no quarto carro. Durante a fuga, ocupantes do segundo carro tomaram um quarto refém, Waldir Bezerra Alencar, em um posto de gasolina ao longo da estrada.
Quando o quarto carro partia do IPPS, a polícia começou imediatamente a perseguir os fugitivos, servindo-se de um grupo de carros previamente estacionados em frente ao portão principal. A polícia perseguiu os veículos dos fugitivos em uma velocidade de quase cento e cinqüenta quilômetros horários e atirou nos quatro veículos, apesar dos reféns estarem indistintamente em cada um destes carros. A polícia sustenta que a perseguição foi marcada por uma constante troca de tiros entre os presos e a polícia. Contrário a esta afirmação, os reféns sobreviventes Eder Gil e Eunísia disseram à Human Rights Watch que nenhum dos prisioneiros, nos dois carros em que eles estavam, atirou na polícia. Nenhum policial foi ferido por tiro ao final da perseguição.(252)
Aproximadamente dez minutos após iniciada a perseguição, o primeiro dos quatro carros desviou-se e bateu em uma árvore, ocasionando a morte de um prisioneiro e ferindo o refém Eder Gil, que sofreu graves danos em suas pernas, pescoço, tórax e coluna. Um fugitivo sobrevivente do primeiro carro contou à Human Rights Watch que imediatamente após o acidente, um policial encapuzado atirou diversas vezes em sua direção de uma distância de mais ou menos seis ou sete metros, ferindo-o duas vezes no braço. De acordo com este prisioneiro, o oficial encapuzado então aproximou-se dele, apontou o cano do revólver em sua cabeça e engatilhou a arma, mas foi alertado por um companheiro da polícia que não atirasse, pois a imprensa e o Delegado Dantas estavam chegando.(253)
Os sobreviventes alegam que a polícia sabotou no mínimo dois carros antes de entregá-los aos prisioneiros e esvaziaram os pneus do terceiro carro com tiros. O motorista do segundo carro, o prisioneiro Sílvio Martins Alves ("Goiano"), falou à imprensa que as rodas dos carros estavam extremamente desalinhadas e que os freios estavam mal regulados; ao atingir um dos obstáculos colocados no caminho pela polícia, Goiano bateu o carro em um poste ao largo da estrada.(254) Eunísia, que estava sendo mantido como refém no quarto carro, disse à Human Rights Watch que logo após o início da perseguição seu carro começou repentinamente a produzir fumaça e enguiçou.(255)
Vários dos prisioneiros sobreviventes e dois dos reféns sustentam que durante a perseguição, e mesmo após o segundo, terceiro e quarto carros terem sido inutilizados, a polícia disparou repetidamente contra os veículos. Maria Nilva, Eunísia e os detentos fugitivos sobreviventes disseram à Human Rights Watch que embora os prisioneiros tenham saído dos carros com as mãos para cima, gritando que estavam rendidos, policiais encapuzados assim dispararam repetidamente nos veículos imobilizados.
Um prisioneiro sobrevivente do segundo carro contou à Human Rights Watch que após seu veículo ter batido, um policial encapuzado aproximou-se dele, disparou em suas costas e, não fosse a intervenção do Cap. Marques, da Polícia Militar, ele teria sido executado. O prisioneiro nos disse que o Cap. Marques insistiu em levá-lo de volta ao IPPS, para que os outros vissem "quão bravo ele era"; depois disto, o preso foi algemado por ele e socado várias vezes nas costas e na cabeça. O prisioneiro afirmou que após ter sido espancado foi levado de volta ao IPPS, onde a polícia amarrou uma toalha ao redor de sua cabeça e chutaram-lhe o estômago até que ele começou a cuspir sangue e desmaiou.
Eunísia e um preso sobrevivente falaram à Human Rights Watch que os policiais encapuzados, ao aproximarem-se do carro inoperante em que estavam, abriram fogo. De acordo com Barroso e com o prisioneiro, os passageiros gritaram para a polícia que eles tinham sido atingidos e que havia um refém no carro. Ambas as testemunhas nos disseram que os policiais então aproximaram-se do carro e puxaram o interno Antônio Calixto de Souza e dois outros prisioneiros para fora do veículo, ordenando que eles deitassem no chão com a cabeça de frente para o asfalto.(256) Ao tomarem consciência que um quarto prisioneiro ainda estava vivo e escondido sob o porta luvas, no lado do passageiro, a polícia teria novamente aberto fogo contra o carro, atingindo Eunísia uma segunda vez.(257) O prisioneiro sobrevivente contou à Human Rights Watch que a polícia então o empurrou para fora do carro, ordenando-o que deitasse de rosto para baixo junto aos outros prisioneiros, e chutaram-lhe repetidamente as costas e as costelas.
Eunísia e o prisioneiro sobrevivente contaram à Human Rights Watch, aos investigadores da polícia e aos membros da imprensa que após dispararem contra o veículo e forçarem os presos a deitar no chão, os policiais encapuzados executaram sumariamente ao menos dois dos fugitivos. Eunísia nos disse que ela testemunhou um policial ir ao lado do carro, chutar um prisioneiro desarmado, e então atirar em Calixto. Após o policial ter desferido três tiros, ele foi detido por um companheiro que teria gritado: "tá bom, tá bom, já chega". O prisioneiro nos disse que enquanto ele permanecia no chão, testemunhou um policial encapuzado atirar e matar outros prisioneiros de uma distância de aproximadamente dois a três metros. De acordo com ele, um policial sugeriu que eles matassem o resto dos passageiros, rolassem o carro e fingissem que este tinha sofrido um acidente. O prisioneiro nos disse ainda que este mesmo policial então atirou em seu pescoço. Ele sustenta que conseguiu sobreviver apenas porque fingiu estar morto até a chegada da imprensa, instantes depois. Testemunhos subseqüentes de Maria Nilva Alves e de três outros presos que foram testemunhas oculares confirmaram a versão do sobreviventes sobre estas execuções.(258) Tendo a polícia removido os veículos da cena logo após o incidente, não foi possível aos peritos de balística realizar os exames requeridos pela legislação brasileira para determinar o ângulo e a distância de onde os tiros foram disparados.(259)
No total, sete prisioneiros fugitivos Daniel de Oliveira dos Santos ("Pirambu"), Francisco Ferreira de Moraes ("Pernambuco"), Assis, Robério Fátima da Silva ("Melão"), Antônio Calixto de Sousa, Maranhão e Marcelo foram mortos. As autópsias conduzidas pelo Dr. Eduardo Callado, legista do Instituto de Medicina Legal, em Fortaleza, sustentam a caracterização dos eventos, tal como descrita pelos sobreviventes. Em declaração concedida à imprensa em 28 de dezembro, Dr. Callado afirmou que dos sete prisioneiros mortos durante a perseguição, somente um não sofreu ferimento de bala.(260) De acordo com Callado, a maioria dos corpos foi atingida por uma média de quatro a cinco balas. Um prisioneiro chegou a ser atingido num total de dez vezes. Dr. Callado disse à imprensa que, embora alguns ferimentos de bala fossem resultado de disparos realizados de uma distância igual ou superior a trinta metros, outros eram resultado de tiros disparados de uma distância de um metro. Em uma entrevista à Human Rights Watch, Callado ressaltou que muitas das balas entraram no corpo dos prisioneiros através da cabeça ou das costas.(261) Dados os múltiplos ferimentos sofridos, Dr. Callado falou à Human Rights Watch que ele não poderia excluir a possibilidade de que os fugitivos tenham sido sumariamente executados.
Na ocasião do encontro da Human Rights Watch com as autoridades no Ceará, doze dias após a operação, a polícia tinha interrogado apenas sete pessoas, sendo que nenhuma delas era sobrevivente da fuga. Além disto, as autoridades falharam ao não submeterem as armas utilizadas na perseguição para análise no Instituto de Criminalística. Nicéforo Fernandes de Oliveira, o Procurador Geral da Justiça, recusou invocar sua autoridade constitucional para conduzir uma investigação independente da tentativa de fuga, delegando, ao invés disto, a responsabilidade aos próprios policiais.
Após uma investigação detalhada da tentativa de fuga, o delegado Pedro de Sá Roriz Neto recomendou que os oficiais da polícia responsáveis pelo caso fossem indiciados por violação aos artigos 129 (lesão corporal) e 121 (homicídio) do Código Penal, por atirarem contra os presos e seus reféns.(262) Apesar das conclusões do inquérito oficial, o promotor Francisco de Assis Oliveira Marinho, responsável por denunciar os policiais envolvidos na perseguição, não tinha ainda, até o momento de elaboração deste relatório, apresentado uma acusação formal contra qualquer policial envolvido na operação.(263)
Minas Gerais
Presidiários detidos no Departamento de Investigações em Belo Horizonte descrevem a rotina de abusos físicos e punições por tentativa de fuga. Um preso explica:
Quando teve uma tentativa de fuga aqui em outubro a Polícia Civil entrou. A cela número sete estava cavando um túnel. Tinha uns trinta de nós em uma cela. A polícia levou a gente para o pátio completamente nus. Haviam uns quinze policiais com uma mangueira. Eles armaram um corredor polonês e a gente teve que correr através dele. Eles batiam na gente com paus tipo bastões de beisebol. Todos os policiais participaram. A gente teve que passar por isto, um por um.(264)
Na penitenciária Nelson Hungria, em Nova Contagem, vários presos contaram à Human Rights Watch sobre a violência da Equipe E, uma unidade de guarda que trabalha na prisão. Um jovem prisioneiro descreveu o que aconteceu depois que os agentes encontraram maconha em sua cela, durante uma busca realizada em 30 de dezembro de 1997:
Eu estava no pátio com os outros presos quando aconteceu. Eles me levaram para minha cela e fizeram eu tirar minhas roupas. Havia três deles, Juscelino, que é o chefe da segurança, Milton e um outro rapaz, e eles começaram a bater em mim e a me chutar. Eles também me deram um "telefone". Meus ouvidos ainda estão doendo daquilo. Então eles me levaram para o prédio da administração para falar com o diretor. Foi então que a minha irmã me viu, porque ela estava lá tentando me visitar e saber onde eu estava. Eles não me deixaram ver minha irmã.(265)
Paraíba
Um prisioneiro da Penitenciária Regional de Campina Grande (conhecida como "Serrotão") contou à Human Rights Watch que quando ele chegou na prisão em junho de 1995 com seis outros internos, os guardas os recepcionaram com uma surra. Ordenando aos presos que retirassem a roupa, os guardas teriam dito a eles "vocês querem saber quais são as regras aqui? As regras são que vocês apanham". Então os guardas o chutaram e bateram nele com um cipó-de-boi (chicote fino de couro cru). Vários prisioneiros descreveram esta arma, que parece ser uma especialidade local. Outro prisioneiro falou sobre um incidente mais recente no qual agentes algemaram alguns prisioneiros, que eles achavam ter alguma droga, e então arrancaram-lhe as unhas dos dedos do pé. Contudo, os prisioneiros repararam que nenhum preso apanhou desde a chegada, seis meses antes, de um novo diretor na prisão, que tinha uma nova abordagem para manter a disciplina.
Um avanço similar, que seguiu à mudança de um diretor, foi percebido na Penitenciária de Segurança Máxima de Mangabeira, em João Pessoa. Foi relatado à Human Rights Watch que o então diretor, que estava no comando por quase um ano quando nós visitamos a prisão, "não permite espancamentos, mas dois anos atrás, quando eu cheguei aqui pela primeira vez, você não podia entrar no local sem apanhar".(266) Não obstante, uns poucos exemplos excepcionais de violência dos guardas nos foram descritos. Seis meses antes da nossa visita, em um sábado quando o diretor não estava, os guardas encontraram uma faca em uma das celas. Após colocarem algemas em todos os prisioneiros da cela, trouxeram-os para a área administrativa da prisão.
Era cedo da tarde e eles tinham bebido uísque. Eles despejaram doses em nossas cabeças. Eles ficavam perguntando "de quem é esta faca?" Eles estavam realmente bêbados. Ninguém respondeu a pergunta deles e eles ficaram furiosos e nos espancaram a valer. Eles nos deram chutes e socos e bateram na gente com um marrote (chicote de couro de porco). Eles quebraram meus polegares... Uma semana depois esses agentes foram transferidos.(267)
Outro prisioneiro descreveu como o subdiretor quebrou sua dentadura uma semana antes da nossa visita. Foi após uma revista nas celas dos prisioneiros, na qual os agentes tinham revirado os lençóis, espalhando seus artigos de higiene pessoal e deixando todos os pertences dos presos empilhados no chão. Ao retornar à cela e conferir a desordem este prisioneiro então reclamou. O subdiretor então virou-se e perguntou: "quem disse isto?" O prisioneiro indicou que havia sido ele, e o subdiretor perguntou-lhe: "você pensa que tem o direito de dizer isso?" Quando o prisioneiro respondeu afirmativamente, o subdiretor fingiu puxar o revólver fora do coldre e atirar nele, então desfechou um soco em seu rosto, quebrando sua dentadura e cortando seu lábio.
A apoteose da violência crônica do sistema penitenciário foi a chacina no Presídio do Róger, em João Pessoa, em 29 de julho de 1997. Os eventos começaram quando um punhado de prisioneiros tentou iniciar uma fuga. Armados com facas os prisioneiros escalaram para fora das celas de isolamento onde eles estavam sendo mantidos e tomaram quatro agentes e três outros prisioneiros como reféns. Vestindo, então, os uniformes dos guardas, os prisioneiros procuraram sair do presídio, mas encontraram no caminho o diretor do presídio. Tomando o diretor como refém do grupo, o levaram de volta ao pavilhão, amarraram-o, e colocaram-no em uma cela de triagem. As negociações com as autoridades seguiram-se, durando das 17:30 até as 23:00. Os prisioneiros exigiam carros, armas, coletes à prova de balas e munição. Enquanto isto, várias unidades da tropa de choque da Polícia Militar cercavam a prisão.
Não é claro quem ordenou a invasão da prisão pelas tropas militares às 23:00; os dois comandantes militares no comando disseram que não foram eles.(268) Uma vez que a ordem foi dada, um preso conhecido como Ivan, um membro do grupo de prisioneiros confiáveis pelas autoridades da prisão, usou um pé-de-cabra para quebrar as correntes do portão principal, e uma horda de policiais (os presos estimam que seriam uns cem deles) correu para a prisão, atirando bombas de gás lacrimogêneo e atirando. Ao mesmo tempo, a Polícia Militar explodiu uma bomba ao lado do muro da prisão produzindo um estrondo enorme. Os sete prisioneiros rebelados estavam em uma cela com o diretor, mas quando a invasão começou eles libertaram o diretor e os outros reféns, que fugiram do aglomerado de celas.
De acordo com alguns internos, testemunhas oculares, a polícia invadiu as celas junto com um grupo de colaboradores, presos que trabalhavam na cozinha e que eram desprezados pelo restante da população do presídio. Ivan, que anteriormente tinha aberto o portão, era o líder reconhecido deste grupo.
A polícia entrou atirando: um prisioneiro, atingido duas vezes no peito, morreu; outro foi atingido na cabeça; um terceiro foi atingido no pescoço e nas costas; um quarto, na coxa, e o quinto, ferido nas costas.(269) Contudo, ao menos sete dos oito prisioneiros que morreram no incidente não foram mortos no ataque inicial da polícia, mas quando a situação já estava sob controle. Ao invés de levar os prisioneiros feridos e moribundos para o hospital, a polícia maltratou-os um pouco mais e saiu de cena, gritando triunfante que havia vencido a guerra, deixando os prisioneiros nas mãos de seus próprios inimigos, os trabalhadores da cozinha. Armado com o pé-de-cabra, Ivan conduziu um assalto brutal aos prisioneiros feridos, terminando com eles ali mesmo. Todos os corpos apresentavam marcas de múltiplas armas: facas, balas e instrumentos rombudos. O médico legista que mais tarde examinou os corpos disse que tinham sido as mortes mais violentas que ele havia visto em dezessete anos de prática. Outro médico legista que examinou os relatórios das autópsias afirmou que "a ferocidade das agressões, a multiplicidade dos golpes, a eleição das partes atingidas e a diversidade das armas e dos instrumentos utilizados levaram os peritos oficiais a afirmar com tanta segurança que oito dos cadáveres examinados apresentavam evidências inquestionáveis de crueldade, de uma maldade desnecessária e injustificável".(270)
Todos os sete prisioneiros envolvidos na tomada dos reféns foram mortos, assim como um preso das celas vizinhas ( uma cela de triagem conhecida como reconhecimento).(271) Quatro outros prisioneiros das celas vizinhas receberam tiros e foram feridos pela Polícia Militar. Quando todos os pretendentes a fugitivos estavam mortos, o pessoal da faxina e da cozinha retirou os corpos para fora da prisão, arrastando-os pelos pés, empilharam-os em um caminhão e então os levaram ao hospital.
A investigação sobre as mortes estava sendo realizada quando a Human Rights Watch visitou a Paraíba, em dezembro de 1997. Em uma entrevista com o promotor da Vara de Execuções Penais que estava acompanhando o caso, fomos informados que a operação foi considerada um sucesso porque os reféns foram salvos. Na sua opinião, era pouco provável a instauração de um processo criminal; como ele diretamente afirmou: "ninguém condena pessoas que matam bandidos aqui no Brasil".(272)
No final de março de 1998, entretanto, um promotor local denunciou nove policiais militares e quatro detentos, incluindo Ivan, pelas mortes, acusando os policias por homicídio e os detentos envolvidos por homicídios e lesões corporais.(273) A denúncia enfatizava que todas as testemunhas entrevistadas falaram do modo selvagem em que foram exterminadas as vidas dos amotinados, assim como indicava que, após o massacre, os policiais que participaram da operação comemoraram a vitória intensamente, até o ponto de fazer disparos ao ar.
Rio Grande do Norte
Em 5 de fevereiro de 1998, mais de trinta prisioneiros tentaram escapar da Penitenciária Central João Chaves, em Natal, Rio Grande do Norte. Reagindo à tentativa de fuga, policiais militares recapturaram dezesseis prisioneiros, feriram pelo menos dez e mataram sete. Os sete prisioneiros mortos foram identificados como sendo Antônio Ferreira dos Santos (conhecido como "Bonifácio"), Carlos Alberto Quirino Targino, Erinaldo Miranda Máximo ("Chocolate"), João Maria Vicente de Souza ("Bahia"), Jonierison Linhares do Ó ("Cigano" ou "Cabeludo"), Francisco de Freitas da Silva ("Chita") e Moisaniel Oliveira da Silva. A polícia sustenta que as mortes ocorreram durante tiroteios travados entre eles e os presos. Testemunhas oculares e peritos, contudo, revelam que a polícia utilizou-se de força excessiva na perseguição dos prisioneiros fugitivos. Em várias das mortes, como detalhamos a seguir, o número de tiros e a distância da qual foram disparados sugerem que os presos foram sumariamente executados.
Os prisioneiros recapturados relataram à Human Rights Watch que; na noite de 5 de fevereiro, um grupo de aproximadamente trinta presos montou duas escadas improvisadas no muro traseiro da prisão.(274) Para conseguir fugir, os presos tinham que escalar o muro que circunda a prisão, correr uns cem metros entre o muro e uma segunda cerca de arame farpado e engatinhar através de buracos na cerca para a rua no lado de fora, onde carros e motocicletas os esperavam. De acordo com relatos da imprensa, um guarda da prisão descobriu os presos fugitivos quando eles estavam escalando o primeiro muro e rapidamente informou outros guardas sobre a tentativa de fuga.(275)
Os prisioneiros contaram à Human Rights Watch que os guardas da prisão abriram fogo imediatamente contra os fugitivos, ferindo muitos deles que estavam escalando o muro ou correndo os cem metros de distância entre o muro e a cerca de arame. De acordo com os prisioneiros, o primeiro fugitivo morto pela polícia foi Targino, atingido quando tentava escalar o muro traseiro. Após ter sido atingido, Targino caiu morto dentro da prisão. A autópsia oficial mostra a entrada de uma única bala nas nádegas, que penetrou seu tronco e acabou alojada dentro do peito.(276)
Todos os dez prisioneiros entrevistados pela Human Rights Watch relataram que; após forçarem os prisioneiros recapturados a deitar de rosto para o chão, os policiais continuaram a atirar naqueles que estavam ainda tentando fugir, mirando na direção deles e em torno dos que já estavam efetivamente capturados. Os prisioneiros recapturados relataram à Human Rights Watch que durante a fuga e no período seguinte a ela, a polícia atirou em, no mínimo, oito presos que estavam fugindo; aqueles recapturados afirmaram também que a polícia ordenou que eles rastejassem até próximo aos guardas da prisão, que então chutavam e batiam repetidamente nas cabeças e nos corpos dos presos com a coronha de suas armas.
De acordo com relatos da imprensa, mais de 200 policiais organizaram uma busca na região vizinha para encontrar os presos que haviam logrado fugir da penitenciária.(277) Residentes nas cercanias adjacentes ao muro traseiro da prisão, que pediram para permanecer não identificados, disseram à Human Rights Watch que a polícia disparou repetidamente nos presos enquanto eles entravam na vizinhança, fazendo com que eles, os residentes, pedissem para a polícia parar de atirar e procurar fugir para dentro de suas casas, por medo de serem eles os atingidos pelos tiros da polícia.(278) Uma moradora, que testemunhou a polícia matar um detento fugitivo escondido em sua propriedade, informou à Human Rights Watch que o policial disparou dúzias de tiros no prisioneiro desarmado que havia se escondido debaixo de um tanque, nos fundos de sua pequena área de serviço. A moradora também falou à Human Rights Watch que, até o momento da entrevista, mais de uma semana após o incidente, ela não havia sido chamada pela polícia para prestar um depoimento oficial sobre os acontecimentos.
Um prisioneiro recapturado contou à Human Rights Watch que após ter sido preso em uma vizinhança próxima à prisão, a polícia o colocou no porta malas de uma patrulha e o levou até uma sala vazia na penitenciária, onde vários policiais tiraram-lhe as roupas, obrigaram-no a beijar suas botas e o chutaram. Este mesmo prisioneiro contou à Human Rights Watch que um outro policial entrou na sala, atingiu-o no rosto repetidas vezes e aplicou-lhe um "telefone".
O exame realizado pelos peritos nos corpos dos presos mortos durante a perseguição revela a evidência do uso de força letal desnecessária. Em quatro de seis casos, os policiais dispararam em prisioneiros fugitivos enquanto eles estavam de costas. O número de tiros disparados (uma média de seis ferimentos de bala foi encontrada em cada corpo, embora um destes corpos apresentasse quatorze ferimentos de tiro), e a concentração de ferimentos de bala na cabeça e tórax, são consistentes com a intenção de matar, ao invés de apenas ferir ou deter, os presos fugitivos. O fato de que nenhum policial foi ferido durante a perseguição e de que nenhuma arma foi encontrada com as vítimas após elas terem sido mortas lança dúvidas sobre as descrições da polícia da ocorrência de um tiroteios com os presos.
Em 8 de fevereiro de 1998, três dias após a tentativa de fuga, a Polícia Civil recebeu uma denúncia de residentes locais que o foragido Moisaniel Oliveira da Silva estaria escondido em uma casa abandonada na vizinhança de Ceará Mirim, em Natal. Segundo a versão da imprensa, a polícia foi até a casa abandonada e tentou deter Moisaniel, eles iniciaram um curto tiroteio, ferindo-o durante a troca de tiros.(279) Após resgatar Moisaniel da casa abandonada, a polícia o levou até o hospital local, onde ele foi declarado morto e levado ao legista da polícia no ITEP.
A Human Rights Watch obteve acesso ao relatório oficial da autópsia realizada no corpo de Moisaniel e encontrou-se com os legistas responsáveis pelo laudo, Dr. Abelardo Rangel Monteiro Filho, Dr. Guaraci da Costa Barbosa e Dr. José Pinto, chefe de balística do ITEP.(280) A autópsia oficial revela que Moisaniel foi morto por uma única bala que atingiu sua têmpora direita e produziu dois ferimentos: um pequeno ferimento na testa e um buraco no crânio de aproximadamente onze por cinco centímetros na saída do projétil. Dr. José Pinto nos disse que este tipo grave de ferimento na cabeça só poderia ser resultado de um tiro disparado de uma distância extremamente curta, com uma arma de grosso calibre. A autópsia oficial reporta e as declarações dos peritos sugerem uma execução sumária de Moisaniel pelos policiais ao invés de um tiroteio entre eles.
Em 13 de fevereiro de 1998, o Gen. José Carlos Leite Filho, Secretário de Segurança Pública, contou à Human Rights Watch que quatro investigações oficiais sobre o confronto entre a polícia e os presos fugitivos haviam sido iniciadas.(281) Até o momento da elaboração deste relatório, nenhuma acusação formal foi apresentada contra nenhum dos oficiais que participou da operação.
Rio Grande do Sul
Um número de detentos do Presídio Central de Porto Alegre descreveu um incidente ocorrido em setembro de 1997 envolvendo a cartucheira de um dos guardas. A cartucheira desapareceu, havia sido furtada pelos presos, levando a Brigada Militar a conduzir uma busca geral nas celas. Todos os prisioneiros dos blocos B e C foram levados para a parte de baixo do pátio onde, então, várias viaturas da polícia, incluindo várias unidades de choque equipadas para lidar com um motim, invadiram a prisão quebrando televisões e outros itens pessoais dos presos. Uma rebelião explodiu e a polícia forçou todos os presos do bloco C, galerias B-1 e B-2 a passarem por um corredor polonês. Nus, em grupos de dez, os prisioneiros tiveram de correr entre duas fileiras de policiais que os espancavam. Depois disto os presos foram deixados do lado de fora, na chuva, por dois dias e meio, sem água, comida, sanitários ou visitas.
Outros presos contaram ter apanhado por ofensas menores. Por exemplo, um prisioneiro HIV positivo, que iniciou uma greve de fome para denunciar a falta de atendimento médico, reclama ter sido atingido na cabeça pelos guardas que não concordavam com seu protesto.
São Paulo
Em vários distritos policiais de São Paulo, a Human Rights Watch ouviu denúncias de espancamentos individuais e em grupo após tentativas de fuga ou de rebelião. Ao longo destas sessões de "castigo", esquadrões especiais da polícia geralmente ordenam aos detentos que estes fiquem nus, para então os surrarem com cacetetes, paus e barras de ferro, fazendo-os passar por duas fileiras de policias com estas armas (corredor polonês).
Na metade de novembro de 1997, o dia seguinte a uma tentativa de fuga do 9o DP, em torno de dez tropas especiais da polícia de choque entraram na carceragem do distrito e bateram nos presos. Eles tiraram todos os presos das celas três e quatro para fora, fizeram-os tirar toda a roupa e ir para o pátio em grupos de cinco. Lá os presos eram obrigados a colocar a cabeça contra o muro e eram atingidos três ou quatro vezes com pedaços de madeira. A maioria dos presos foi atingida nas nádegas, mas alguns também nas costelas e alguns deles nos testículos. A polícia também quebrou os objetos pessoais dos presos, colocando tudo em um pilha e esvaziando sobre ela recipientes pessoais como café e açúcar. Como nos relata um preso: "eu perdi tudo na invasão: meu travesseiro, minha toalha, cartas da minha namorada e dos meus pais, barbeador, sabonete, uma calça jeans, várias camisetas, um chapéu novo e meu colchão de espuma".(282) Presos da cela cinco foram forçados a levar sua televisão e jogá-la no chão na frente da polícia.
Detentos na carceragem do Depatri, no Carandiru, contaram como a polícia entra freqüentemente na carceragem atirando; eles apontaram buracos de bala na parede para os pesquisadores da Human Rights Watch. Indo de cela em cela, a polícia força os presos a ficarem nus e a sair das celas; então, às vezes batem neles e quebram seus pertences.
Cinco prisioneiros fugiram do 35o DP de São Paulo na semana anterior à visita da Human Rights Watch; outro preso foi baleado pela polícia durante a tentativa de fuga. Cerca de quinze minutos após incidente, quarenta tropas de choque da polícia chegaram ao local. Eles entraram na prisão atirando e batendo nos presos. Os presos gritaram que eles queriam que a imprensa entrasse, a polícia teria respondido dizendo, "nada de imprensa, vocês é que vão pra prensa hoje!" Todos os presos tiveram que tirar a roupa e atravessar um corredor polonês, inclusive o preso mais idoso do local, um senhor de cinqüenta e dois anos entrevistado pela Human Rights Watch. "Eles falaram para ir devagar, porque se for rápido tinha que passar [através do corredor] de novo", explicou ele.(283) A polícia atingiu alguns detentos com bastões de beisebol, fazendo-os ajoelhar no chão. Alguns dos policiais trouxeram baldes com urinas e fezes de um vaso sanitário entupido e jogaram sobre os prisioneiros no chão. No final, a polícia prendeu todos os presos, a maioria coberta de cortes e hematomas, em duas das cinco celas disponíveis e sessenta pessoas em cada cela. A imprensa não pôde visitá-los até o dia seguinte.
Uma rebelião no Cadeião de Pinheiros, em 30 de setembro de 1997, resultou em um caso pavoroso de brutalidade policial. No dia anterior, internos e a polícia iniciaram uma discussão quando os presos reclamaram que o café da manhã estava atrasado; um policial respondeu-lhes atirando para cima e a esmo dentro da cadeia. Os presos coletaram as cápsulas utilizadas e as balas, levando-as ao diretor do estabelecimento, tentando convencê-lo a disciplinar o policial. Quando o policial apareceu para trabalhar como de costume, em 30 de setembro, presos indignados com a situação decidiram tomá-lo como refém e rebelarem-se para pedir melhor tratamento. Eles queriam permissão para que seus filhos pudessem visitá-los duas vezes ao mês, ao invés de apenas uma, e queriam um dia inteiro de recreação ao ar livre, ao invés de apenas duas horas por dia. Quando o portão da prisão foi aberto, um grupo de aproximadamente vinte presos disparou, buscando prender vários reféns, incluindo três homens oficiais da polícia, uma mulher oficial de justiça e outra assistente de enfermagem.
Um jovem detento foi pego pela polícia nos instantes iniciais da revolta. A polícia acertou-lhe atrás da cabeça com uma barra de ferro, deixando-o inconsciente. Ele acordou momentos depois na entrada da cadeia; um policial estava ordenando que ele revelasse quem era o líder da rebelião e quem entre os detentos estava armado. O preso nos falou:
Um policial estava atrás de mim, segurando meus braços. Eu caí, então outro me acertou com a barra de ferro. Ele me bateu quatro vezes na cabeça e no pescoço, me tirando do ar, de vez. Quando abri minha boca, cuspi dentes. Então eles começaram a me bater com um pedaço de madeira nos meus ombros e no meu peito. Finalmente, eles me arrastaram pelos pés até a entrada, me chutaram e me jogaram contra a chapa de ferro da entrada. Eu caí junto ao portão meio inconsciente. Enquanto eu estava no chão um policial enfiou uma faca na minha mão, aqui (entre o pulso e o polegar). Eu senti aquilo mas não me movi. O policial falou para os outros: "podem chamar o IML, este cara já era".(284)
O preso acordou mais tarde em um batalhão da Polícia Militar. Um médico visitou-o e costurou sua boca e mão. Naquela noite ele foi transferido para uma cela isolada de segurança máxima no Dakar 4, onde ele foi mantido sozinho por trinta dias. Durante este período a família do preso não tinha a menor idéia do que havia acontecido com ele e de onde ele estava. Quando a Human Rights Watch entrevistou-o, em novembro de 1997, ele tinha perdido dois dentes de um lado da boca e dois outros dentes estavam quebrados; o ferimento em sua mão ainda estava cicatrizando.
A violência oficial também é um problema sério nas prisões de São Paulo embora, desde o massacre na Casa de Detenção do Carandiru, as autoridades prisionais paulistas têm sido mais cuidadosas em evitar força letal, baseando-se mais em negociações para resolver situações tensas. Notadamente, a rebelião de ano novo em 1998 na prisão de Sorocaba, na qual quinze guardas e centenas de familiares foram tomados como reféns, terminou sem derramamento de sangue. Mas enquanto mortes têm sido evitadas, surras e espancamentos são freqüentes. Internos na Casa de Detenção, particularmente aqueles em áreas de castigo, descrevem numerosos incidentes envolvendo a brutalidade dos guardas.(285) Durante a visita da Human Rights Watch às instalações, vimos barras de ferro com uma das extremidades recoberta com pano como para facilitar o manuseio, exatamente como os presos haviam descrito, em mais de um posto de guarda ao redor da prisão.
Impunidade
Impunidade por abusos praticados contra os prisioneiros, mesmo em massacres de larga escala, constitui um problema crônico que encoraja os abusos subseqüentes. Não obstante o alto grau de violência oficial contra os prisioneiros, a Human Rights Watch encontrou muito poucos casos em que oficiais foram criminalmente processados por suas ações e um número menor ainda de condenações obtido. Em Porto Alegre, em 1993, um cantor foi detido, acusado de estuprar uma adolescente, foi abusado sexualmente por outros internos que eram encorajados pelos guardas; estes guardas foram processados e teriam sido sentenciados a um longo período de confinamento.(286) Mas estes casos são extremamente raros, assim como é raro o fato de um cantor ser mantido na prisão.
Na década passada destacaram-se diversos incidentes nos quais policiais, militares ou civis, mataram um grande número de prisioneiros. Nenhum desses incidentes, não importando quão repugnante, resultou em mais que uma breve detenção dos perpetradores. O dois casos mais proeminentes entre esses, continuam tramitando na Justiça e são descritos logo abaixo. Por terem recebido cobertura substancial da mídia, forte interesse nacional e atenção constante em nível internacional, a falta de resolução destes casos é especialmente indicativa da impunidade que impera em abusos desta natureza.
O primeiro caso ocorreu na seqüência de uma tentativa de fuga frustrada, no 42o DP, no Parque São Lucas, São Paulo, em 2 de fevereiro de 1989. Para punir os cinqüenta e um presos que tentaram fugir, um grupo de vinte e nove policiais militares e dois policiais civis forçaram os prisioneiros a ficarem nus e a passar através de um corredor polonês. Após baterem gravemente nos presos, a polícia forçou-os a entrar em uma pequena cela sem ventilação. Um terceiro policial civil, o delegado do distrito, chegou no local logo em seguida mas falhou em ordenar a retirada dos homens daquela cela, não obstante os gritos desesperados e a evidência de que muitos estavam morrendo. Após mais ou menos uma hora, dezoito prisioneiros tinham morrido asfixiados.
Na Justiça Comum que julga os policiais civis, um dos dois oficiais envolvidos foi condenado e não tem mais direito à apelação. Entretanto, este policial não foi mantido preso enquanto aguardava o julgamento; fugiu da justiça e foi preso em julho de 1998. A condenação do segundo policial está sob apelação. O delegado do distrito policial foi julgado e absolvido, mas de acordo com a última informação recebida pela Human Rights Watch, a absolvição foi revertida em instância de apelação e ele deverá ser julgado novamente este ano.(287)
O caso contra a Polícia Militar arrastou-se por quase oito anos na notoriamente ineficaz Justiça Militar, antes de ser transferido para a Justiça Comum, de acordo com uma lei de 1996 (Lei 9.299/96) que transferiu os casos de homicídio doloso da Justiça Militar para a competência da Justiça Comum. No presente momento, vinte e sete policiais militares enfrentam acusações na Justiça Militar (dois morreram desde o incidente de 1989). Estes policiais continuam na ativa, embora estejam restritos aos deveres administrativos até o final do processo.
Alguns dias após o massacre, Americas Watch (agora a Divisão das Américas da Human Rights Watch) entrou com uma petição junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a qual o Centro para Justiça e Direito Internacional (CEJIL), subseqüentemente, aderiu. Em 1997, em um estágio bastante avançado do processo perante a Comissão, o Brasil solicitou à Comissão para intervir na busca de uma solução amistosa com os peticionários. Em 9 de janeiro, o governador Mário Covas, de São Paulo, assinou um decreto autorizando indenizações às famílias das vítimas, em uma quantia de cerca de R$30.000 por dependente. Também como parte das negociações para chegar a uma solução amistosa, o governo brasileiro concordou em apressar o processo dos policiais civis e militares envolvidos e reconhecer, publicamente, sua responsabilidade internacional pela violação.
O outro caso dos mais notório e importante é o massacre do Carandiru. Em 2 de outubro de 1992 , após um motim na Casa de Detenção de São Paulo, localizado dentro do complexo do Carandiru, a Polícia Militar invadiu a prisão e matou 111 presos. A polícia fez pouco ou nenhum esforço para negociar com os presos antes de entrar. Quando as tropas de choque da polícia invadiram o local, após ganharem o controle da situação, obrigaram os presos a ficarem nus e executaram dúzias deles, inclusive vários que estavam tentando esconder-se debaixo das camas. Nenhum policial foi ferido por tiro, minando a versão oficial de que a polícia teria travado um "tiroteio" com os presos. O comandante da polícia (Cel. Ubiratan Guimarães), que continua mantendo esta versão dos eventos, foi eleito para a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Como deputado estadual, posição que ocupava até o início deste ano, beneficiou-se da imunidade parlamentar, mesmo por crimes passados.
No início de 1996, logo após a aprovação da lei que permitiu transferir para o sistema da Justiça Comum, entre outros, o caso do 42o DP (Parque São Lucas), a Justiça Militar decidiu ceder a jurisdição sobre o caso do Carandiru. No momento, o processo contra 120 policiais, inicialmente indiciados na Justiça Militar, está tramitando na Justiça Comum. Nenhuma data para julgamento foi até agora agendada.(288)
IX. O CONTATO DOS PRESOS COM O MUNDO EXTERIOR
Ao isolar fisicamente os presos do mundo exterior, a prisão naturalmente põe os laços familiares e as amizades sob pressão e favorece a perda de contato e a ruptura de relacionamentos. Além do efeito adverso que isso exerce sobre o bem-estar psicológico dos detentos, também prejudica sua futura readaptação ao convívio em sociedade. À luz dessas considerações, é muito importante que o sistema carcerário não aumente ainda mais o isolamento dos detentos além do que é inerente ao próprio encarceramento. Ao invés de criar impedimentos ao contato dos detentos com o mundo exterior, o sistema carcerário deveria facilitar esses contatos.(289)
Nas prisões brasileiras, os recursos limitados de que dispõem os detentos representa uma outra razão para que as autoridades carcerárias os ajudem a manter os laços de família. Sem suas famílias, os detentos não teriam acesso a apoio material, extremamente necessário. Em muitos casos, fica a encargo da família fornecer as roupas, a roupa de cama, os remédios e os produtos de higiene do detento, entre outras coisas.
As autoridades carcerárias podem obstruir as relações dos detentos com suas famílias e amigos através de meios diretos e indiretos. As restrições diretas podem incluir a limitação das horas de visitação, a proibição de enviar e receber correspondência e restrições sobre os visitantes. Os estabelecimentos penais brasileiros, de modo geral, não impõem muitas dessas restrições; suas políticas de visitação, em especial, costumam ser bastante generosas. Certas restrições indiretas aos contatos dos presos com o mundo exterior, contudo, são mais comuns. O problema central nesse sentido é o tratamento humilhante dos visitantes, que ocorre em graus variados em muitos estabelecimentos penais.
O Problema da Distância
Num país grande como o Brasil, a questão da distância dos detentos de suas famílias deve ser levada em conta. Se os parentes tiverem que viajar longas distâncias para visitar seus familiares que estão presos, é provável que essas visitas sejam pouco freqüentes.
Nesse sentido, o sistema estadual de controle de detentos no Brasil é benéfico, pois os detentos normalmente ficam no estado em que moram. (Detentos que cometeram crimes em outros estados, contudo, não são protegidos por este sistema). Não obstante, as distâncias podem ser um problema, mesmo dentro das fronteiras de um mesmo estado, especialmente se levarmos em conta a pobreza da maioria dos prisioneiros e de suas famílias, bem como o tamanho de muitos estados brasileiros. A Human Rights Watch ouviu uma série de queixas de detentos que vinham de áreas rurais no interior de um estado, mas foram levados para uma prisão em uma cidade e recebiam, conseqüentemente, poucas visitas. Afirma-se que os juizes do interior em alguns estados relutam em transferir os detentos para o sistema penal após a condenação, pois removê-los da cadeia local e levá-los para uma prisão central significaria, no fundo, separá-los do apoio familiar. (290)
As autoridades policiais e carcerárias freqüentemente se utilizam do desejo dos detentos de permanecer perto de suas famílias como um instrumento de disciplina, ameaçando os detentos revoltosos ou recalcitrantes com transferências para prisões mais distantes. Nas delegacias de São Paulo, esse é um dos principais meios de controle sobre os prisioneiros.
Políticas de Visitação
As políticas de visitação aos detentos no Brasil variam de estado para estado e de prisão para prisão. A LEP inclui explicitamente as visitas em sua lista de direitos dos prisioneiros, dizendo que um prisioneiro tem direito a visitas de seu "cônjuge, da companheira, de parentes e amigos."(291)
A lei permite, contudo, que as visitas sejam suspensas como sanção disciplinar.(292)
A importância atribuída pelos detentos ao contato com sua família e amigos evidencia-se, entre outras coisas, pela freqüência com que políticas de visitação mais generosas são exigidas nas revoltas carcerárias. Uma das principais reivindicações feitas pelos detentos nas revoltas de 1994 e 1997 na Penitenciária Raimundo Vidal Pessoa, em Manaus, era a ampliação dos horários de visita. Uma lista curta de pontos de negociação anunciada pelos detentos durante uma rebelião, em julho de 1997, no Presídio do Róger, em João Pessoa, incluía a reivindicação de que as visitas fossem realizadas às quartas-feiras e domingos, das 8:00 às 16:00.(293)
No mesmo sentido, o cancelamento de visitas é algumas vezes suficiente para desencadear rebeliões.(294)
Em geral, os detentos querem mais visitantes, visitas mais freqüentes e mais longas, e melhor tratamento para os visitantes.
A maioria dos estabelecimentos penais tem um ou mais dias de visitação por semana, durante os quais os visitantes podem permanecer no local por várias horas. Em geral, as políticas de visitação tendem a ser mais liberais nas prisões, que têm mais infra-estrutura para acomodar os visitantes, do que nas carceragens das delegacias policiais. A maioria das prisões tem dois dias de visitação por semana, normalmente quarta-feira e domingo, ou sábado e domingo. Em algumas instalações, um dia da semana é destinado às visitas conjugais, e um dia do fim-de-semana às visitas de outros parentes e amigos. As crianças geralmente podem visitar seus pais uma vez por mês, em um dia especial de visita.
Os horários de visitação variam, mas geralmente os visitantes passam pelo menos algumas horas com os detentos, e em muitas prisões os visitantes podem ficar quase o dia inteiro. A Casa de Detenção de São Paulo, a maior prisão do país, tem horários de visitação mais limitados, porém os detentos têm direito a meio dia de visitas por semana (o dia e o horário dependem do pavilhão no qual o detento está preso). No último fim-de-semana do mês, os prisioneiros podem receber visitas ambos os dias. Perto do feriado de Natal, quando as visitas são mais freqüentes, a Casa de Detenção recebe quase 30.000 visitantes cada fim-de-semana.(295)
As carceragens policiais geralmente recebem visitantes um dia por semana, durante duas a quatro horas. Até pouco tempo atrás, contudo, os detentos da Delegacia de Furtos e Roubos de Belo Horizonte, Minas Gerais, não tinham permissão para receber quaisquer visitantes. De fato, sua insistência de que essa proibição fosse eliminada "foi uma das maiores reivindicações que apresentaram à CPI" (da Assembléia Legislativa para apurar denúncias sobre o sistema prisional do estado).(296)
Depois que o relatório da CPI foi publicado, o estabelecimento reviu sua política de visitação e começou a admitir visitas de curta duração uma vez por semana, embora as visitas pudessem ser apenas de pais, esposas e companheiras.
Em obediência ao que determina a LEP, as prisões geralmente permitem visitas tanto da família como dos amigos. As carceragens policiais, ao contrário, freqüentemente limitam as visitas aos parentes, cônjuges e companheiros dos detentos, proibindo visitas de amigos. Alguns delegacias chegam a ser extremamente seletivas ao decidir que parentes podem visitar o preso, permitindo a visita dos pais mas não de primos, por exemplo.(297)
As carceragens das delegacias policiais também tendem a aplicar regras mais severas no que tange ao registro de visitantes, requerendo que os visitantes se registrem com antecedência e recebam carteiras de visita especiais. No 16º Distrito Policial de São Paulo, o diretor nos disse que eles chegam até mesmo a fazer uma investigação para garantir que os candidatos a visitante sejam idôneos: "temos que tomar cuidado com as prostitutas, você entende".(298)
A maioria das instalações, especialmente as menores, tais como as carceragens policiais, estabelecem limites sobre o número de visitantes que um prisioneiro pode receber em um dia determinado. Muitas vezes é permitida a entrada de apenas dois visitantes, mas algumas prisões permitem até cinco. Tendo em vista o tamanho das famílias brasileiras, as restrições quanto ao número de visitantes podem ser onerosas.
Poucos estabelecimentos penais têm áreas especiais para visitas; na verdade, os visitantes podem muitas vezes entrar diretamente nas próprias áreas onde moram os detentos. Em algumas prisões, tais como a Casa de Detenção de São Paulo, "visitas sociais" da família e amigos ocorrem no pátio, enquanto às esposas e companheiras é permitido entrar nas celas dos detentos. Esse padrão é bastante comum nos distritos policiais de São Paulo. Em algumas instalações policiais, tais como o 9º Distrito Policial e o Depatri, os detentos e seus visitantes masculinos ficam separados por grades ou por uma tela. Até onde sabemos, contudo, nenhum estabelecimento penal no Brasil utiliza divisórias de plexiglass --que impedem completamente qualquer contato físico entre o detento e o visitante --tais como as encontradas em certas prisões de segurança máxima nos Estados Unidos e em outros lugares.
Todas os estabelecimentos penais têm restrições sobre tipos de comida e outros itens que o visitante pode trazer para os detentos. Obviamente, as drogas ilegais são consideradas contrabando em todos os estabelecimentos, assim como qualquer tipo de arma, ferramentas tais como brocas e furadeiras, e álcool. Além disso, cada estabelecimento penal tem regras diferentes sobre a entrada de comida, roupas e itens pessoais. Na maioria das delegacias de polícia, é proibido entrar comida cozida, somente comida industrializada e biscoitos são permitidos. Os visitantes normalmente podem trazer produtos higiênicos e de limpeza. Na verdade, eles costumam ser a única fonte desses itens.
Visitas conjugais
Quando perguntamos ao diretor do 35º Distrito Policial de São Paulo que opções ele tinha para manter a disciplina, ele não hesitou: "As visitas. A maior preocupação deles é que alguém proiba as visitas das namoradas".(299)
As visitas conjugais são permitidas de forma regular em todas as prisões masculinas do Brasil e, até onde sabemos, na maioria das delegacias policiais.(300)
Em geral, as políticas de visitação conjugal para os detentos masculinos no Brasil são extremamente generosas, embora o grau de controle exercido pelas autoridades sobre essas visitas varie de estado para estado.
As prisões impõem poucas limitações sobre que detentos podem receber visitas conjugais - chamadas freqüentemente de "visitas íntimas". Geralmente, só os prisioneiros que estão segregados por razões administrativas ou disciplinares não podem receber essas visitas. Todos os outros prisioneiros podem normalmente receber visitas conjugais, que duram o mesmo tempo que as visitas regulares, uma vez por semana.
A variação é maior quando se trata de definir que visitantes têm direito a visitas conjugais. Alguns estabelecimentos penais registram os visitantes e tentam impedir a entrada de prostitutas; outros permitem a entrada de qualquer pessoa; e alguns restringem as visitas conjugais à mulher do detento, ou à sua companheira estável.(301)
A norma básica nas instalações mantidas pela Polícia Militar no Rio Grande do Sul é a de que o detento tem que registrar sua companheira e só pode ter uma companheira de cada vez. Brasília limita as visitas conjugais à esposa do detento, ou à mulher com quem ele vivia antes da prisão (o que requer alguma prova do envolvimento prévio dos dois, tais como o testemunho de vizinhos).
Poucos estabelecimentos penais masculinos têm áreas separadas para visitas conjugais; em vez disso, são usadas as próprias áreas onde vivem os presos. (Algumas prisões que visitamos tiveram áreas separadas para visitas conjugais no passado, mas o crescimento da população carcerária acabou por transformar essas áreas em áreas regulares de moradia, ou, em um caso, em celas disciplinares). A falta de privacidade é um problema sério, especialmente quando se leva em conta a superlotação de prisões e carceragens. Os detentos criam seu próprio espaço privado o melhor que podem, o que é um verdadeiro desafio em carceragens das delegacias policiais onde dormem quarenta pessoas em uma cela. No 7º Distrito Policial de São Paulo, onde os detentos são forçados a dormir sentados por causa da superlotação, o delegado nos disse que a falta de espaço impedia visitas conjugais. "A gente se vira", disseram os detentos.(302)
Uma inovação interessante em algumas prisões brasileiras - geralmente aquelas nas quais as instalações masculinas e femininas são adjacentes - consiste em permitir visitas conjugais entre detentos. As mulheres presas no pavilhão feminino da Penitenciária Central João Chaves, em Natal, podem visitar a ala masculina uma vez por semana se seus maridos ou companheiros estiverem presos lá. A Penitenciária Feminina de Manaus instituiu recentemente um programa semelhante, com a exceção de que as detentas não chegam a entrar na prisão masculina. Em vez disso, são utilizadas celas especiais marcando a fronteira entre as duas instalações.(303)
Em Brasília, de forma semelhante, as prisões masculinas e femininas permitiam essas visitas até pouco tempo atrás, mas a transferência da prisão feminina para um lugar mais distante, em 1997, pôs fim a essa prática.
Os diretores das prisões não tinham reclamações sobre as visitas conjugais, concluindo que, na pior das hipóteses, elas amenizavam as tensões entre os detentos e melhoravam a atmosfera dentro da prisão. Os diretores de diversas prisões, inclusive a Casa de Detenção de São Paulo, ressaltaram para a Human Rights Watch que as visitas conjugais eram uma defesa muito importante contra o estupro nas prisões. "Antes delas serem permitidas, os presos mais jovens eram vendidos como escravos sexuais", explicou-nos um diretor.(304)
Devido ao fato de que nossa metodologia de pesquisa no Brasil não foi especialmente adaptada para aferir a freqüência de abuso sexual entre os detentos brasileiros, não podemos confirmar se as visitas conjugais reduziram ou eliminaram o problema. Não obstante, nossa visão dessas afirmações tende a ser cética, já que nossa investigação do assunto em outros países indica que o estupro nas prisões está mais relacionado com poder e dominação do que com privações sexuais.(305)
Revistas de visitantes
A Human Rights Watch ouviu uma série de queixas sobre maus-tratos contra visitantes, envolvendo especialmente as revistas humilhantes a que muitos visitantes são submetidos ao entrar.(306)
As normas que regulam as revistas de visitantes variam muito de instalação para instalação, mas em todos os locais as autoridades alegaram a mesma justificativa para todas elas: o contrabando trazido pelos visitantes, especialmente armas e drogas. "O que encontramos? Maconha escondida em cocos, sacos de batata, no fundo dos tênis . . . Encontramos até cocaína na bainha das calças . . . Achamos uma bomba".(307)
Ao tentar impedir a entrada de tais itens nas prisões, as autoridades carcerárias sujeitam os visitantes e seus pertences a revistas meticulosas. Alguns estabelecimentos penais empregam revistas nas quais o visitante permanece vestido e é apalpado; outros pedem que os visitantes tirem as roupas; outros fazem inspeções vaginais ("revista íntima"). A única regra que parece ser aplicada de maneira uniforme é a de que guardas masculinos revistam visitantes masculinos e guardas femininos revistam visitantes femininos.
Na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas, no Rio Grande do Sul, por exemplo:
Os visitantes homens têm que tirar todas as suas roupas, que revistamos, e abrir as bocas e as mãos. . . . eles se agacham, três vezes pra frente e três vezes pra trás . . . As mulheres têm que tirar as roupas e se agachar também. Depois elas deitam na mesa e abrem os lábios da vagina para os guardas verem se tem alguma coisa ali . . . As crianças até doze anos só têm que tirar as roupas, e as roupas são revistadas. As revistas de adolescentes dos doze aos dezesseis anos são que nem as dos adultos, exceto que eles são acompanhados por um adulto responsável por eles.(308)
Nesse estabelecimento penal, disseram-nos que "não há exceções" à regra de despir os visitantes para a revista, nem mesmo quando se trata dos dez visitantes registrados que têm mais de sessenta e cinco anos. Na maioria das prisões, ao contrário, as regras são mais flexíveis. Como descreveu o diretor da Penitenciária Regional de Campina Grande, "alguns visitantes são revistados com roupas; outros têm que tirar as roupas. Depende se o cara foi preso por tráfico ou não. Quando existe suspeita, fazemos uma revista mais intensiva".(309)
De fato, os detentos declararam que guardas femininos usando luvas realizam às vezes revistas vaginais em mulheres que visitam esse estabelecimento penal.
As autoridades carcerárias alegam que revistas rigorosas são necessárias sem reconhecer o embaraço e a pressão emocional que tais revistas podem infligir sobre os visitantes. Mas mesmo que seja difícil conciliar as metas da segurança carcerária e do tratamento respeitoso dos visitantes, uma não pode simplesmente se sobrepor à outra. Na ausência de salvaguardas para assegurar a proteção da dignidade e a privacidade dos visitantes, tais revistas podem constituir tratamento degradante, violando assim o artigo 7 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o artigo 5, inciso 2, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, assim como uma interferência arbitrária na privacidade pessoal, violando o artigo 17 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o artigo 11 da Convenção Americana.
Uma decisão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos de 1996 é exemplar sobre essa questão. O caso envolvia tentativas de autoridades carcerárias da Argentina de submeter uma mulher e sua filha a revistas íntimas antes de uma visita ao marido da mulher. Enfatizando o extremo constrangimento causado por essa revistas, que podem "provocar sentimentos profundos de angústia e vergonha" em pessoas sujeitas a elas, a Comissão decidiu que elas constituem tratamento degradante e violam o direito dos visitantes à privacidade.(310)
Embora a Comissão tenha reconhecido as preocupações válidas com a segurança carcerária relativas às normas que regulam as revistas, ela enfatizou a necessidade de medidas rigorosas para limitar qualquer possibilidade de um uso arbitrário ou desnecessário de tais buscas. Em particular, a Comissão declarou que revistas íntimas são justificáveis apenas se autorizadas por uma lei que especifique claramente as circunstâncias nas quais elas são apropriadas e se, em cada caso particular: 1) forem absolutamente necessárias para alcançar um objetivo legítimo; 2) não existir alternativas; 3) forem autorizadas por ordem judicial, e 4) forem realizadas por um profissional da área médica.
Outra advertência sobre revistas potencialmente degradantes foi lançada pelo Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas. Em um comentário genérico sobre revistas corporais, o Comitê lembrou às autoridades governamentais que "medidas efetivas devem assegurar que as revistas [corporais] sejam realizadas de maneira compatível com a dignidade da pessoa que está sendo revistada".(311)
O Brasil tem poucos mecanismos, talvez nenhum, para ajudar a assegurar que revistas potencialmente degradantes de visitantes às prisões não sejam realizadas de forma arbitrária e abusiva. A LEP não regula essas revistas, nem há quaisquer outras restrições efetivas sobre elas. As revistas nas quais o visitante é despido, especialmente quando uma mulher é submetida a inspeção vaginal visual, tem um alto potencial para causar embaraço e desconforto. As revistas vaginais, que alguns detentos afirmam serem usadas, representam uma invasão de privacidade ainda mais séria. Tendo em vista os interesses importantes de ambos os lados da questão, é necessário regular e supervisionar as políticas de revista de visitantes.
É importante lembrar ainda que a ausência de instalações próprias para visitantes reforça a necessidade de tais revistas constrangedoras, e que o fato de que as visitas normalmente ocorrem nas próprias áreas onde vivem os detentos aumenta as preocupações com segurança. Em vez de submeter os visitantes a essas revistas, as prisões deveriam explorar outras formas de lidar com as visitas. Como a Comissão Interamericana enfatizou em sua opinião, meios alternativos de garantir a segurança carcerária devem ser usados com mais freqüência: detetores de metal, por exemplo.(312)
Visitas legais
Não registramos reclamações de detentos no que se refere a interferências em visitas legais. Era óbvio, contudo, que apenas uma minoria entre os detentos recebia tais visitas. A maioria dos detentos só via seus advogados um pouco antes e durante os julgamentos.
Correspondência e Comunicação por Telefone
Os presos dos estabelecimentos penais brasileiros podem enviar e receber um número ilimitado de cartas. Na maioria dos estabelecimentos, contudo, suas cartas são censuradas; tanto a correspondência que entra como a que sai é lida. "A gente tenta achar planos de fuga, ameaças, tentativas de intimidação. Uma vez achamos alguém pedindo uma arma à sua família".(313)
Alguns estabelecimentos penais permitem que os detentos escrevam livremente sem qualquer tipo de censura pelos funcionários.
A Human Rights Watch encontrou apenas três prisões nas quais os detentos tinham acesso fácil a telefones: o Centro de Internação e Reeducação de Brasília, a Penitenciária Central João Chaves, em Natal, e a Penitenciária Raimundo Vidal Pessoa, em Manaus. Em praticamente todas as outras prisões, e em todas as delegacias, os detentos não dispunham de qualquer acesso a telefones.(314) (Uma possível exceção a essa regra em algumas prisões foi sugerida por detentos que afirmaram que telefones celulares eram usados por detentos ricos que subornavam os guardas para esse fim. Os pesquisadores da Human Rights Watch, contudo, não viram qualquer telefone celular nas prisões).
Acesso à Imprensa
Permitir o acesso ilimitado dos detentos à imprensa - ou acesso dos jornalistas aos detentos - pode servir como uma importante defesa contra as violações de direitos humanos. Em Fortaleza, Ceará, no exemplo mais dramático que podemos citar, dois detentos - dois dos poucos sobreviventes de um grupo de detentos assassinados em uma tentativa de fuga em dezembro de 1997 - talvez devam sua vida a membros da imprensa que seguiram de perto os policiais que estavam perseguindo os veículos dos revoltosos. Em muitos outros incidentes, jornalistas foram diretamente responsáveis pela revelação de abusos cometidos nas prisões. A confiança dos detentos na habilidade dos jornalistas de prevenir a ocorrência de maus-tratos, simplesmente por estarem lá para testemunhá-los, é demonstrada pelo fato de que os detentos freqüentemente incluem o acesso da imprensa a uma prisão entre as reivindicações que surgem nas negociações durante rebeliões carcerárias. E, no entanto, assim como a Human Rights Watch encontrou reações muito diferentes entre as autoridades brasileiras, ao nosso esforço de investigar a situação das prisões, notamos que as reações à cobertura jornalística também variavam de forma significativa. Na ausência de regras definidas sobre esse ponto, as autoridades carcerárias são livres para permitir ou negar o acesso de jornalistas aos estabelecimentos penais, de acordo com seus próprios critérios.
Sob certas circunstâncias, os jornalistas são bem-vindos. Afirma-se que o ex-delegado titular do 78º Distrito Policial de São Paulo queria chamar a atenção para a situação desesperadora de superlotação daquele estabelecimento - um problema que não havia sido causado por ele - e permitiu, portanto, que equipes de televisão filmassem presos que dormiam pendurados no teto.(315)
Outras carceragens superlotadas de delegacias também foram abertas à imprensa. Apesar das terríveis condições na Penitenciária Raimundo Vidal Pessoa, em Manaus, os membros da imprensa puderam entrar nela livremente. Na maior parte das vezes, contudo, os jornalistas são proibidos de entrar em estabelecimentos penais e de entrevistar detentos sobre abusos, especialmente logo após incidentes violentos.(316)
Na noite do massacre sangrento de 111 detentos na Casa de Detenção, em 1992, os jornalistas foram proibidos de entrar na prisão e não recebiam informações sobre o que estava acontecendo; dois fotógrafos e um repórter foram detidos por pouco tempo quando tentavam fotografar um veículo da Polícia Militar que retirava os cadáveres.(317)
X. O TRABALHO E OUTRAS ATIVIDADES
O trabalho dos detentos, juntamente com a educação e o treinamento profissional, desempenha um papel significativo na estratégia de reabilitação da LEP. Ao aprender um ofício ou profissão e adquirir bons hábitos de trabalho, um detento pode aumentar muito suas chances de se integrar com sucesso à sociedade após ser solto. Não obstante, apenas uma minoria entre os detentos brasileiros tem a oportunidade de trabalhar. As oportunidades de educação e treinamento são escassas, oferecendo aos detentos poucas válvulas de escape construtivas para suas energias. Em algumas prisões, e especialmente nas delegacias policiais, até mesmo a recreação é limitada. A indolência e o tédio daí resultantes agravam as tensões entre os detentos e entre os detentos e os guardas.
Trabalho
De acordo com a LEP, todos os presos condenados devem trabalhar.(318)
É preciso notar, porém, que as obrigações legais com relação ao trabalho prisional são recíprocas: os detentos têm o direito de trabalhar e as autoridades carcerárias devem, portanto, fornecer aos detentos oportunidades de trabalho.(319) Apesar das determinações legais, entretanto, os estabelecimentos penais do país não oferecem oportunidades de trabalho suficientes para todos os presos. Embora a proporção de detentos que se dedicam a alguma forma de trabalho produtivo varie significativamente de prisão para prisão, apenas em algumas prisões femininas encontramos de fato oportunidades de trabalho abundantes. Para citar alguns exemplos representativos entre os estabelecimentos visitados pela Human Rights Watch: cerca de 15% da população carcerária na Penitenciária Raimundo Vidal Pessoa, em Manaus estavam empregados; cerca de 50 a 60% da população carcerária na Penitenciária Estadual de São Paulo estavam empregados; nenhum preso no Presídio de Segurança Máxima de João Pessoa estava empregado; cerca de 30 a 40 % da população carcerária do Penitenciária Regional de Campina Grande tinham emprego; cerca de 15% da população carcerária do Presídio Central de Natal estavam empregados, e cerca de 20% da população carcerária do Presídio Central de Porto Alegre tinham emprego.
A situação é pior ainda nas delegacias policiais. A única oportunidade de trabalho que elas oferecem é serviço de faxina. Apenas poucos detentos em cada carceragem trabalham nesse serviço, geralmente de dois a seis detentos, dependendo do tamanho da delegacia. Todos os outros detentos, condenados ou não, ficam ociosos.
Deve-se ressaltar que o reduzido número de detentos empregados é resultado da escassez de oportunidades de trabalho, e não de falta de interesse da parte dos detentos. Para começar, de acordo com a LEP o trabalho deveria ser obrigatório, e não opcional. Mas ainda mais convincente, na prática, é o incentivo criado pela própria lei para a redução de sentenças. De acordo com esse dispositivo legal, para cada três dias de trabalho, um dia deve ser debitado da sentença do detento. Ansiosos para sair da prisão o mais rápido possível, quase todos os detentos estão dispostos a trabalhar, mesmo sem receber. Na verdade, os detentos reclamaram muitas vezes da falta de oportunidades de trabalho. A escassez de trabalho nas carceragens das delegacias é uma das muitas razões pelas quais os detentos se revoltam para serem transferidos para as prisões.
O tipo de trabalho oferecido aos detentos varia da manutenção, limpeza e reparos - oferecidos na maioria das prisões - ao emprego em companhias particulares, que contratam detentos para produzir itens como pastas, caixas e cadernos. Algumas prisões têm oficinas controladas pela Fundação Nacional Penitenciária - FUNAP, o órgão nacional encarregado de gerir o trabalho prisional. Nessas oficinas, os presos trabalham em serviços de costura e carpintaria.
O salário dos detentos varia consideravelmente de prisão para prisão. A LEP determina que os detentos recebam três quartos do salário mínimo. De acordo com os índices em vigor, essa quantia seria de R$ 97,50 por mês.(320)
A Human Rights Watch encontrou poucas prisões que pagavam aos detentos uma quantia semelhante ou aproximada. Na verdade, algumas prisões não pagavam nada, violando assim as normas internacionais que regulam o trabalho prisional.(321)
Em diversos estabelecimentos penais, incluindo a Casa de Detenção e a Penitenciária Estadual de São Paulo, os detentos trabalham por peça e são pagos de acordo com sua produção. Os detentos que fazem cartões na Casa de Detenção, por exemplo, disseram-nos que recebem entre R$20 e R$25 por mês se trabalharem fazendo hora extra, e cerca de R$15 por mês se cumprirem o horário regular.(322)
Educação
O nível educacional geralmente baixo das pessoas que entram no sistema carcerário reduz seus atrativos para o mercado de trabalho. Isso sugere que programas educacionais podem ser um caminho importante para preparar os detentos para um retorno bem-sucedido à sociedade. Reconhecendo essa possibilidade, a LEP determina que os detentos recebam oportunidades de estudo, garantindo-lhes, em especial, educação escolar primária.(323)
A lei também promete aos detentos treinamento vocacional e profissional.(324)
Quanto mais superlotada, barulhenta e perigosa a prisão, é óbvio que menos estímulo à educação ela oferece. Algumas prisões de péssima reputação, tais como o Presídio do Róger, em João Pessoa, não oferecem aos detentos qualquer oportunidade educacional. Em outras prisões apenas uma fração da população carcerária pode estudar. Na Penitenciária Estadual de São Paulo, por exemplo, disseram-nos que por volta de 10 por cento dos detentos - cerca de 200 pessoas - estavam estudando em nível primário, enquanto que cerca de 5 por cento dos detentos da Casa de Detenção de São Paulo estariam estudando em nível primário ou secundário, assim como 8 por cento dos detentos da Penitenciária Raimundo Vidal Pessoa de Manaus. De maneira semelhante ao que acontece com a ausência de oportunidades de emprego, as delegacias policiais não oferecem aos detentos qualquer oportunidade de estudo.
Embora alguns professores sejam trazidos para a prisão especialmente para ensinar, a maioria das aulas é dada pelos próprios detentos, normalmente aqueles que têm maior nível educacional ou apresentam habilidades especiais. Na Penitenciária Raimundo Vidal Pessoa de Manaus, por exemplo, encontramos um detento colombiano que dava aulas de espanhol.
Durante nossas visitas, vimos diversas salas de aula vazias, mas poucas aulas de fato. Na Casa de Detenção, vimos uma aula de datilografia no pavilhão 6; o professor, um detento, disse-nos que cerca de setenta presos recebem aulas de datilografia de uma hora por dia durante seis meses.
Exercício e Recreação
Em uma linguagem um tanto inexata, a LEP determina "proporcionalidade" entre o tempo dedicado pelos detentos ao trabalho e o tempo dedicado ao descanso e à recreação.(325)
É claro que, já que a maioria dos presos passa pouco tempo trabalhando, conseqüentemente tem muito tempo disponível para se exercitar, jogar, relaxar ou dormir. O acesso dos detentos a instalações recreacionais, - em especial, a quadras e campos de futebol ao ar livre, de extensão razoável -, contudo, varia consideravelmente de prisão para prisão.
Algumas prisões têm pátios ou quadras ao ar livre, ao lado dos blocos de celas, e os presos passam o dia inteiro nesses locais. Em outras prisões, detentos de pavilhões ou galerias diferentes são levados para as áreas de recreação em turnos. Na Penitenciária Raimundo Vidal Pessoa, de Manaus, por exemplo, os presos de cada uma das quatro alas dispõem de uma hora e meia de recreação ao ar livre por dia, em um grande campo de futebol. No Presídio Central de Porto Alegre, os presos passam duas horas no pátio todos os dias. Na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas, os detentos ficam trancados em suas celas durante o dia inteiro, exceto pelas quatro horas diárias em que são soltos para se exercitarem no pátio. Esses estabelecimentos penais obedecem as Regras Mínimas, que determinam que os detentos tenham acesso a pelo menos uma hora por dia de exercício ao ar livre.(326)
Mas em muitas outras prisões - ou em certas seções de prisões - os presos têm oportunidades de exercício ao ar livre mais limitadas. Na Penitenciária Central João Chaves, em Natal, por exemplo, os presos podem ficar no pátio apenas duas horas de cada vez, duas vezes por semana. No Presídio de Segurança Máxima de João Pessoa - outro estabelecimento penal no qual os presos passam a maior parte do dia trancados em suas celas - os detentos dispõem de trinta a quarenta e cinco minutos de recreação ao ar livre por dia. Em geral, os presos das celas de isolamento, que por qualquer razão devem ser mantidos separados do resto da população carcerária, dispõem de oportunidades de exercício mais limitadas. Os detentos que vivem nas celas de triagem e na galeria B-3 do Presídio Central de Porto Alegre, por exemplo, recebem duas horas de sol uma vez por semana, e às vezes duas vezes por semana. A principal prisão de Brasília tem uma ala especial para detentos que tenham inimigos em outras áreas da prisão, cerca de quarenta pessoas que nunca podem ir ao pátio para se exercitar, e que saem ao ar livre apenas uma vez por semana.(327)
Essa situação é semelhante à dos presos "amarelos" da Casa de Detenção de São Paulo, que saem ao sol por duas hora uma vez por semana.
O exercício é praticamente impossível nas delegacias policiais. Muitas delas têm pátios vizinhos às celas, onde os presos ficam soltos durante o dia. Se as carceragens tivessem o pequeno número de presos para a qual foram planejadas, então algumas atividades recreacionais seriam possíveis, mas a superlotação eliminou essa opção. Em vez disso, para passar o tempo, os presos escutam rádio, cantam, jogam cartas e conversam. Como um detento nos disse, ressaltando a rotina diária de completa indolência, ele não tem "nada pra fazer o dia inteiro a não ser pensar em fugir".(328)
Tanto nas prisões como nas delegacias, a fuga através da televisão e das drogas é comum entre os presos. De fato, na Casa de Detenção de São Paulo, vimos presos fumando maconha nos corredores de celas. "As drogas fazem o tempo passar", explicou-nos um preso em um outro estabelecimento.(329)
Religião
Em obediência às normas internacionais, a LEP garante aos detentos o direito à liberdade de culto.(330) A maioria dos presos é pelo menos formalmente católica e, como mencionamos anteriormente, a Pastoral Carcerária tem representantes locais em todo o país que visitam prisões de forma regular, celebrando cerimônias religiosas e atendendo às necessidades religiosas dos presos. Denominações religiosas protestantes e afro-brasileiras também são comuns nas prisões. Com freqüência um grupo de presos religiosos de uma determinada denominação - especialmente evangélicos - vivem juntos em uma seção especial da prisão.
As prisões maiores freqüentemente têm uma ou mais igrejas. O pavilhão 2 da Casa de Detenção de São Paulo, por exemplo, tem quartos separados para sua igreja católica, um culto afro-brasileiro e duas igrejas protestantes. As delegacias, ao contrário, não têm espaço para a prática religiosa de seus presos.
XI. DETENTAS
No Brasil, como em outros lugares, a população carcerária feminina é pequena em comparação com a população carcerária masculina. As prisões, cadeias e carceragens brasileiras mantém em confinamento cerca de 8.510 detentas, constituindo algo em torno de quatro por cento da população carcerária total. A proporção entre as populações carcerárias masculina e feminina é aproximadamente a mesma encontrada em outros países da região.
Como seus equivalentes masculinos, muitas detentas sofrem com duras condições de prisão e com maus-tratos, incluindo a superlotação dos estabelecimentos penais, assistência médica e legal insuficiente e atendimento inadequado às necessidades básicas. No entanto, as detentas são geralmente poupadas de alguns dos piores aspectos das prisões masculinas. De uma maneira geral, as detentas tendem a ter maior acesso a oportunidades de trabalho, sofrem menos violência dos funcionários e dispõem de mais apoio material. Por outro lado, as detentas também enfrentam obstáculos específicos, especialmente a limitação das instalações recreacionais e a discriminação no que tange ao direito a visitas conjugais.
A população carcerária feminina, ainda mais do que a masculina, inclui uma alta proporção de detentas acusadas ou condenadas pelas leis brasileiras sobre drogas. De fato, nos estabelecimentos que visitamos, cerca de metade das detentas estava presa por crimes ligados às drogas, especialmente delitos de pequena gravidade.
Como era comum na América Latina, muitas das prisões femininas eram antes administradas por freiras. A Penitenciária Feminina de São Paulo, por exemplo, era administrada por uma ordem de freiras católicas até 1980. Atualmente, as prisões femininas tendem a ter funcionários de nível melhor do que as prisões masculinas, o que resulta em mais supervisão e assistência.
Infra-estrutura Física
Devido ao pequeno número de detentas em cada estado, as prisões femininas são estabelecimentos pequenos, nenhum dos quais chega a atingir o tamanho das prisões masculinas. A Penitenciária Feminina de São Paulo, por exemplo, a maior prisão feminina do país, tem quatro pavilhões principais com capacidade para 256 detentas, embora mantenha cerca de 400; a Casa de Detenção Feminina em Tatuapé, no estado de São Paulo, também mantém cerca de 200 detentas. A grande maioria das prisões femininas, contudo, têm menos de cem detentas. Muitas estão localizadas em prédios convertidos de outros usos - o Presídio Feminino de João Pessoa está localizado em um ex-convento, por exemplo - ou em pequenos anexos adjacentes às prisões masculinas.(331)
A maioria das prisões femininas está superlotada, embora em grau menor do que as prisões masculinas. Na Penitenciária Feminina de São Paulo, por exemplo, vimos duas mulheres vivendo em cada cela individual, e disseram-nos que três mulheres foram amontoadas em algumas celas durante reformas recentes. Poucas prisões femininas, como os estabelecimentos de Natal e Brasília, atendem sua capacidade ideal, ou estão abaixo dela.(332) A infra-estrutura física dos estabelecimentos femininos estavam em boas condições - muito melhores que os estabelecimentos masculinos - com pintura decente, banheiros com azulejos e pias e privadas funcionando.
Ao contrário das prisões masculinas, a maioria das prisões femininas não tinha áreas de exercício muito grandes. Muitas delas incluíam apenas pequenos pátios pavimentados. A Penitenciária Feminina de Natal, um dos piores nesse aspecto, tinha um pátio interno com plantas, entre dois corredores de celas, que quase não oferecia espaço de exercício às detentas.
O pior estabelecimento que a Human Rights Watch visitou, em termos das condições nas quais as mulheres viviam, foi o 3o Distrito Policial em São Paulo. Localizado em uma área chamada de "Crackolândia", devido às drogas vendidas e consumidas ali, a carceragem do distrito tinha numerosos viciados em drogas e, entre as detentas, prostitutas. O estabelecimento não dispunha de um anexo feminino; em seu lugar, as detentas se apinhavam em uma cela de triagem na entrada da área masculina. O dia em que visitamos o local, dez mulheres estavam trancadas em uma cela longa e estreita com aproximadamente cinco metros por um metro, sendo que o último meio metro era ocupado por um buraco no chão que servia de privada. Com uma lâmpada quebrada pendendo do teto, a cela não tinha luminosidade além da luz do sol que entrava pelas grades. Uma das detentas, grávida de cinco meses, reclamava que estava doente e sentia dores, mas os guardas a ignoravam. Ela tinha passado os últimos dez dias trancada na cela escura e lotada.
Tratamento Médico
Apesar das detentas geralmente necessitarem de mais cuidados médicos do que os detentos, a assistência médica é, com freqüência, extremamente deficiente nos estabelecimentos penais femininos. A Casa de Recuperação Feminina Bom Pastor, em João Pessoa, por exemplo, não tinha nem enfermaria nem médico; o tratamento médico era fornecido por uma enfermeira que ia ao estabelecimento três manhãs por semana. Lá, falamos com uma mulher que estava grávida de sete meses mas que nunca havia feito um exame médico pré-natal.
A Aids é uma ameaça séria à saúde das detentas; na verdade, estudos indicam que a doença atinge uma percentagem ainda mais alta de mulheres do que de homens encarcerados. Vinte por cento das detentas eram soropositivas.(333)
Supõe-se que uma alta proporção dessas mulheres havia contraído o HIV através de seringas compartilhadas, conclusão baseada na alta freqüência de uso de drogas entre essas pessoas.
Relações entre as Detentas
O número reduzido da população carcerária em cada estado significa que cada prisão feminina geralmente serve a uma área geográfica extensa. Devido a esse fato, cada estabelecimento reúne todos os tipos de detentas, sem separação por status legal ou histórico criminal, ou por qualquer outro critério. Dentro de cada prisão, da mesma forma, as detentas se misturam de forma bastante aleatória. Poucos estabelecimentos visitados pela Human Rights Watch separavam as mulheres de acordo com seu status legal: apenas a Penitenciária Feminina Madre Pelletier de Porto Alegre e o Penitenciária Feminina de Brasília. O estabelecimento de Porto Alegre tinha diversos pavilhões separando diferentes grupos de detentas, de forma a separar detentas que aguardavam julgamento de detentas já condenadas pela Justiça, por exemplo. O estabelecimento de Brasília, de maneira semelhante, tinha dois pavilhões diferentes: um para detentas condenadas que mantinham boa conduta, outro para detentas aguardando julgamento e detentas condenadas com problemas de comportamento.
Apesar da ausência de separação por categoria, relatos de violência entre as detentas são raros. "A briga aqui não termina nunca, só que é com palavra e não com armas," explicou-nos uma mulher, num comentário típico.(334)
A única prisão na qual as detentas descreveram uma atmosfera de perigo foi o pavilhão feminino da Penitenciária Central João Chaves, em Natal, na qual a Human Rights Watch encontrou três mulheres vivendo em duas minúsculas celas em uma área de isolamento, separadas da população carcerária geral. Essas mulheres, que viviam isoladas por escolha própria, alegaram estar temendo por suas vidas. Uma delas tinha sido esfaqueada treze vezes pelas companheiras dentro da prisão, passou três dias no hospital e tinha cicatrizes terríveis no peito. Outra delas disse-nos: "Tem um pequeno grupo que manda aqui. Elas batem nas outras, mandam matar e controlam o tráfico de drogas".(335)
Disciplina, Punição e Tratamento pelos Guardas
Obedecendo às normas internacionais, a LEP estipula que as detentas devem ser supervisionadas por guardas mulheres.(336) Na prática, algumas prisões femininas empregam tanto guardas masculinos como femininos, embora normalmente imponham restrições sobre as áreas nas quais os guardas masculinos possam entrar, proibindo, por exemplo, os homens de entrarem nas áreas onde vivem as detentas ou nos banheiros. Detentas em diversos estabelecimentos contaram-nos, não obstante, que guardas masculinos freqüentemente entravam nessas áreas; em um estabelecimento elas chegaram mesmo a dizer que relações sexuais entre os guardas e as detentas já ocorreram no passado.(337)
A Human Rights Watch recebeu muito menos queixas de violência praticada por funcionários nos estabelecimentos femininos do que nos masculinos. Espancamentos eram raros na maioria dos estabelecimentos - com os incidentes mais sérios envolvendo policiais de fora, em vez dos funcionários das prisões - e mesmo a sanção de isolamento em celas separadas não era usada com freqüência (de fato, o Presídio Feminino de Manaus não tinha nem mesmo uma cela de punição). "Eles nunca batem na gente", disse-nos uma detenta de Natal. "Uns dois anos atrás, tinha uma agente que nos batia de vez em quando, mas ela foi demitida".(338)
Em geral, as relações entre prisioneiros e guardas nas prisões femininas eram muito mais cordiais e amigáveis do que nos estabelecimentos masculinos, registrando-se em alguns casos afeição genuína.
Algumas mulheres no Presídio Feminino de João Pessoa tinham um incidente terrível para contar. Uma nova detenta trancada em uma cela de triagem pediu a uma amiga que estava do lado de fora para emprestar-lhe um isqueiro. Já que ela era proibida de fumar na cela, um guarda masculino que ouviu o pedido enfureceu-se e trouxe-a para uma cela disciplinar no final do corredor. "Ele me deu um chute na barriga; eu caí e ele me pegou e estrangulou com uma toalha de banho. Eu tentei gritar. As meninas da cela coletiva me ouviram, ficaram assustadas e gritaram. 'Não bate nela.' Então, ele me soltou".(339)
A mulher passou duas horas algemada e depois dezoito dias presa na cela disciplinar.
Algumas mulheres em João Pessoa também reclamaram conosco sobre agressões verbais, especialmente partindo dos guardas masculinos. "Eles nos humilham e nos insultam. Chamam a gente de 'vaca, puta, macaca, bandida, desgraçada, cara de diaba.'" Reclamações semelhantes foram trazidas por mulheres na Penitenciária Feminina de São Paulo, onde as detentas disseram-nos que os guardas masculinos referem-se a elas de vez em quando como "prostitutas". Na Penitenciária Feminina de Manaus, detentas disseram-nos que guardas masculinos entraram diversas vezes para agredir verbalmente e fisicamente uma presa doente mental.
Um relatório de 1997 sobre mulheres presas na Casa de Detenção de Tatuapé, em São Paulo, narrava problemas semelhantes com guardas masculinos. Em particular, o relatório afirmava que a delegação recebera quinze queixas de espancamento e maus tratos dentro da instituição. Todas elas identificavam o mesmo guarda, afirmando que ele agia de forma violenta e arrogante e pediam para não serem identificadas porque temiam represálias.(340)
Rebeliões e Protestos
Rebeliões e protestos são relativamente pouco freqüentes nas prisões femininas. As autoridades carcerárias de alguns estabelecimentos, tais como as prisões femininas de Manaus e Natal, afirmaram que tais incidentes nunca ocorrem. Como ocorre nas prisões masculinas, porém, quando as revoltas acontecem de fato, são quase sempre reprimidas violentamente.
Na tarde do dia 12 de janeiro de 1997, policiais civis e militares espancaram brutalmente cerca de oitenta e cinco detentas na cadeia pública de Santa Rosa de Viterbo, em São Paulo. As mulheres faziam um protesto, barulhento porém pacífico, contra a recusa das autoridades em permitir que uma mulher comparecesse ao funeral de seu neto. As detentas gritavam e batucavam em embalagens de plástico. Em vez de resolver o problema verbalmente, o delegado invadiu a cadeia com cerca de quatorze homens. Armados de cabos de vassoura e cassetetes, os policiais bateram em quase todas as mulheres, trinta das quais de forma especialmente severa.
As mulheres fotografaram secretamente seus ferimentos e, através de visitantes, as fotos chegaram à Pastoral Carcerária, que relatou os espancamentos à Ouvidoria da Polícia de São Paulo. Depois de uma extensa investigação, o Ouvidor não encontrou qualquer evidência em apoio às afirmações dos policiais de que as mulheres haviam incendiado os colchões e provocado a invasão, concluindo que "não houve uma rebelião e sim um espancamento injustificado".(341) O relatório formal do Ouvidor sobre o incidente recomendou que os policiais fossem punidos tanto criminal como administrativamente.(342)
Até janeiro de 1998, contudo, as punições foram bastante leves.(343)
Ao mesmo tempo, doze detentas foram processadas pela prática de motim.(344)
A Penitenciária Feminina de São Paulo foi cenário de diversas rebeliões em 1997, durante um período em que estava superlotada ao extremo. Na primeira rebelião, ocorrida em fevereiro, um grupo de mulheres que queria transferência para prisões menos cheias tomou dois guardas como reféns. Uma detenta descreveu como o incidente foi debelado:
As mulheres com os reféns estavam no pavilão quatro. Uns oito caras da tropa de choque vieram com umas barras de ferro e bateram na gente. Eles começaram no pavilhão quatro e de lá foram para o três e o dois. Todos eles eram de fora ou guardas [homens] que faziam a segurança externa. Eles não foram no pavilhão um. As agentes femininas saíram correndo, elas abandonaram os pavilhões. A gente podia ver os homens chegando e ouvir os gritos. Uns homens estavam fardados e outros de calça de brim. A gente correu para as celas, cinco ou seis de nós em cada cela. Eles chegaram com as barras de ferro na mão, fizeram um corredor polonês e umas mulheres tiveram que passar por ele.(345)
Muitas mulheres ficaram feridas durante a invasão e a perna de uma delas foi quebrada. A maioria das mulheres feridas foi transferida para outras prisões; algumas foram mandadas para um manicômio.
Uma segunda rebelião aconteceu em 17 de julho do mesmo ano. Essa começou espontaneamente.
Uma garota se queimou uma manhã depois de apanhar da polícia, quando ela foi presa em uma cela de castigo (cela forte) no segundo andar do pavilhão um. Ela colocou fogo no colchão e eles demoraram um pouco até ir tirar ela de lá, por isto ela se queimou muito. A pele estava saindo fora. Ela estava gritando e todo mundo viu. A rebelião começou à tarde. Todo mundo estava revoltado com o que aconteceu. A diretora vendo como a gente estava perguntou se a gente não estava revoltada por falta de droga, como se todo mundo fosse viciada. Isso incendiou a gente. Começamos a gritar pra diretora, ela saiu e começaram a quebrar as oficinas.(346)
Tropas de choque reuniram-se na entrada principal mas não invadiram a prisão. Em vez disso, dois juizes vieram e falaram com duas representantes das detentas e a rebelião cessou. Após a revolta, as autoridades carcerárias retiraram as televisões dos pavilhões do térreo e mudou o horário de trancamento das celas de 21:30 para 18:00. Um grupo de cerca de dez detentas foi transferido; dezesseis outras detentas, supostamente líderes da revolta, algumas das quais afirmaram para a Human Rights Watch que estavam sendo pegas como bode expiatório injustamente, foram confinadas por trinta dias em celas em uma área conhecida como "atrás do muro", no segundo andar do primeiro pavilhão. Durante todo esse tempo, elas não foram levadas ao ar livre e não puderam assistir televisão nem ouvir rádio. "A gente só tinha cinco minutos para tomar uma ducha com seis guardas, homens, nos vigiando".(347) Elas foram levadas então a uma área vizinha chamada de "em frente ao muro", onde ficaram detidas por mais noventa dias de "tratamento psicológico", que envolveu vinte e três horas por dia de confinamento nas celas e sessões ocasionais de terapia em grupo.
Logo depois que as mulheres foram transferidas para a área em frente ao muro um grupo de guardas, principalmente masculinos, realizaram uma "blitz" em suas celas. Uma mulher nos contou:
Tinham dois caras que estavam bêbados. Um deles deu um tapa no rosto da Irene e cuspiu nela, chamando ela de puta por que ela se queixou. Depois, quebraram as coisas dela. O mesmo cara quis bater na Cristina, mas uma agente não deixou".(348)
Laços de Família
Manter contato com suas famílias é uma questão crucial para as detentas. Quase todas elas têm filhos, dentro ou fora da prisão, assim como maridos e companheiros, além de outros parentes e amigos. Essas mulheres têm medo de perder a custódia de seus filhos, de que seus parceiros as abandonem, e de que suas famílias e amigos as esqueçam. Talvez ainda mais do que os detentos, as detentas enfrentam sérios obstáculos para preservar suas conexões sociais.
Para começar, algumas detentas são rejeitadas por suas famílias e recebem poucas ou nenhuma visita, talvez devido ao tradicional estigma atribuído às mulheres que são presas. No 18o DP, por exemplo, uma das oito carceragens de polícia na cidade de São Paulo que dispõem de instalações femininas, o delegado assistente nos disse que aproximadamente vinte - ou mais de um terço - dentre as cinqüenta e oito detentas não recebiam visitas.(349)
Além disso, as regras de visitação e as condições de vários estabelecimentos para mulheres deixam muito a desejar. Na Penitenciária Feminina de São Paulo, em especial, as mulheres podem receber apenas algumas horas de visita por semana, em uma área lotada e barulhenta.(350)
As áreas de visitação da Casa de Recuperação Feminina Bom Pastor, em João Pessoa eram extremamente bem cuidadas e simpáticas, com árvores e bancos, mas as mulheres reclamaram que era demasiado pequena para acomodar quase setenta visitantes que vêm todos os domingos. As detentas do 18o DP, em São Paulo podiam receber apenas uma visita semanal, de duas horas de duração, todas as quartas-feiras.
A Constituição de 1988 determina que as detentas fiquem com seus bebês durante todo o período de amamentação.(351)
Para implementar essa norma, a LEP declara que cada prisão feminina deve ser equipada com um berçário onde as mães possam amamentar seus filhos.(352)
Muitas prisões femininas obedecem essas regras, mas não todas. Na Penitenciária Feminina de Manaus, os bebês só podem ficar com suas mães por uma semana após o nascimento já que o estabelecimento é demasiado superlotado para que eles possam ficar mais tempo. Uma situação ainda pior ocorre no 18o DP de São Paulo, onde as mulheres não podem ficar com seus filhos nem mesmo durante a primeira semana de vida, mas devem entregá-los no hospital. Falamos com duas mães que deram à luz menos de um mês e meio antes de nossas visitas: ambas tinham visto seus filhos apenas uma vez desde o parto.(353)
Alguns estabelecimentos, por outro lado, têm regras mais flexíveis para mães detentas, permitindo que fiquem com seus filhos durante vários anos. A Penitenciária Feminina Madre Pelletier de Porto Alegre é um desses estabelecimento: abrigava doze crianças, desde bebês até crianças de cinco anos de idade à época em que visitamos o local.
Visitas Conjugais
As políticas de visitação conjugal de muitos estados discriminam as detentas. Enquanto os detentos tendem a receber livremente essas visitas, com pouco ou nenhum controle sendo exercido pelas autoridades estatais, as detentas às vezes não podem recebê-las ou recebem-nas sob condições extremamente restritas.
São Paulo é um dos estados que não permite a visita conjugal às detentas, embora o faça com relação aos detentos. Quando a Human Rights Watch visitou a Penitenciária Feminina de São Paulo em novembro de 1997, disseram-nos que um projeto instituindo essas visitas estava a caminho, embora as autoridades carcerárias não pudessem dizer quando ele teria início.(354)
A maioria das prisões femininas permite visitas conjugais às mulheres que obedeçam a uma série de requisitos. Na Penitenciária Feminina Madre Pelletier de Porto Alegre, por exemplo, as detentas deveriam ter boa conduta e um relacionamento estável com um homem, além de passar por uma série de exames médicos (para HIV e doenças sexualmente transmissíveis). Além disso, tanto a detenta como seu parceiro deveriam ser entrevistadas por um assistente social.
As visitas conjugais só foram instituídas na prisão feminina de João Pessoa em dezembro de 1997, uma semana antes da visita da Human Rights Watch. "Para evitar a promiscuidade", o diretor da prisão tinha imposto uma série de requisitos para as visitas conjugais, limitando-as às mulheres que eram casadas ou tinham "companheiros estáveis", e histórico de boa conduta.(355)
Depois de convencer o Juiz de Execução Penal local da eficácia desses requisitos, a diretora conseguiu uma ordem judicial permitindo as visitas.
Por causa de restrições como essas, o número de mulheres que recebem de fato visitas conjugais é baixo. Na Penitenciária Feminina Madre Pelletier, em Porto Alegre, apenas nove dentre as 146 detentas podiam receber tais visitas; na Casa de Recuperação Feminina Bom Pastor, em João Pessoa, apenas cinco dentre 65 detentas podiam recebê-las; na prisão de Manaus, seis dentre sessenta e oito. (A exceção nesse aspecto era o pavilhão feminino na Penitenciária Central João Chaves, em Natal, onde praticamente todas as detentas podiam receber visitas conjugais.)
Em geral, o tratamento dramaticamente diferente de mulheres e homens no que concerne à concessão dessas visitas constitui uma discriminação com base no sexo, proibida pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e pela Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, ambos ratificados pelo Brasil.(356) A recusa tradicional de visitas conjugais a detentas reflete a dificuldade historicamente maior da sociedade em reconhecer ou lidar de forma confortável com a sexualidade feminina e as atuais regras de visitação utilizadas por muitos estado continuam a reforçar esses estereótipos sexistas. Mesmo quando as autoridades carcerárias não interferem com o comportamento possivelmente promíscuo dos detentos, nem tomam medidas para evitar a propagação de doenças sexualmente transmitidas em prisões masculinas, ainda assim só permitem às detentas atividade sexual monogâmica rigidamente controlada e apenas para algumas mulheres cuidadosamente selecionadas.
Nem mesmo a possibilidade de que as detentas possam engravidar obscurece a discriminação. A gravidez como condição é inerente e indissociável do fato de ser mulher. Tendo como alvo uma condição que só as mulheres podem experimentar, a discriminação com base na gravidez é em si mesma uma forma de discriminação de gênero. Na verdade, nas ocasiões em que a discriminação com base na gravidez tem sido examinada à luz das normas internacionais de direitos humanos, os órgãos encarregados desse exame têm repetidamente classificado essa forma de discriminação como uma forma de discriminação sexual.(357)
Em pelo menos uma jurisdição, deve-se ressaltar, os pedidos de visitas conjugais de detentos e detentas são regulados pelas mesmas normas. Brasília restringe as visitas conjugais de detentos e detentas a seus cônjuges ou companheiros estáveis (condicionadas a provas de que o casal já havia vivido junto) e determina que ambos os parceiros sejam testados para HIV e doenças venéreas.(358)
Disseram-nos que o estado do Rio de Janeiro impõe os mesmos requisitos para visitas conjugais de detentos e detentas, mas não pudemos confirmar essa afirmação.
Trabalho, Educação e Outras Atividades
Em geral, as detentas têm mais acesso ao trabalho do que os detentos. Na maioria das prisões femininas que a Human Rights Watch visitou, a grande maioria das detentas estava empregada. Na Penitenciária Feminina de São Paulo, por exemplo, 340 dentre 388 detentas estavam empregadas, sendo 288 em oficinas, confeccionando itens como cadernos, cartões e roupas íntimas, enquanto as demais faziam serviços de faxina dentro da prisão. Todas as detentas da Penitenciária Feminina de Manaus, exceto uma, estavam empregadas quando visitamos o estabelecimento em dezembro de 1997, principalmente confeccionando produtos de artesanato, tais como bonecas. Até julho de 1997, quase todas as detentas da Casa de Detenção Feminina, em Tatuapé, também em São Paulo, tinham oportunidade de trabalhar.(359) O salário das mulheres também tende a ser muito melhor, já que as detentas geralmente recebem ao menos o salário mínimo estipulado pela LEP.
Oportunidades educacionais, profissionalizantes e culturais são menos freqüentes mas ainda assim, mais acessíveis do que nas instituições masculinas. Além das disciplinas básicas, são oferecidas aulas de arte, dança e música em algumas das penitenciárias. Mulheres do pavilhão feminino da Penitenciária Central João Chaves, em Natal, disseram, contudo, que as aulas começam mas nunca vão além das duas primeiras sessões, assim impossibilitando a obtenção de um diploma em qualquer área.
1. Ver, por exemplo, Human Rights Watch, Brutalidade Policial Urbana no Brasil (Nova Iorque: Human Rights Watch, 1997).
2. Alba Zaluar, "The Drug Trade, Crime and Policies of Repression in Brazil", Dialectical Anthropology, vol. 20, 1995, p. 96.
3. Túlio Kahn, "Índice de Criminalidade", Revista do Ilanud, No. 2, 1997.
4. O Brasil funciona basicamente como uma rota de passagem: a cocaína produzida na Colômbia, Bolívia e Peru entra no Brasil por terra, pelo ar e pelos rios; é então enviada através dos maiores centros como Rio de Janeiro e São Paulo para mercados consumidores na Europa e nos Estados Unidos. Existe ainda um importante mercado interno para cocaína, composto principalmente pelas classes média e alta urbanas, e por turistas.
5. United States Department of State, Bureau for International Narcotics and Law Enforcement Affairs, "International Narcotics Control Strategy Report", março de 1995, p. 73.
6. Como escrevemos no relatório "Brasil: Violência x Violência: Abusos aos Direitos Humanos e Criminalidade no Rio de Janeiro", Human Rights Watch, Vol. 8, No. 2(B), janeiro de 1996, p. 48:
De acordo com as leis nos. 7.960/89 e 8.072/90, um juiz pode decretar a prisão preventiva de um cidadão por até trinta dias se existirem "fundadas razões" que indiquem envolvimento com os chamados crimes hediondos, entre os quais figura o tráfico de drogas. Nos termos da citada lei, a prisão temporária se justifica como medida de auxílio na investigação policial em curso. Inexistindo uma investigação policial prévia, um mandado judicial de prisão temporária não deveria ser expedido.. . . Na prática, no entanto, diversas pessoas foram detidas durante a Operação Rio e permaneceram presas por trinta dias sem que fossem indiciadas num inquérito.
7. Entrevista à Human Rights Watch, Darci Sassi, 16o Distrito Policial de São Paulo, 19 de novembro de 1997.
8. Devemos notar, todavia, que o diretor do Ministério Público, que estava presente durante parte do incidente, nos disse que o mais falante dos três promotores públicos fora na verdade suspenso de suas atribuições um mês antes. Em outras palavras, ele não poderia atuar oficialmente. Entrevista à Human Rights Watch, Gilberto Sarmento, Presídio do Róger, João Pessoa, Paraíba, 11 de dezembro de 1997.
9. Quatro meses depois de sermos impedidos de entrar no presídio do Róger, pesquisadores da Anistia Internacional que também tentavam visitar o estabelecimento depararam-se com semelhante recusa de acesso. Dado o número de mortes ocorridas nesse presídio no ano passado, a consistente negativa dos pedidos de fiscalização externa por parte das autoridades é bastante preocupante.
10. A seguintes fontes foram de importância particular: Ministério da Justiça, Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Censo penitenciário de 1995 (Brasília: Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, 1997); Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, A fraternidade e os encarcerados: Cristo liberta de todas as prisões (São Paulo: Editora Salesiana Dom Bosco, 1997); Deputado Wagner Lino, Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre os Estabelecimentos Prisionais do Estado de São Paulo (São Paulo: Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, 1996); e Julio Fabbrini Mirabete, Execução penal: comentários à Lei 7.210, de 11-7-84 (São Paulo: Atlas, 1997).
11. A Constituição de 1988, de forma semelhante, determina que, "ninguém será submetido à tortura nem tratamento desumano ou degradante." Constituição de 1988, art. 5, sec. 3.
12. Convenção Americana, art.5(6); Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, art. 10(3) ("O regime penitenciário consistirá em um tratamento cujo objetivo principal seja a reforma e reabilitação moral dos prisioneiros.").
13. Convenção Americana, art. 5(2); segundo o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, art. 10(1) ("Toda pessoa privada de sua liberdade deve ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana".).
14. Ver, por exemplo, A decisão do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas no caso Mukong vs. Cameroon, o qual cita várias violações das Regras Mínimas ao decidir que o denunciante foi sujeito a tratamento cruel, desumano e degradante. Mukong v. Cameroon (No. 458/1991) (10 de agosto, 1994), U.N. Doc. CCPR/C/51/D/458/1991.
15. Princípios Básicos, art. 5. (Tradução nossa)
16. Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, General Comment 21, para. 3. (Tradução nossa). O Comitê de Direitos Humanos, um órgão de especialistas sobre o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, fornece interpretações oficiais do pacto através de uma emissão periódica de Comentários Gerais.
17. Ibid., para. 4; ver também Mukong v. Cameroon (No. 458/1991) (10 de agosto de 1994), ONU Doc. CCPR/C/51/D/458/1991 (determinando os quesitos mínimos quanto ao espaço, condições sanitárias, provisionamento de comida, etc., que devem ser observados, "mesmo se considerações econômicas ou orçamentárias possam tornar difícil o cumprimento dessas obrigações"). (Tradução nossa).
18. Pastoral Carcerária, "Situação Atual dos Presos no Brasil," Junho de 1998, p. 1.
19. Apenas em onze países - os Estados Unidos, China, Rússia, Brasil, Índia, Irã, México, Ruanda, África do Sul, Tailândia e Ucrânia--sabe-se que mais de 100.000 presos são mantidos encarcerados. (Cada um dos três primeiros países desta lista, de fato, encarcera mais de um milhão de pessoas.) No entanto, é difícil obter informações precisas exatas sobre o número de presos em alguns países; Cuba é um exemplo.
20. Os índices de encarceramento no Chile, Colômbia, México, Venezuela e os Estados Unidos para 1997 foram de 173, 110, 108, 113 e 645 presos por 100.000 habitantes, respectivamente.
21. Constituição de 1988, art. 5, sec. XLIX. Dando eco a essas preocupações, o Código Penal Brasileiro determina que aos presos "serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei", e que impõe às autoridades a obrigação de respeitar "a integridade física e moral dos [presos]". Código Penal, art. 38.
22. Constituição do Estado de São Paulo, art. 143, sec. 4 (sobre política prisional).
23. Mirabete, Execução Penal, p. 34. Nesse primeiro artigo, a lei articula o objetivo de facilitar as "condições para a harmônica integração social" dos presos. Lei de Execução Penal, art. 1.
24. Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Resolução No. 14, de 11 de novembro de 1994.
25. Ministério da Justiça, Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Regras mínimas para o tratamento do preso no Brasil (Brasília: Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, 1995), p. 9 (citação do então Ministro da Justiça Nelson Azevedo Jobim).
26. Nem todos os tipos de estabelecimentos são enumerados pela Lei de Execuções Penais, mas são todas bastante comuns. Outros estabelecimentos penais menos comuns que são mencionados na LEP incluem as colônias agrícolas ou industriais, os centros de observação, as casas do albergado e os hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico.
27. Censo Penitenciário de 1995, tabela XXI, p. 46.
28. Igualmente notável é o alto índice de encarceramento de São Paulo--cerca de 199 presos por 100.000 habitantes--superior ao índice da maioria dos países da região.
29. Censo Penitenciário de 1995, tabela I, p. 17.
30. A ampla maioria dos países ocidentais--inclusive Bolívia, Chile, Colômbia, Peru e Venezuela--centralizaram seus sistemas prisionais sob a autoridade do Ministro da Justiça ou, menos comum, o Ministro do Interior. Argentina, Brasil, Canadá, México e os Estados Unidos são exceções notáveis à predominância desse modelo.
No entanto, os sistemas penais brasileiro e americano não são precisamente paralelos em sua estrutura. O sistema brasileiro baseia-se no Código Penal de forma que todos os estados implementam a mesma lei criminal, enquanto nos Estados Unidos cada estado tem seu próprio código penal. Além do amplo espectro dos crimes estaduais, os Estados Unidos também criminalizaram certas atividades sob a lei federal, estabelecendo, dessa forma, um sistema prisional federal, além dos sistemas prisionais separados de cada um dos cinqüenta estados, para manter os presos condenados por esses crimes.
31. A Constituição de 1988 permite que os estados adotem suas próprias legislações suplementares, mas apenas poucos estados tem procedido dessa maneira. Constituição de 1988, art. 24, sec. 2. Minas Gerais, que adotou uma lei prisional estadual em 1994, é uma das exceções. A Lei Estadual n. 11.404, de 25 de janeiro de 1994. Fomos informados por agentes carcerários na Paraíba que legislação semelhante teria sido aprovada no estado em 1988, mas eles não foram capazes de providenciar uma cópia da legislação. Entrevista à Human Rights Watch, Adalberto Targino, Secretário da Cidadania e Justiça, João Pessoa, Paraíba, 9 de dezembro de 1997. O estado do Rio Grande do Sul aprovou um conjunto de regulamentações administrativas sobre o gerenciamento dos presídios em 1992. Regimento da Disciplina Prisional do Estado do Rio Grande do Sul, 12 de dezembro de 1992.
32. Ver Censo Penitenciário de 1995, tabelas XVIII, XXII e XVIII, pp. 42-48.
33. Segundo a Lei de Execução Penal, cadeias deveriam ser administradas pela autoridades prisionais do estado para presos provisórios. Lei de Execução Penal, art. 102. Ainda assim, secretarias estaduais de segurança pública também comumente denominam certos estabelecimentos sob sua jurisdição como cadeias, particularmente as maiores. No estado de São Paulo, por exemplo, a maior parte dos estabelecimentos penais localizados fora da capital, que são administrados pela Secretaria de Segurança Pública, é denominada de cadeia. Para simplificação, exceto quando maiores especificidades são exigidas, este relatório normalmente fará referência aos estabelecimentos sob o controle do sistema prisional estadual como presídios e os estabelecimentos sob o controle das secretarias de segurança pública como delegacias.
34. Lei de Execução Penal, art. 73.
35. Lei de Execução Penal, art. 66.
36. Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros, regra 55; Reforma Penal Internacional, Making Standards Work (The Hague: Reforma Penal Internacional, 1995), pp. 161-65.
37. Lei de Execução Penal, art. 64, sec. VIII; art. 66, inciso VII; art. 68, para. único; art. 70, inciso II; art. 72, inciso 11; art. 81, sec. 1.
38. A Penitenciária Feminina, em São Paulo--com suas quase 400 presas é a maior penitenciária para mulheres no país--apresenta um bom exemplo desse problema. Notamos pelo livro de registros que não houve inspeção judicial entre setembro de 1992 e em janeiro de 1997, sendo que no ano de 1997 ocorreram três dessas inspeções. Durante aproximadamente o mesmo período, entre outubro de 1991 e maio de 1996, nenhum promotor público sequer visitou e tampouco havia indicação de visita por parte de outros órgãos de fiscalização. (Além dos livros de registro, a diretora confirmou verbalmente essas datas). Entrevista à Human Rights Watch, Penitenciária Feminina, São Paulo, 25 de novembro de 1997.
39. Comissão Parlamentar de Inquérito para, no prazo de 120 dias, apurar diversas denúncias que envolvem o sistema penitenciário do Estado, Relatório Final (Belo Horizonte, Minas Gerais: Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, 1997), p. 29 (referido neste como "Relatório da CPI do cárcere em Minas Gerais, 1997").
40. Entrevista à Human Rights Watch, coordenador do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Brasília, 18 de dezembro de 1997. O exemplo de Minas Gerais é instrutivo:
[O] Patronato e o Conselho de Comunidade não estão apresentando os resultados que os legisladores esperavam . . . . Na quase totalidade das comarcas eles sequer existem . . . . Segundo o Juiz de Execuções Penais em Belo Horizonte, esse conselho não funciona porque "...numa cidade do porte de Belo Horizonte, evidentemente, demandaria uma série de requisitos e um esforço muito grande, principalmente porque vamos lidar com uma área que a ninguém interessa, salvo raríssimas exceções. . . A nossa sociedade discrimina o condenado . . . . "
Relatório da CPI do cárcere de Minas Gerais, 1997, p. 35.
41. O Conselho divulgou que entre abril e junho de 1998 estaria inspecionando todas as prisões brasileiras. "Ministério vê injustiça", Folha de S. Paulo, 17 de março de 1998. Devido à falta de recursos, esses planos sofreram consideráveis retrocessos. Os presídios de três estados--Amazonas, Amapá e Roraima--foram visitados como parte de uma missão nacional de inspeção, enquanto no começo do ano, o Conselho visitou sete pisões no estado do Pará. Todos os quatros estados mencionados têm pequenas populações carcerárias (de fato, Roraima tinha, até maio de 1998, apenas 203 presos em todo o estado). O Conselho lançou seu relatório baseado nessas inspeções em julho de 1998.
42. Lei de Execução Penal, art. 66, para. VIII. Juizes exercitam em algumas ocasiões seus poderes para fechar estabelecimentos. Duas das piores cadeias de São Paulo foram fechadas, assim como duas alas da Cadeia Pública de Boa Vista, Roraima.
43. Entrevista à Human Rights Watch, Juiz Marco Antônio Scarpini, Porto Alegre, 1o de dezembro de 1997.
44. Ver, e.g., Ricardo Amorim e Fabiana Melo, "Superlotação faz juiz libertar presos no DF", Folha de S. Paulo, 23 de agosto de 1997.
45. Entrevista à Human Rights Watch, Juiz George Lopes Leite, Brasília, 19 de dezembro de 1997.
46. "Juiz manda esvaziar a carceragem de delegacia", O Globo (Rio de Janeiro), 4 de julho de 1997.
47. Entrevista à Human Rights Watch, Pedro Wilson Guimarães, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Brasília, 18 de dezembro de 1997.
48. Comissão de Cidadania e Direitos Humanos, Assembléia Legislativa, Rio Grande do Sul, Relatório Azul: Garantias e Violações dos Direitos Humanos no Rio Grande do Sul, 1996 (Porto Alegre, Rio Grande do Sul: Assembléia Legislativa, 1997), pp. 154, 183-218, 382-84.
49. Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito Constituída com a Finalidade de Apurar os Fatos Ocorridos no Pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo, no dia 2 de outubro de 1992; "Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI sobre o Sistema Penitenciário Nacional", Revista do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Vol. 1, No. 4, julho/dezembro. 1994, p. 11; Deputado Wagner Lino, Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre os Estabelecimentos Prisionais do Estado de São Paulo (São Paulo: Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, 1996); Relatório da CPI do cárcere em Minas Gerais, 1997.
50. Pastoral Carcerária, "Situação atual dos presos no Brasil", junho de 1998, p. 6.
51. Ver, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, A fraternidade e os encarcerados: Cristo liberta de todas as prisões (São Paulo: Editora Salesiana Dom Bosco, 1997), pp. 13-16.
52. Adelson Barbosa, "OAB pede nomes de acusados de massacre", Folha de S. Paulo, 21 de agosto de 1997.
53. Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos no Brasil (Washington, D.C.: Organização dos Estados Americanos, 1994), capítulo XI, p. 6.
54. Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos no Brasil (Washington, D.C.: Organização dos Estados Americanos, 1997).
55. Censo Penitenciário de 1995, tabela IX, p. 29; Censo Penitenciário de 1994, pp. 37, 43-44, 63.
56. Censo Penitenciário de 1995, tabelas XII e XIII, pp. 33-34.
57. "Perfil dos presos no Brasil", Folha de S. Paulo, 20 de março de 1998 (baseado no Censo Penitenciário de 1997); ver também ILANUD, "Sistema penitenciário: mudanças de perfil dos anos 50 aos 90", Revista do ILANUD, No. 6 (1997), pp. 12-14 (observando que, segundo o os dados do Censo de 1991, os pretos correspondiam a 3,6% da população de residentes em, São Paulo mas 16% da população carcerária).
58. Ministério da Justiça, Departamento Penitenciário Nacional, Estimativa do "Déficit" de Vagas do Sistema Penitenciário do Brasil, dezembro de 1987.
59. Censo Penitenciário de 1997.
60. Muito embora alguns países tenham estabelecido normas nacionais sobre o assunto, não existem normas objetivas e universais estabelecendo o espaço necessário para cada preso. As normas internacionais existentes, tais como as Regras Mínimas, simplesmente estabelecem que seja fornecido aos presos espaço suficiente compatível com sua saúde e dignidade humana. Complicando qualquer esforço do cálculo do espaço mínimo exigido está o fato de dada metragem de espaço adequado à vida varia segundo uma série de fatores, inclusive a quantidade de tempo que os presos passam fora de suas celas, circulação de ar, etc. Normas culturais sobre privacidade podem também ser relevantes. Sem especificações numéricas rígidas, no entanto, a estimativa da capacidade prisional é extremamente maleável. Ver, por exemplo, "Ohio 'Eases' Prison Overcrowding," Prison Legal News, Vol. 7, No. 11 (novembro de 1996) (descrevendo como o sistema prisional do estado norte-americano do Ohio modificou suas regras de espaço mínimo, dessa forma inflando sua capacidade instalada e "diminuindo" a superlotação). De fato, a Human Rights Watch inspecionou alguns estabelecimentos no Brasil cujas capacidades, conforme divulgada pelos respectivos diretores, era claramente exagerada. A LEP determina que as celas individuais sejam de pelo menos seis metros quadrados. Violando a lei, no entanto, a maioria dos presos divide dormitórios; mesmo aqueles nas chamadas celas individuais, quase sempre dividem as mesmas com um ou mais detentos.
61. "Perfil dos presos . . . " Folha de S. Paulo, 20 de março de 1998.
62. Censo Penitenciário de 1994, p. 64.
63. "Brasília está sem vaga nas prisões e policiais nas ruas", O Globo, 11 de fevereiro de 1998.
64. Entrevista à Human Rights Watch, Julita Lemgruber, Rio de Janeiro, 30 de dezembro de 1997.
65. Segundo o censo mais recente, aproximadamente 40% dos presos não receberam uma sentença definitiva, mas este dado inclui alguns presos que foram condenados em primeira instância e estão recorrendo das sentenças. "Presos sem condenação somam quase 40%", Folha de S. Paulo, 20 de março de 1998. Novamente, a proporção varia em muito de estado para estado. No Amazonas, onde o sistema de justiça é particularmente sobrecarregado, mais de dois terços dos presos confinados no principal presídio masculino nos finais de 1996 era de não-condenados. "Situação da penitenciária masculina", Em Tempo (Manaus), 10 de novembro de 1996.
66. Ver também Comentário Geral No. 8 do Comitê de Direitos Humanos sobre o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, Art. 9 (6a. Sess. 1982), U.N. Doc. A/40/40 (determinando que a detenção antes do julgamento deve ser uma exceção e o mais breve possível).
67. Hugo van Alphen v. the Netherlands (No. 305/1988) (23 de julho de 1990), Anais Oficiais da Assembléia Geral, Quadragésima-quinta seção, Suplemento No.40 (A/45/40), vol. II., anex. IX, sect. M., para. 5.8. (Tradução nossa).
68. Lei dos Crimes Hediondos, art. 2(II).
69. "Presos sem condenação . . . "
70. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, art. 9(3); Convenção Americana, art. 7(5).
71. Em Dermit vs. Uruguai, 71 I.L.R. 354 (1982), o Comitê de Direitos Humanos considerou a demora de dois anos entre a prisão e o julgamento uma violação às provisões do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. Em Fillastre vs. Bolívia (No. 336/1988) (6 de novembro de 1991), U.N. Doc. CCPR/C/43/D/336/1988 (1991), o Comitê reconhece violações porque o processo judicial que demorou quatro anos não chegara a um veredicto. Ver também Giménez vs. Argentina (No. 11.245) (1 de março de 1996) (OEA/Ser.L/V/II.91) (Comissão Interamericana considera uma violação do direito a um julgamento num período razoável uma vez que o acusado permaneceu detido por mais de cinco anos aguardando julgamento).
72. Lei de Execução Penal, art. 112 (determinando que a pena privativa de liberdade "será executada de forma progressiva, com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e seu mérito indicar a progressão").
73. "Brasil tem 11 mil presos com direito ao semi-aberto", Folha de S. Paulo, 4 de maio de 1998.
74. Como explicou o vice-presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, os atrasos no deferimento dos benefícios [da progressão da pena] é um dos motivos principais das rebeliões nos presídios juntamente com a superlotação. Ibid.
75. Relatório Final da CPI sobre os Estabelecimentos Prisionais do Estado de São Paulo, 1996, pp. 14 e 28.
76. Ver, por exemplo, Julita Lemgruber, "A Necessidade da Aplicação e Ampliação das Alternativas à Pena Privativa de Liberdade", Revista do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, vol. 1, no. 5, janeiro/junho 1995; Lemgruber, "Os Riscos do Uso Indiscriminado da Pena Privativa de Liberdade", Revista do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, vol. 1, no. 7, janeiro/junho 1996; Nelson A. Jobim, "Penas Alternativas: Pontos para Reflexão", Revista do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, vol. 1, no. 7, janeiro/junho 1996; Heitor Piedade Júnior, "Reflexões sobre o Fracasso da Pena de Prisão", Revista do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, vol. 1, no. 6, julho/dezembro 1995; Hans-Dieter Schwind, Ivette Senise Ferreira e João Benedicto de Azevedo Marques, Penas Alternativas (São Paulo: Fundação Konrad-Adenauer Stiftung, 1996).
77. Ver João Benedicto de Azevedo Marques, "Penas alternativas: um novo caminho", Folha de S. Paulo, 5 de janeiro de 1998.
78. Lei de Execução Penal, arts. 147-170.
79. Censo Penitenciário de 1995, tabela XXIV, p. 50.
80. Benedicto, "Penas alternativas . . . "
81. Entrevista à Human Rights Watch, Oscar Vieira, Instituto Latinoamericano para a Prevenção do Delito, São Paulo, 26 de novembro de 1997.
82. Entrevista à Human Rights Watch, Julita Lemgruber, Rio de Janeiro, 30 de dezembro de 1997. O Censo Penitenciário de 1995, no entanto, aponta o estado de Santa Catarina como o primeiro a usar dessas penas e Minas Gerais, o segundo. Censo Penitenciário de 1995, tabela XXIV, p. 50.
83. A lei foi aprovada pela Câmara dos Deputados em julho de 1997.
84. André Lozano, "Iris defende pena alternativa", Folha de S. Paulo, 24 de outubro de 1997.
85. Lei de Execução Penal, art. 126.
86. "Comissão propõe redução de pena para quem estuda", O Globo, 27 de março de 1998.
87. Lei de Execução Penal, art. 131; Código Penal, art. 83 (listando os requerimentos). Presos estrangeiros não se qualificam para o livramento condicional porque não podem cumprir o restante de suas penas brasileiras (que ainda valem até mesmo depois de seus livramentos) num outro país. Ouvimos várias queixas de presos estrangeiros a respeito dessa norma, que pode mantê-los na prisão por duas vezes mais tempo do que brasileiros que tenham cometido o mesmo crime.
88. Entrevista à Human Rights Watch, São Paulo, 25 de novembro de 1997. A diretora disse que uma mulher ainda aguardava os resultados da solicitação preenchida em março de 1996.
89. Entrevista à Human Rights Watch, coordenador do Conselho Nacional de Políticas Criminais e Penitenciárias, Brasília, 18 de dezembro de 1997.
90. Entrevista à Human Rights Watch, São Paulo, 18 de novembro de 1997.
91. Entrevista à Human Rights Watch, Carlos César Rodrigues, São Paulo, 24 de novembro de 1997.
92. "Líderes explicam os motivos da rebelião", A Crítica (Manaus), 9 de julho de 1997.
93. Ver Mirabete, Execução Penal, pp. 414-23.
94. Censo de 1995, tabela XXIII; decreto no. 1.645, de setembro de 1995.
95. Decreto no. 1.860, de 11 de abril de 1996, que concede indulto especial e dá outras providências; "Indultan en Brasil a entre 15 mil y 18 mil reos del órden común", La Jornada (Cidade do México), 13 de abril de 1996.
96. Rodrigo França Taves, "Governo vai indultar três mil presos nos 50 anos da Declaração dos Direitos Humanos", O Globo, 12 de março de 1998.
97. Em 1994, por exemplo, o governo federal distribuiu apenas quatro milhões de reais (aproximadamente US$3,6 milhões) para a construção de novos presídios, enquanto em 1997 a quantia correspondente subiu para R$ 110 milhões (aproximadamente US$97,9 milhões). "País deve ganhar 44 novos presídios," Folha de S. Paulo, 25 de maio de 1997.
98. Ver Daniela Falção, "Ministério promete 10 presídios para SP", Folha de S. Paulo, 21 de fevereiro de 1997; "País deve ganhar 44 novos presídios", Folha de S. Paulo, 25 de maio de 1997; "Brazil to build new prisons to ease overcrowding", CNN World News, 3 de junho de 1997.
99. Em dois outros estados que a Human Rights Watch visitou, o Amazonas e o Rio Grande do Norte, financiamento federal estava sendo aplicado na construção de novas prisões, embora o futuro presídio do Amazonas não seja grande o suficiente para remediar o atual déficit da capacidade prisional.
100. Fax de Cláudio Tucci, Secretário Adjunto da Secretaria da Administração Penitenciária do estado de São Paulo, à Human Rights Watch, 30 de outubro de 1998. Dessas vinte e uma novas prisões, nove foram financiadas com 80% de recursos federais e 20% recursos do estado. As outras 12 foram financiadas apenas com recursos do estado. Entrevista à Human Rights Watch, João Benedicto de Azevedo Marques, Secretário da Administração Penitenciária do estado de São Paulo, São Paulo, 26 de novembro de 1997. O estado também declara que fechará a famosa Casa de Detenção, transferindo milhares de presos para novos estabelecimentos.
101. "Ministério vê injustiça", Folha de S. Paulo, 17 de março de 1998. Financiamento federal para construção de novos presídios se dá através do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), criado para esse propósito em 1994. Administrado pelo Departamento Nacional de Presídios do Ministério da Justiça, o Funpen é financiado através das taxas judiciais e lucros lotéricos. Jobim, "Penas Alternativas . . .", pp. 17-18.
102. Entrevista à Human Rights Watch, Juiz Marco Antônio Scapini, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 1o de dezembro de 1997. Em agosto de 1995, o Secretário de Justiça e Segurança Pública, José Fernando Eichenberg, teria dito que ele garantia que o Presídio Central de Porto Alegre seria fechado no ano seguinte e que novos presídios estavam sendo construídos. "Presídio está parcialmente liberado", Correio do Povo (Porto Alegre), 7 de agosto de 1995. O presídio ainda estava funcionando em dezembro de 1997, quando a Human Rights Watch o visitou, mas uma de suas alas fora interditada por falta de condições mínimas de uso.
103. No fim de outubro de 1998, um total de 32.478 detentos estavam em estabelecimentos penais sob a custódia da Secretaria de Segurança Pública. Fax de Luís Antônio Alvez de Souza, Secretário Adjunto de Segurança Pública, à Human Rights Watch, 30 de outubro de 1998. Aproximandamente 3.000 presos, no entanto, tinham sido transferidos aos recém-inaugurados presídios e esperava-se que mais 11.000 transferências fossem efetuadas nos próximos meses. Apesar disso, entre 15.000 e 20.000 presos ficariam sob custódia das autoridades policiais.
104. Relatório da CPI do cárcere em Minas Gerais, 1997, p. 36.
105. Ver, Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, art. 10(2)(a); Convenção Americana, art. 5(4).
106. Entrevista à Human Rights Watch, Darcy Sassi, São Paulo, 19 de novembro de 1997.
107. Entrevista à Human Rights Watch, Luiz Antônio Alves de Souza, Secretário Adjunto, Secretaria de Estado dos Negócios da Segurança Pública, São Paulo, 8 de janeiro de 1998; Relatório da CPI do cárcere de Minas Gerais, p. 36; Entrevista à Human Rights Watch, juiz Georges Lopes Leite, Brasília, 18 de dezembro de 1997. A Human Rights Watch não dispõe de dados amplos sobre o assunto no estado do Rio de Janeiro, estado com a segunda maior população carcerária do país, mas observações informais sugerem que as proporções são igualmente inaceitáveis. Ver, por exemplo, Célia Costa, "Uma fuga que já era esperada", O Globo, 19 de maio de 1998 (ressaltando que dos 356 presos confinados em uma delegacia, noventa, ou 25% do total, eram condenados).
108. Americas Watch (agora Divisão das Américas da Human Rights Watch), Police Abuse in Brazil: Summary Executions and Torture in São Paulo and Rio de Janeiro (Nova Iorque: Human Rights Watch, novembro de 1987), p. 9.
109. Ver, Human Rights Watch/Americas, Brutalidade Policial Urbana no Brasil, pp. 30-32; Human Rights Watch/Americas, "Violência x Violência: Violações aos Direitos Humanos Criminalidade no Rio de Janeiro", Human Rights Watch Short Report, vol. 8, no. 2(B) janeiro de 1996; Americas Watch, "Os Massacres da Candelária e Vigário Geral: A Necessidade Urgente do Brasil Controlar sua Polícia", A Human Rights Watch Short Report, vol. 5, no. 11, novembro de 1993; Human Rights Watch/Americas, Final Justice: Police and Death Squad Homicides of Adolescents in Brazil (Nova Iorque: Human Rights Watch, fevereiro de 1994); Americas Watch e o Centro de Estudos da Violência, "Urban Police Violence in Brazil: Torture and Police Killings in São Paulo and Rio de Janeiro after Five Years", A Human Rights Watch Short Report, vol. 5, no. 5, maio de 1993.
110. Entrevista à Human Rights Watch, Penitenciária Desembargador Raimundo Vidal Pessoa, Manaus, Amazonas, 16 de dezembro de 1997.
111. Entrevistas à Human Rights Watch, Depatri, São Paulo, 24 de novembro de 1997.
112. Coordenadoria de Direitos Humanos e Cidadania, Prefeitura de Belo Horizonte, Dossiê Violência Policial, Minas Gerais (Belo Horizonte, março de 1996), p. 3.
113. Entrevista à Human Rights Watch, membros da Coordenadoria de Direitos Humanos e Cidadania, Prefeitura de Belo Horizonte, 28 de março de 1996.
114. Até abril de 1997, quando a tortura foi tipificada, casos de tortura eram normalmente processados como lesão corporal ou abuso de autoridade. Em casos envolvendo crianças e adolescentes, no entanto, a acusação podia valer-se do Estatuto da Criança e do Adolescente que tipifica a tortura quando cometida contra crianças e adolescentes com menos de dezoito anos. Ver, Lei No. 8.069/90, art. 233. A Promotoria de Direitos Humanos do Ministério Público utilizou essa provisão para condenar seis policiais civis envolvidos na tortura de um adolescente, em 13 de abril de 1993. Ver Sentença, Apelação Criminal No. 54.187/0, Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 30 de agosto de 1996.
115. Promotoria de Defesa dos Direitos Humanos em Belo Horizonte "Denúncias contra policiais militares e civis em 1994, e 1996", Belo Horizonte, 3 de fevereiro de 1997. Como alguns policiais são objeto de mais de uma denúncia, o número de policiais contra os quais as denúncias têm sido feitas é menor do que os dados sugerem. Apesar dos crimes cometidos por policiais militares serem normalmente processados na Justiça Militar, as denúncias de abuso de autoridade, que não existem no Código Penal Militar, podem ser oferecidas à Justiça Comum.
116. Relatório da CPI do cárcere em Minas Gerais, 1997, p. 92. A Human Rights Watch assistiu à fita de vídeo da CPI e também falou com alguns presos que descreveram a igrejinha na DEOESP nos mesmos termos.
117. Entrevista à Human Rights Watch, Belo Horizonte, Minas Gerais, 12 de março de 1998.
118. Entrevista à Human Rights Watch, Penitenciária Nelson Hungria, Nova Contagem, Minas Gerais, 18 de março de 1998.
119. Durante a visita da Delegacia de Furtos e Roubos, em março de 1998, o diretor no Brasil da Human Rights Watch, James Cavallaro, entrou numa cela que correspondia às descrições de vários presos sobre o local. Logo após ter entrado na cela, um guarda, visivelmente irritado, insistiu que ele saísse da sala, fechando a porta logo em seguida.
120. Entrevista à Human Rights Watch, Penitenciária Nelson Hungria, Nova Contagem, Minas Gerais, 18 de março de 1998.
121. Ouvidoria de Polícia, Relatório Anual de Prestação de Contas da Ouvidoria da Polícia, São Paulo, 1996, p. 98.
122. Relatório da CPI do cárcere em Minas Gerais, 1997, p. 45. Em abril de 1997, a capacidade instalada (sem incluir as celas danificadas) era de 3.008 vagas, mas apenas 2.308 presos eram mantidos ali. Ibid., p. 47.
123. Entrevista à Human Rights Watch, Luiz Antônio Alves, 8 de janeiro de 1998.
124. Ibid.
125. Entrevista à Human Rights Watch, Flávio Hebron, Natal, Rio Grande do Norte, 13 de dezembro de 1997.
126. "Rebeliões bateram recorde em SP no ano passado", Folha de S. Paulo, 17 de março de 1998 (citando estatísticas fornecida pela Secretaria de Segurança Pública).
127. Adriana Bruno, "'Presos vivem como bichos', diz diretor", Folha de S. Paulo, 22 de fevereiro de 1997.
128. "Presos do 64º DP fazem motim", Folha de S. Paulo, 12 de julho de 1997. Até 20 de novembro de 1997, o distrito mantinha setenta e quatro presos. Estatísticas sobre os Distritos Policiais e Cadeias de São Paulo, p. 2.
129. Entrevista à Human Rights Watch, Ivanete Oliveira Velloso, delegada do 9o Distrito Policial, São Paulo, 24 de novembro de 1997.
130. Entrevista à Human Rights Watch, Luiz Antônio Alves, 8 de janeiro de 1998.
131. Entrevista à Human Rights Watch, Juiz Marco Antônio Scapini, 1o de dezembro de 1997.
132. Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, "Relatório Circunstanciado da visita da Inspeção feita em Estabelecimentos Penais nos Estados do Amazonas, Amapá e Roraima", 7 de julho de 1998.
133. Como explicou um especialista em arquitetura prisional: "Embora não se saiba se uma prisão pequena possa dar certo, uma prisão grande com certeza será um fracasso." Norman Johnson, The Human Cage (Nova Iorque: Walker and Co., 1973). (Tradução nossa). Concordando com essa afirmativa, o Secretário de Administração Penitenciária de São Paulo nos revelou que ele acreditava firmemente no uso de pequenos presídios--que os grandes presídios "não funcionam." Entrevista à Human Rights Watch, João Benedicto de Azevedo Marques, São Paulo, 26 de novembro de 1997. Com isso em mente, ele tem construído muitas prisões de porte médio no estado, a maioria das quais tem capacidade para 792 a 852 presos, ao invés de uns poucos estabelecimentos enormes.
134. Regras Mínimas, art. 63 (3).
135. Com a inauguração de várias prisões em São Paulo nos últimos meses de 1998, aproximadamente três mil presos foram transferidos da Casa de Detenção para os novos estabelecimentos. Em compensação, quase o mesmo número de presos foi transferido das delegacias para a Casa de Detenção de tal forma que a mudança na população desta instituição foi mínima. Fax de Luíz Antônio Alves de Souza, Secretário Adjunto de Segurança Pública à Human Rights Watch, 30 de outubro de 1998.
136. Lei de Execução Penal, art. 88, para. único, (b).
137. Entrevista à Human Rights Watch, Ricardo Arantes Cestari, delegado assistente 78o Distrito Policial, São Paulo, 19 de novembro de 1997. Estatísticas dos distritos policiais e cadeias de São Paulo, p. 3.
138. Entrevista à Human Rights Watch, Itaúna, Minas Gerais, 14 de março de 1998.
139. Entrevista à Human Rights Watch, Humberto de Sá Garay, diretor de operações, Presídio Central, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 1o de dezembro de 1997.
140. Ver, Carta dos presos nas celas de medida preventiva de segurança e de isolamento dentro do setor dos "amarelos", São Paulo, 15 de junho de 1998.
141. Entrevista à Human Rights Watch, 28 de novembro de 1997.
142. "Calor de 50 graus mata 2 presos em delegacias do Rio", O Globo, 6 de fevereiro de 1998.
143. Regras Mínimas, art. 19.
144. O sistema prisional de Brasília é uma exceção onde os presos recebem colchões, lençóis e uma coberta. Entrevista à Human Rights Watch, vários presos, Centro de Internação e Reeducação, Complexo Penitenciário, Brasília, 18 de dezembro de 1997.
145. Artigo 20(1) das Regras Mínimas determina os quesitos básicos para alimentação em prisões: "A administração fornecerá a cada preso, em horas determinadas, uma alimentação de boa qualidade, bem preparada e servida, cujo valor nutritivo seja suficiente para a manutenção da saúde e das suas forças."
146. Entrevista à Human Rights Watch, Walter Erwin Hoffgen, diretor, Casa de Detenção, São Paulo, 28 de novembro de 1997.
147. As Regras Mínimas determinam que as instalações sanitárias deverão ser "adequadas para que os presos possam satisfazer suas necessidades naturais no momento oportuno, de um modo limpo e decente"; que "as instalações de banho deverão ser adequadas" para permitir que todos os presos tomem banho "a uma temperatura adaptada ao clima, tão frequentemente quanto necessário à higiene geral . . . mas pelo menos uma vez por semana"; e que todas as dependências utilizadas pelos presos sejam "mantidos e conservados escrupulosamente limpos." Regras Mínimas, arts. 12-14.
148. Lei de Execução Penal, art. 11.
149. Relatório da CPI de 1996, p. 15.
150. Entrevista à Human Rights Watch, São Paulo, 28 de novembro de 1997.
151. Arquidiocese de Manaus, Perfil dos Encarcerados do Manaus, fevereiro de 1997.
152. Aureliana Biancarelli, "Cadeias do país são campeãs de Aids", Folha de S. Paulo, 11 de agosto de 1997.
153. Relatório da CPI de 1996, p. 16.
154. "Cadeias do país . . . "
155. "Contaminação pelo HIV atinge 20% dos presos", Correio da Paraíba (João Pessoa), 1o de dezembro de 1997; ver também Relatório da CPI de 1996, p. 17 (afirmando que 18.51% dos presos em São Paulo eram portadores do vírus HIV, e de até 25% entre os presos de delegacias). Os livros de registro que a Human Rights Watch examinou na Casa de Detenção demonstravam que quinze dos setenta e oito dos exames de HIV feitos em setembro de 1997 tiveram resultados positivos, ou seja, 19% dos presos examinados tinham o vírus. No Rio de Janeiro, um estudo conduzido pelo departamento penitenciário (Desipe), em meados de 1997, revelou que cerca de 5% dos 13.000 presos do estado eram portadores do vírus HIV. Ao comentar a metodologia usada, no entanto, um especialista afirmou que provavelmente até 12% dos presos poderiam ser portadores do vírus. "Estudo revela que vírus da Aids atinge 5% dos presos do Rio", O Globo, 9 de dezembro de 1997.
156. Regras das Normas Mínimas, arts. 22-26.
157. Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, "Relatório Circunstanciado da Visita da Inspeção . . . " (citando o relatório penitenciário oficial). (formatação nossa)
158. Entrevistas à Human Rights Watch, Penitenciária Nelson Hungria, Nova Contagem, Minas Gerais, 18 de março de 1998; Presídio Central de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 1o de dezembro de 1997; Casa de Detenção, São Paulo, 5 de janeiro de 1998.
159. Carta, Dr. Haley Nunes da Silva, diretor do Departamento de Saúde da Penitenciária Estadual ao diretor da Penitenciária do Estado, 10 de abril de 1997.
160. Entrevista à Human Rights Watch, 17a. Distrito Policial, São Paulo, 26 de novembro de 1997.
161. Entrevista à Human Rights Watch, São Paulo, 24 de novembro de 1997. O Delegado confirmou que o preso tinha sido levado ao hospital, onde veio a falecer. Ele também disse que solicitara que o serviço público de saúde visitasse o estabelecimento, pedido que nunca foi atendido.
162. Ibid.
163. Ver WHO (OMS) Guidelines on HIV Infection and Aids in Prisons (1993), Guidelines 27-28; U.N. (ONU) Guidelines on HIV/AIDS and Human Rights, U.N. Doc. E/CN.4/1997/37 (1997), Guideline 4(e).
164. Em São Paulo, supostamente está disponível aos presos em estágios avançados da doença ou doenças graves e incuráveis. Dr. Benedito Roberto Garcia Pozzer e Dr. Sérgio Mazina Martins, "Termo de Correição Ordinária", 16 de junho de 1997.
165. Ibid.
166. Entrevista à Human Rights Watch, Julita Lemgruber, Rio de Janeiro, 30 de dezembro de 1997. O estabelecimento de tratamento da Aids é o Hospital Penitenciário de Niterói.
167. "Estudo revela que . . . "
168. Entrevista à Human Rights Watch, Tenente André Córdova, Charqueadas, 2 de dezembro de 1997.
169. Aqui estão alguns trechos ilustrativos das cartas dos presos publicadas no jornal:
Gostaria de falar sobre as doenças respiratórias, que afligem grande parte da massa carcerária, a tosse nas galerias é como uma sinfonia. Gostaria de saber se temos direito, a xarope ou remédios do tipo, gostaria também de pedir em nome de todos da 2B que sofrem de doenças, mais atenção por parte das autoridades responsáveis neste assunto. Todo apenado tem direito a saúde e vi vários colegas com febre e sérios problemas sem atendimento nenhum.
[C]onvivo com vários portadores, e vejo o sofrimento de todos os que convivem com a doença, o tratamento médico do sistema penitenciário não é competente para a quantidade de portadores do vírus. O meu apelo é que dêem mais apoio aos portadores, pois eles precisam de medicação que o Hospital Penitenciário não têm condições de fornecê-las e assim ficam esquecidos pela sociedade e governo, condenados à Morte Lenta.
O Arpão, Nos. 5 e 6, novembro de 1997, pp. 2-3. (Adaptação nossa)
170. Ver WHO (OMS) Guidelines on HIV Infection and AIDS in Prisons, Guideline 10; U.N. (ONU) Guidelines on HIV/AIDS and Human Rights, Guideline 4(e).
171. Seus discursos públicos indicam que as autoridades conseguiram um importante avanço desde 1988, quando a Human Rights Watch notou que "parece não haver uma política em relação ao problema da Aids nas prisões que nós visitamos e algumas autoridades tendem a menosprezá-lo." Prison Conditions in Brazil, p. 30. (Tradução nossa)
172. "Rio lança cartilha que ensina presos e parentes a se prevenirem contra a Aids", O Globo, 29 de agosto de 1997.
173. Pesquisadores da Human Rights Watch viram fotos dessas escaras, algumas delas eram como perfurações.
174. Carta de presos a Pastoral Carcerária, 17 de março de 1997.
175. Relatório Resumido da Visita de Inspeção Feita por Parlamentares e ONG's aos Paraplégicos na Penitenciária do Estado-Carandiru, 27 de março de 1997, pp. 2-3. O Departamento de Saúde confirmou que um preso atingindo por bala em 1993 "deveria retornar para cirurgia, o que nunca ocorreu e o mesmo está há 4 anos com a bala nas costas e sempre com dores. Teria sido informado . . . de que, se operado, poderia se recuperar." Maria Antonieta de Castro Sá Gonçalves, Departamento de Saúde, "Relatório: Visita ao Hospital Auxiliar (Anexo) da Penitenciário do Estado, Situação dos Presos Paraplégicos", 9 de abril de 1997.
176. Carta do Padre Francisco Reardon ao Dr. Ivo de Almeida, Juiz de Execução Penal e Presídios, 8 de janeiro de 1997. A Human Rights Watch encontrou um preso paraplégico na Casa de Detenção em condição semelhante: ele não recebia medicamentos ou tratamento de fisioterapia e sua família, e não o estado, tinha que pagar pela sua cadeira de rodas. Apesar da recomendação médica para o tratamento, ele não foi levado pelas autoridades prisionais ao hospital por falta de viaturas. Entrevista à Human Rights Watch, São Paulo, 28 de novembro de 1997.
177. Praticamente os únicos promotores que a Human Rights Watch encontrou durante sua pesquisa sobre a condição carcerária no Brasil foram os três do Presídio do Róger em João Pessoa, que lutaram para impedir a nossa inspeção àquele estabelecimento.
178. Entrevista à Human Rights Watch, Carlos César Rodrigues, Depatri, São Paulo, 24 de novembro de 1997.
179. Entrevista com a Human Rights Watch, Brasília, 18 de dezembro de 1997.
180. LEP, arts. 5, 82, 83, e 84; Regras Mínimas Para o Tratamento de Prisioneiros, art. 8.
181. A Human Rights Watch encontrou adolescentes em duas prisões destinadas aos presos adultos, mas nestes casos eles estariam sendo mantidos lá por ocasiões bastante excepcionais. Na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas, no Rio Grande do Sul, seis menores estavam temporariamente presos na área de detenção, no início de dezembro de 1997, juntamente com outros quatro detentos menores de vinte e um anos. O grupo tinha sido recentemente transferido de um centro de detenção juvenil, danificado por uma rebelião de internos. A área onde eles estavam sendo mantidos era separada da parte principal da prisão e eles não tinham contato com os presos adultos; entretanto eles não dispunham de um local para realizar exercícios ou apanhar sol. No Presídio Central de Manaus encontramos um prisioneiro de dezesseis anos que passou vários dias em uma área de triagem na frente da prisão porque foi preso portando documentos de identidade com idade falsa. Ele estava dividindo a cela com diversos adultos.
182. O Censo Penitenciário de 1994, por exemplo, verificou que 14.46% dos internos não estavam condenados (e o status legal de outros 4.6% era desconhecido). Censo Penitenciário de 1994, pp. 16-17.
183. Censo Penitenciário de 1995, quadro XIX, p. 43. De modo similar, em meados de 1997, as autoridades carcerárias de São Paulo anunciaram que o estado tinha aproximadamente 8.000 guardas para 34.675 presos, ou uma média de 4.3 presos por guarda. Rodrigo Vergara, "Número de presos em SP cresce 8% em 96", Folha de S. Paulo, 13 de maio de 1997.
184. Em grande parte dos estados visitados pela Human Rights Watch os guardas trabalhavam em turnos de 24 horas e então tinham 72 horas de descanso. Em alguns estados os guardas trabalhavam em turnos de doze horas, seguidos de um descanso de trinta e seis ou setenta e duas horas.
185. Entrevista à Human Rights Watch, São Paulo, 28 de novembro de 1997.
186. Entrevista à Human Rights Watch, Francisco da Silva Viera, diretor do Centro de Internação e Reeducação, Complexo Penitenciário, Brasília, 18 de dezembro de 1997.
187. Entrevista à Human Rights Watch, São Paulo, 27 de novembro de 1997.
188. Entrevista à Human Rights Watch, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 4 de dezembro de 1997.
189. "Rebelião termina com seis mortes", Folha de S. Paulo, 22 de junho de 1995.
190. Entrevista à Human Rights Watch, Penitenciária Raimundo Vidal Pessoa, Manaus, Amazonas, 16 de dezembro de 1997.
191. Entrevista à Human Rights Watch, Carlos César Rodrigues, Delegado do Depatri, São Paulo, 24 de novembro de 1998.
192. "Revista na Detenção acha 250 estiletes", Folha de S. Paulo, 7 de março de 1997.
193. Entrevista à Human Rights Watch, Capitão Pacheco, Charqueadas, Rio Grande do Sul, 3 de dezembro de 1997.
194. "22 Inmates Dead in Brazil after Fight between Gangs",( "22 presos mortos no Brasil após briga de gangues"), Seattle Times, 31 de maio de 1998.
195. Entrevista à Human Rights Watch, presidiário, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 4 de dezembro de 1997.
196. Diz-se haver uns trinta e três internos assumidamente homossexuias ou transexuais. Alguns deles adotaram, de modo estereotipado, atributos tipicamente "femininos" (tais como laços de cabelo e sobrancelhas retiradas); alguns estavam notadamente tomando hormônios e desenvolveram seios, mas mesmo os estereótipos mais "masculinos" referiam-se entre eles como "ela".
197. Entrevista à Human Rights Watch, São Paulo, 5 de janeiro de 1998.
198. Ibid.
199. "4 Prisoners Die in Brazil Rebellion" ("4 Prisioneiros morrem em rebelião no Brasil") Associated Press, 1o de março de 1998; Fernanda da Escóssia, "Fuga de cadeia mata 1 e fere 3", Folha de S. Paulo, 19 de julho de 1997; "Presidiários fazem 2 reféns e matam detento no Carandiru", Folha de S. Paulo, 30 de maio de 1997; Vagner Magalhães, "Cadeia superlotada transfere presos", Folha de S. Paulo, 26 de março de 1997; "Briga entre presos deixa três mortos", Folha de S. Paulo, 10 de fevereiro de 1997.
200. Entrevista à Human Rights Watch, Casa de Detenção, São Paulo, 28 de novembro de 1997.
201. Ibid.
202. Entrevista à Human Rights Watch, presidiário, Presídio Central de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 1o de dezembro de 1997.
203. Entrevista à Human Rights Watch, Manaus, Amazonas, 16 de dezembro de 1997.
204. Censo Penitenciário de 1994, p. 55.
205. Quase todas as penitenciárias masculinas visitadas pela Human Rights Watch informaram ao menos uma morte desse tipo no ano anterior; algumas informaram várias destas mortes. (A única exceção foi na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas, onde os prisioneiros são mantidos em celas individuais e seus movimentos são rigorosamente vigiados.) Uma vez que o Brasil tem mais de 500 prisões, estes números sugerem que ocorrem bem mais que 500 homicídios entre os presos a cada ano.
206. Entrevista à Human Rights Watch, São Paulo, 5 de janeiro de 1998.
207. Entrevista à Human Rights Watch, João Pessoa, Paraíba, 10 de dezembro de 1997.
208. Ver, por exemplo, "Acaba rebelião de 42 horas", Folha de S. Paulo, 14 de maio de 1997. (rebelião na qual vinte e cinco presos de segurança foram tomados como reféns, dois deles acabando mortos); Fausto Siqueira, "Rebelião mata 4 e fere 9 na Praia Grande", Folha de S. Paulo, 4 de novembro de 1996 (rebelião na qual quatro prisioneiros de segurança foram mortos).
209. Entrevista à Human Rights Watch, presidiários, São Paulo, 22 de novembro de 1997.
210. Os sete detentos mortos pela polícia na sequência da tentativa de fuga de fevereiro de 1998, descrita abaixo, não estão contabilizados neste quadro; quando incluídos, o número de prisioneiros mortos no período de um ano totaliza dezessete.
211. A cafua consiste em quatro celas, três das quais medindo aproximadamente dois por três metros. Nenhuma das três celas menores tem acesso direto à luz natural ou instalações sanitárias. (ver discussão a seguir)
212. Hospital Santa Catarina, registro de atendimento ao paciente n o 145.038/97 (anexado à carta n o 096/97-SEC, de Dr. Sebastião Paulino da Costa, diretor do Hospital Santa Catarina, para Francisco Batista de Vasconcelos, Promotor da Promotoria de Direitos Humanos, Natal, Rio Grande do Norte, 11 de novembro de 1998).
213. Carta N o 016/97Centro de Direitos Humanos, gabinete do promotor estadual, do Promotor Francisco Batista de Vasoncelos para Cel. Sebastião Saraiva, Natal, Rio Grande do Norte, 29 de agosto de 1997.
214. "Encontrada uma Bomba na Penitenciária", Diário de Natal, 30 de setembro de 1997.
215. Como mencionado acima, a Human Rights Watch visitou a cafua durante a pesquisa na Penitenciária Central João Chaves em dezembro de 1997 e documentou as pavorosas condições destas celas.
216. O diretor da prisão Sebastião Saraiva falou ao Diário de Natal que oito prisioneiros, sob investigação, e acusados de planejar uma fuga, estavam sendo mantidos na cafua. "Diretor Nega Tortura e Diz Tratar Bem os Presos", Diário de Natal, 4 de outubro de 1997.
217. Ibid.
218. Declaração de Paulo Luiz de Almeida ao Ministério Público estadual, 27o distrito de Natal, Natal, Rio Grande do Norte, 14 de outubro de 1997.
219. Ver em geral, Human Rights Watch/Americas, Brutalidade Policial Urbana no Brasil.
220. Regras Mínimas, art. 46(1).
221. É difícil especificar a natureza exata da Polícia Militar. Antes de 1988, a Polícia Militar estava diretamente subordinada às Forças Armadas; nesse ano, ela foi colocada sob controle civil, estando subordinada aos governadores. Alguns remanescentes do status militar destas polícias, contudo, persistem, o mais problemático sendo a existência de um sistema separado de Justiça Militar, competente para julgar os crimes alegadamente cometidos por policiais militares. A competência continuada do sistema de Justiça Militar, com suas Cortes diferenciadas e normas processuais distintas da Justiça Comum, é um fator significante a encorajar a impunidade nos abusos cometidos por policiais. (Ver discussão adiante.)
222. Entrevista à Human Rights Watch, Flávio Hebron, Secretário Adjunto do Interior, Justiça e Cidadania, Natal, Rio Grande do Norte, 13 de dezembro de 1997. De modo similar, o relatório de 1988 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária afirmava que a Polícia Civil no Rio Grande do Norte trabalhava nas prisões, e que a Polícia Militar estava ocupada com a segurança externa, enquanto em 1995 um relatório da Pastoral Carcerária afirmava que todos os trabalhos da prisão "são realizados pelas Polícias Civil e Militar, sem qualquer distinção." Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, O Sistema Penitenciário da Região Nordeste, 27 de junho de 1988, p. 72; Coordenação Nacional da Pastoral Carcerária, Relatório do Encontro Regional Nordeste da Pastoral Carcerária, 5 de junho de 1995. Não nos foi possível confirmar se os guardas civis foram de fato contratados e treinados desde a ocasião da nossa visita.
223. Ver, por exemplo, Human Rights Watch/Americas, Punishment Before Trial: Prison Conditions in Venezuela (Punição Antes do Julgamento: Condições Carcerárias na Venezuela) (New York: Human Rights Watch, 1997), pp. 22-23, 60-64 (descrevendo a militarização das prisões na Venezuela e os problemas relacionados a esta situação).
224. Regras Mínimas, art 46(3) ( "será necessário que os membros trabalhem com exclusividade como funcionários penitenciários profissionais, tenham a condição de funcionários públicos".)
225. LEP, art. 77, sec. 1; ver também Regras Mínimas, arts. 47 (2) e (3) (determinando que "antes de ingressarem no serviço os guardas recebam um curso de formação geral e especial" e "após seu ingresso no serviço e durante a carreira, os membros do pessoal deverão manter e melhorar seus conhecimentos e sua capacidade profissionais fazendo cursos de aperfeiçoamento, que se organizarão periodicamente").
226. Entrevista à Human Rights Watch, Cel. André Córdova, Charqueadas, Rio Grande do Sul, 2 de dezembro de 1997.
227. Entrevista à Human Rights Watch, membros do sindicato dos agentes penitenciários de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, 17 de março de 1998; ver também Relatório da CPI de 1997, Minas Gerais, p. 66 (observando que "o sistema [penitenciário] apresenta grandes falhas" relativas ao treinamento dos guardas).
228. Entrevista à Human Rights Watch, Octávio César Berthault, Casa de Detenção, São Paulo, 28 de novembro de 1997.
229. Até uns dois anos atrás, guardas no estado do Amazonas ganhavam somente entre R$180 e R$280 por mês (aproximadamente entre US $160 e $250), mas após ter sido concedido um aumento de salário para a Polícia Civil, o governador do estado aumentou também os vencimentos dos guardas.
230. Entrevista à Human Rights Watch, membros do sindicato dos guardas de prisão de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, 17 de março de 1998.
231. Entrevistas à Human Rights Watch, Campina Grande, Paraíba, 8 de dezembro de 1997.
232. Regras Mínimas, art. 46(3).
233. LEP, arts. 53 e 45. As Regras Mínimas contêm proibições semelhantes. Cf., art. 31.
234. Duas celas como estas, denominadas cela-batida, foram encontradas na prisão de Campina Grande, na Paraíba. Embora elas estivessem vazias no dia em que a Human Rights Watch as visitou, um prisioneiro nos contou que ele havia sido recentemente mantido dezessete dias em uma delas e prisioneiros de celas vizinhas disseram que alguém tinha sido removido de lá naquele mesmo dia, antes da nossa visita, após permanecer naquele local por sete dias. Entrevistas à Human Rights Watch, Campina Grande, Paraíba, 8 de dezembro de 1997.
235. Deve-se notar que, no entanto, a LEP requer especificamente que as celas punitivas tenham condições de habitação iguais àquelas determinadas para as celas normais, em termos de espaço, ventilação, instalações sanitárias, etc. LEP, art. 53, sec. IV (referente ao artigo 88 desta mesma lei).
236. Entrevista à Human Rights Watch, Natal, Rio Grande do Norte, 12 de dezembro de 1997.
237. A tortura como método de investigação policial, ao invés de razões relacionadas à detenção, é discutida no capítulo dedicado às cadeias policiais.
238. "Secretário pede desculpa a presos por agressão de PMs", A Crítica (Manaus), 3 de julho de 1997.
239. Uma carta enviada pelos presos à imprensa durante a rebelião iniciava com: "Nós queremos a demissão do diretor e de toda a sua administração. Nós queremos um diretor civil e não um militar, de modo que nós não tenhamos que sofrer sob um regime militar e ser torturados por eles." "Carta de presos denuncia espancamento", A Crítica, 9 de julho de 1997.
240. "Para Secretário operação foi 'excepcional,'" O Povo (Fortaleza), 27 de dezembro de 1997.
241. "Sangue no Natal: Nove mortos na fuga do IPPS," Diário do Nordeste (Fortaleza), 26 de dezembro de 1997.
242. A Fundação Maria Nilva é uma entidade de caridade, privada, que dá assistência às famílias dos presidiários.
243. Nota meramente explicativa para versão inglesa.
244. Eunísia comenta que embora os prisioneiros quisessem matar um dos reféns para vingar a morte do preso Francisco Sérgio, ela e um dos presos foram capazes de dissuadi-los da imprudência tática de acabar com a vida de um refém. Entrevista à Human Rights Watch, Eunísia Barroso, Fortaleza, Ceará, 4 de janeiro de 1998.
245. De acordo com relatos da imprensa, a primeira exigência dos prisioneiros foi de que eles fossem remanejados para prisões no interior do Ceará; depois eles queriam ser transferidos para o Instituto Penal Professor Olavo Oliveira (outra prisão no estado do Ceará) e, finalmente, que eles queriam carros, armas e livre acesso para deixar o IPPS. "Negociações foram feitas através de aparelho celular", Diário do Nordeste, 26 de dezembro de 1997.
246. Entrevista à Human Rights Watch, Eunísia Barroso, Fortaleza, Ceará, 4 de janeiro de 1998. De acordo com os reféns, os efeitos nocivos da falta de água e comida foram exacerbados por outras condições difíceis de seu cativeiro. Ao longo da noite, reféns e prisioneiros forma mantidos acordados pelos agentes penitenciários e policiais da prisão que atiravam pedras na sala de aula em que estes estavam e gritavam repetidamente, "Alguém vai morrer esta noite". Como não havia nenhum banheiro no local, reféns e prisioneiros foram forçados a usar o canto da sala onde estavam sendo mantidos como um banheiro provisório; quando as mulheres tinham necessidade de utilizá-lo, os outros simplesmente viravam a cabeça para outro lado.
247. Entrevista à Human Rights Watch, Eder Gil Teixeira Pinheiro e Eunísia Barroso, Fortaleza, Ceará, 4 de janeiro de 1998.
248. Entrevistas à Human Rights Watch, Secretário de Justiça Dr. Paulo Duarte, Fortaleza, Ceará, 6 de janeiro de 1998.
249. "Término das Negociações e Início da Tragédia", Diário do Nordeste, 26 de Dezembro de 1997.
250. Entrevista à Human Rights Watch, Taumaturgo Barroso, Fortaleza, Ceará, 3 de Janeiro de 1998.
251. Rodolfo Spínola, "Motim em Fortaleza termina com 9 mortos" Estado de S. Paulo, 26 de Dezembro de 1997.
252. O policial militar Ernani Castro falou a imprensa que ele havia sido ferido por tiros durante a operação. De acordo com o pronunciamento de Castro, uma bala disparada pelos prisioneiros atingiu seu peito, protegido por um colete à prova de balas, resultando em uma costela contundida. "Tenente escapou por usar colete", Tribuna do Ceará, Fortaleza, 26 de Dezembro de 1997.
253. Entrevista à Human Rights Watch, Fortaleza, Ceará, 5 de janeiro de 1998.
254. "Presos contam que o acidente foi provocado", O Povo, 27 de dezembro de 1997.
255. Respondendo as alegações de sabotagem por parte da polícia, o Gen. Cândido Vargas de Freire, Secretário de Segurança Pública e Defesa Civil, destacou que os acidentes não eram atribuíveis à má conduta dos policiais, mas sim a falta de preparo dos detentos, que não sabiam dirigir. "Para Secretário operação foi 'excepcional,' " O Povo, 26 de dezembro de 1997.
256. Dedezinho nos disse que os outros dois prisioneiros eram conhecidos como "Pernambucano" e "Dragão".
257. De acordo com o o boletim médico, Eunísia foi atingida no quadril esquerdo e na parte posterior de seu pescoço. "Coordenadora da Pastoral Carcerária está fora de perigo", O Povo, 26 de dezembro de 1997.
258. Entrevistas à Human Rights Watch, Maria Nilva Alves e prisioneiros sobreviventes, Fortaleza, Ceará, 1o e 4 de Janeiro de 1998. Eunísia contou a imprensa que imediatamente após denunciar a execução em um depoimento para os investigadores da polícia, ela recebeu ameaças de morte no hospital onde estava se recuperando. Maria Nilva também denunciou que ela havia recebido ameaças de morte. Em resposta a estas ameaças, o governador Tasso Jereissati solicitou proteção policial para ambas as mulheres. "Tasso pede proteção da PF para Eunísia e Maria Nilva", O Povo, 1o de janeiro de 1998.
259. Entrevista à Human Rights Watch, Ranvier Feitosa Aragão, Diretor, Instituto de Criminalística, Fortaleza, Ceará, 6 de janeiro de 1998.
260. "Legista não descarta hipótese de execução de detentos do IPPS", O Povo, 28 de dezembro de 1997.
261. Os sete indivíduos interrogados pela polícia foram: os três reféns, um detento e três dos policiais que participaram da operação. "Nicéforo nega omissão do Ministério Público", O Povo, 9 de janeiro de 1998; Entrevista à Human Rights Watch, Dr. Eduardo Callado, Fortaleza, Ceará, 1o de janeiro de 1998.
262. Inquérito Policial No. 006/97, Assessoria Técnica do Gabinete da Secretaria de Segurança Pública, Fortaleza, Relatório de 20 de fevereiro de 1998.
263. Em 20 de março de 1998, o promotor Oliveira Marinho retornou o inquérito para a polícia, requerendo que eles conduzissem investigações suplementares e testes, como análises balísticas dos projéteis encontrados nas vítimas. Carta No. 87-PJ/98, do promotor Francisco de Assis Oliveira Marinho para o Gen. Cândido Vargas Freire, Secretário de Segurança Pública, Aquiraz, Ceará, 20 de março de 1998.
264. Entrevista à Human Rights Watch, Departamento de Investigações, Belo Horizonte, Minas Gerais, 17 de março de 1998.
265. Entrevista à Human Rights Watch, Penitenciária Nelson Hungria, Nova Contagem, Minas Gerais, 18 de março de 1998. O "telefone" refere-se à imposição de um violento tapa, com as mãos em concha, nos dois ouvidos da vítima ao mesmo tempo.
266. Entrevista à Human Rights Watch, prisioneiro, João Pessoa, Paraíba, 10 de dezembro de 1997.
267. Entrevista à Human Rights Watch, prisioneiro, João Pessoa, Paraíba, 10 de dezembro de 1997.
268. Entrevista à Human Rights Watch, Nilo de Siqueira Costa Filho, Promotor da Vara de Execuções Penais da Comarca da Capital, João Pessoa, Paraíba, 9 de dezembro de 1997.
269. Um relatório da autópsia sobre as mortes indicou que um sexto prisioneiro tinha três ferimentos em sua virilha esquerda, cada uma com aproximadamente um centímetro de diâmetro, similares àquelas causadas pela entrada de uma bala. Genival Veloso, Relatório Médico Legal, João Pessoa, 2 de setembro de 1997.
270. Ibid., sec. 4.5.
271. Os presos mortos eram: Roberto Cabral de Oliveira, Jaílson Santos de Castro, Josenilton Alves da Silva, Josivaldo Mendes da Silva, Ailton Lino da Rocha, Severino Alves dos Santos, Lindemberg da Silva Torres e Sebastião Galdino da Silva.
272. Entrevista à Human Rights Watch, Nilo de Siqueira Costa Filho, João Pessoa, Paraíba, 9 de dezembro de 1997.
273. Denúncia, Primeiro Tribunal do Juri de João Pessoa, Paraíba, 31 de março de 1998. No ordenamento jurídico brasileiro, policiais militares só podem ser julgados na justiça comum por homicídio doloso; todos os outros crimes devem ser julgados pela Justiça Militar.
274. Entrevista à Human Rights Watch, prisioneiros recapturados, Natal, Rio Grande do Norte, 12 de fevereiro de 1998.
275. "Fuga em massa deixa seis mortes", Tribuna do Norte, Natal, 6 de fevereiro de 1998.
276. Dr. Abelardo Rangel Monteiro Filho, o perito que realizou a autópsia em Targino, e Dr. Guaraci da Costa Barbosa, Diretor de Medicina Legal do Instituto Técnico e Científico de Polícia, ITEP, disse à Human Rights Watch que o ângulo de entrada e a trajetória percorrida pela bala era consistente com um disparo feito de um ponto abaixo e por trás de Targino, quanto com um disparo feito de cima de Targino, enquanto ele estivesse deitado de rosto no chão. Entrevista à Human Rights Watch, Drs. Filho e Barbosa, Natal, Rio Grande do Norte, 13 de fevereiro de 1998.
277. "Fugitivos tentam abrir rota da fuga à bala", Tribuna do Norte, 6 de fevereiro de 1998.
278. Entrevistas à Human Rights Watch, residentes da área, Natal, Rio Grande do Norte, 12 de fevereiro de 1998.
279. "Fugitivo do presídio é morto em Ceará Mirim", Diário de Natal, 10 de fevereiro de 1998.
280. Entrevistas à Human Rights Watch, Dr. Abelardo Rangel Monteiro Filho, Dr. Guaraci da Costa Barbosa e Dr. José Pinto, Natal, Rio Grande do Norte, 13 de fevereiro de 1998.
281. Entrevista à Human Rights Watch, Gen. José Carlos Leite Filho, Natal, Rio Grande do Norte, 13 de fevereiro de 1998. Presumivelmente, estas incluem uma investigação da polícia militar e uma da Polícia Civil.
282. Entrevista à Human Rights Watch, 9o DP, São Paulo, 24 de novembro de 1997.
283. Entrevista à Human Rights Watch, 35o DP, São Paulo, 18 de novembro de 1997.
284. Entrevista à Human Rights Watch, São Paulo, 26 de novembro de 1997.
285. Para um relatório sobre espancamentos e outros abusos na área de castigo no pavilhão quatro da Casa de Detenção, uma área conhecida como masmorra. Ver, Pastoral Carcerária da Arquidiocese de São Paulo, "Relação de incidentes comunicados à Pastoral Carcerária da Arquidiocese de São Paulo, referentes às celas conhecidas como 'Masmorra' do Pavilhão 4, da Casa de Detenção de São Paulo," 23 de dezembro de 1997.
286. Entrevista à Human Rights Watch, Juiz Marco Antônio Scapini, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 4 de dezembro de 1997.
287. Na legislação brasileira, absolvições, como condenações, podem ser revertidas em apelação, necessitando, para tanto, um novo julgamento.
288. Em fevereiro de 1994, a Human Rights Watch, a Comissão Teotônio Vilela e o CEJIL submeteram uma segunda petição contra o Brasil pelo massacre do Carandiru. (A primeira, de outubro de 1992, semanas depois da chacina, não foi acolhida baseada no não esgotamento dos recursos internos). Em grande parte porque as atuais autoridades carcerárias de São Paulo prometeram destruir a casa de detenção e construir várias instituições menores e porque o caso fora transferido para fora da Justiça Militar, a Comissão Interamericana, informalmente, suspendeu os procedimentos contra o Brasil neste caso.
289. 289 Ver o artigo 23 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, que diz: "a
família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e terá o direito de ser protegida
pela sociedade e pelo Estado"; ver também o artigo 79 das Regras Mínimas, que diz:
"será prestada especial atenção à manutenção e melhora das relações entre o preso e sua
família, que se mostrem de maior vantagem para ambos".
290. 290 Entrevista à Human Rights Watch, Félix Valois Coelho Júnior, Secretário de Justiça e
Cidadania, Manaus, 15 de dezembro de 1997. 291. 291 LEP, art. 41, inciso X. É interessante observar que a palavra "companheira" é
empregada especificamente no gênero feminino, embora a forma masculina do
substantivo ("companheiro") normalmente inclua, no português corrente, tanto os
companheiros como as companheiras, e seria usada quando os dois gêneros fossem
incluídos. Ao usar a forma feminina do substantivo, portanto, a lei parece não levar em
conta a situação das detentas, que poderiam receber visitas de seus companheiros; por
outro lado, isso significa que a LEP também exclui especificamente os companheiros
homossexuais das visitas conjugais a seus parceiros. De fato, essa última preocupação
(erroneamente, segundo a visão da Human Rights Watch), provavelmente inspirou a
terminologia utilizada pela lei. Ver Mirabete, Execução Penal, p. 122 (que declara "no
sentido de preservar-se a ordem e os bons costumes, tem-se entendido que se deve
permitir apenas a visita íntima do cônjuge ou da companheira . . . excluindo-se a de
caráter homossexual.") 292. 292 Ibid, art. 41, par. único e art. 53, inciso III. 293. 293 Arquidiocese da Paraíba, "Relatório da Rebelião no Presídio do Róger", 15 de
setembro de 1997. 294. 294 Ver, e.g., "Fim da rebelião na Penitenciária de Papuda deixa 12 feridos", O Globo, 22
de março de 1998 (rebelião em uma prisão de Brasília causada pelo cancelamento das
visitas de fim-de-semana); "Rebelião de presos deixa um morto e dois feridos em
Cajamar", O Globo, 29 de abril de 1998 (rebelião na carceragem de um distrito policial
de São Paulo, causada pelo cancelamento de visitas). 295. 295 Entrevista à Human Rights Watch, Walter Erwin Hoffgen, Diretor da Casa de
Detenção de São Paulo, 28 de novembro de 1997. 296. 296 Relatório da CPI do cárcere de Minas Gerais 1997, p. 59 297. 297 O 16º Distrito Policial de São Paulo impunha essa norma, permitindo a entrada apenas
de pais, avós, filhos, esposas e companheiras. Entrevista à Human Rights Watch, Del.
Darci Sassi, São Paulo, 19 de novembro de 1997. 298. 298 Ibid.
299. 299 Entrevista à Human Rights Watch, diretor do 35º Distrito Policial, São Paulo, 18 de
novembro de 1997. 300. 300 A Depatri, em São Paulo, não permitia visitas conjugais até cerca de seis meses antes
de nossa visita, mas em outros lugares a prática era bastante comum. Para uma discussão
sobre as visitas conjugais nas prisões femininas, ver o capítulo XI. 301. 301 Muitos estabelecimentos penais impedem a entrada de prostitutas na teoria, mas
disseram-nos que, na prática, os guardas recebem dinheiro para deixá-las entrar.
Entrevista à Human Rights Watch, detentos da Penitenciária Raimundo Vidal Pessoa,
Manaus, 16 de dezembro de 1997. 302. 302 Entrevistas à Human Rights Watch, 26 de novembro de 1997. 303. 303 A política de permitir visitas conjugais de detentos e detentas com seus companheiros
que estão presos foi instituída em meados de 1997, depois que o sistema carcerário
passou a ser administrado pela recém-criada Secretaria de Justiça. Entrevista à Human
Rights Watch, Suely Borges Oliveira, diretora da Penitenciária Feminina de Manaus. 304. 304 Entrevista à Human Rights Watch, São Paulo, 28 de novembro de 1997. Outro alto
funcionário do sistema carcerário de São Paulo expressou-se de forma semelhante
durante uma entrevista em dezembro do mesmo ano afirmando que a visita conjugal fora
uma revolução nas prisões e que o fato de poder estar com mulheres fazia com que os
presos deixassem de estuprar outros detentos. "Aids diminui violência sexual em
prisões", Folha de S. Paulo, 28 de dezembro de 1997. 305. 305 Ver, e. g., Wilbert Rideau e Ron Wikberg, Life Sentences: Rage and Survival Behind
Bars (Nova Iorque: Times Books, 1992), p. 75 ("O estupro nas prisões é raramente um
ato sexual, mas sim um ato político e de violência e uma forma de expressar posições de
poder.") (tradução da Human Rights Watch). 306. 306 Essas reclamações foram registradas em outros lugares. O relatório de 1997 da CPI de
Minas Gerais sobre o sistema penitenciário do estado concluiu, por exemplo, que "as
famílias dos presos e representantes de grupos religiosos passam por situações vexatórias
e até mesmo atentatórias à sua dignidade". Relatório da CPI do cárcere de Minas Gerais,
1997, p. 60. 307. 307Entrevista à Human Rights Watch, Cel. Sebastião Saraiva de Souza, diretor da
Penitenciária Central João Chaves, Natal, 12 de dezembro de 1997. 308. 308 Entrevista à Human Rights Watch, Ten. André Córdova, Penitenciária de Alta
Segurança de Charqueadas, Rio Grande do Sul, 2 de dezembro de 1997. 309. 309Entrevista à Human Rights Watch, João da Mata Medeiros Filho, diretor da
Penitenciária Regional de Campina Grande, Paraíba, 8 de dezembro de 1997. 310. 310 Maria Arena vs. Argentina, Caso nº 10.506 (30 de outubro de 1996) (Tradução da
Human Rights Watch). A Comissão também decidiu que tais revistas violam o direito à
proteção da família, garantido no artigo 17 da Convenção Americana. 311. 311 Comentário geral 16 ao artigo 17, "Compilation of General Comments and General
Recommendations Adopted by Human Rights Treaty Bodies," 29 de julho de 1994
(Tradução da Human Rights Watch). 312. 312 Na Penitenciária Feminina Madre Pelletier, em Porto Alegre, por exemplo, os
visitantes passam por um detetor de metais e suas bolsas são revistadas, mas eles não são
sujeitos a revistas corporais. Em vez disso, os detentos são revistados após as visitas.
Entrevista à Human Rights Watch, Isis Nelly Silva dos Santos, diretora da Penitenciária
Feminina Madre Pelletier, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 3 de dezembro de 1997. 313. 313 Entrevista à Human Rights Watch, Humberto Paiva, diretor da Penitenciária de
Segurança Máxima, João Pessoa, 10 de dezembro de 1997. 314. 314 Na Penitenciária Feminina de São Paulo, fomos informados que se uma detenta
tivesse uma razão importante para dar um telefonema, para saber da saúde de um membro
da família que esteja doente, por exemplo, ela poderia solicitar a uma assistente social
que fizesse a chamada por ela. As autoridades de lá disseram-nos que estavam
terminando um estudo sobre a possibilidade de instalar telefones públicos na
penitenciária. Entrevista à Human Rights Watch, São Paulo, 25 de novembro de 1997.
315. 315 Entrevista à Human Rights Watch, Ricardo Arantes Cestari, delegado, 78º Distrito
Policial, São Paulo, 19 de novembro de 1997. 316. 316 Ver, e.g., Denize Assis, "Choque invade cadeia e termina motim", Folha de S. Paulo,
8 de novembro de 1997 (observando que os jornalistas não puderam entrar no interior da
cadeia depois que uma rebelião de detentos foi reprimida por uma invasão policial). 317. 317 Human Rights Watch/Americas, "Brazil: Prison Massacre...," p. 7. 318. 318 LEP, art. 31. De acordo com as normas internacionais, os detentos que ainda não
foram condenados não precisam trabalhar. Ver Regras Mínimas, art. 89 319. 319 LEP, art. 41, inciso II.
320. 320 LEP, art. 29. 321. 321 Seguem alguns exemplos de prisões visitadas pela Human Rights Watch: o Presídio
do Róger, em João Pessoa, pagava aos detentos um salário mensal de dez reais, mas
alguns detentos responsáveis pela manutenção e reparos do presídio recebiam um salário
mensal de setenta e cinco reais; a Penitenciária Central João Chaves, em Natal, não
pagava aos detentos (que trabalhavam para reduzir suas sentenças); a Penitenciária
Raimundo Vidal Pessoa, em Manaus, pagava aos detentos um salário mensal de setenta e
cinco reais; a Casa de Detenção de São Paulo não pagava aos detentos que estavam
dando aulas (de datilografia etc.) ou fazendo serviço de faxina. O artigo 76, inciso 1, das
Regras Mínimas determina que os detentos recebam por seu trabalho. 322. 322 Entrevista à Human Rights Watch, 5 de janeiro de 1998. 323. 323 LEP, arts. 17-21. 324. 324 Ibid., art. 19. Esse artigo inclui uma determinação um tanto enigmática: a de que "a
mulher condenada terá ensino profissional adequado à sua condição". O comentário
doutrinário sobre a LEP que consultamos não registra qualquer esclarecimento sobre o
significado concreto dessa determinação. 325. 325 Ibid., art. 41, inciso V. 326. 326Regras Mínimas, art. 21, inciso 1. 327. 327 Entrevista à Human Rights Watch, Francisco da Silva Vieira, diretor do Centro de
Internação e Reeducação de Brasília, 18 de dezembro de 1997. 328. 328 Entrevista à Human Rights Watch, 9º Distrito Policial de São Paulo, 24 de novembro
de 1997. 329. 329 Entrevista à Human Rights Watch, Penitenciária Raimundo Vidal Pessoa, Manaus, 16
de dezembro de 1997. 330. 330 LEP, art. 24; Regras Mínimas, art. 41
331. 331 As prisões femininas que a Human Rights Watch visitou em Manaus e Natal ficavam
ao lado de prisões maiores exclusivamente masculinas. O mesmo se dava com a
Penitenciária Feminina de Brasília até novembro de 1997. 332. 332 A Penitenciária Feminina de Manaus tinha trinta e cinco detentas quando a Human
Rights Watch o visitou, um número que parecia um tanto alto tendo em vista seu
tamanho. Tinha um total de dez celas, sendo a primeira uma cela de triagem para
detentas recém-chegadas, e outras nove celas que tinham três ou quatro detentas (as celas
eram apropriadas para no máximo duas detentas). Surpreendentemente, o diretor declarou
que a capacidade do estabelecimento era de cem detentas, o que o classificaria como
muito abaixo de sua capacidade. Para acomodar cem detentas, contudo, cada cela teria
que ter dez detentas; elas não teriam lugar nem para sentar.
333. 333 Entrevista à Human Rights Watch, Fernanda Lopes, Bióloga, Faculdade de Saúde
Pública, USP, Penitenciária Feminina da Capital, 25 de novembro de 1997. A equipe
médica da Penitenciária Feminina de Porto Alegre disse-nos que estimava em pelo menos
dez por cento o número de detentos portadores do vírus HIV. Entrevista à Human Rights
Watch, Penitenciária Feminina Madre Pelletier, 3 de dezembro de 1997. 334. 334 Entrevista à Human Rights Watch, detenta, Colméia, Brasília, 19 de dezembro de
1997. 335. 335 Entrevista à Human Rights Watch, Pavilhão Feminino, Penitenciária Central João
Chaves, Natal, 13 de dezembro de 1997. 336. 336 LEP. art. 77, inciso 2. O dispositivo abre exceção para pessoal técnico especializado,
tais como médicos. De forma semelhante, o artigo 53(3) das Regras Mínimas diz que: A vigilância das presas será exercida exclusivamente por funcionários do sexo
feminino. Contudo, isso não excluirá que funcionários do sexo masculino,
especialmente os médicos e o pessoal de ensino, desempenhem suas funções
profissionais em estabelecimentos ou seções reservadas às mulheres. Além disso, o artigo 53(2) das Regras Mínimas proíbe que integrantes masculinos da
equipe entrem nas instalações ou seções sem a presença de um guarda feminino.
337. 337 Entrevistas à Human Rights Watch, pavilhão feminino da Penitenciária Central João
Chaves, Natal, 13 de dezembro de 1997. As mulheres nos garantiram que essas relações
sexuais eram consensuais, e não forçadas. Entretanto, levando-se em conta a relação de
poder desigual entre as partes envolvidas, essa distinção é altamente problemática no
contexto da prisão. Para uma visão geral do assunto, ver Human Rights Watch Women
Rights Project, All Too Familiar: The Sexual Abuse of Women in U. S. State Prisons
(Nova Iorque: Human Rights Watch, 1996). 338. 338 Entrevista à Human Rights Watch, Natal, 13 de dezembro de 1997. 339. 339 Entrevista à Human Rights Watch, João Pessoa, 9 de dezembro de 1997. 340. 340Grupo Cidadania nos Presídios, "Casa de Detenção Feminina do Tatuapé," 1997.
341. 341Entrevista à Human Rights Watch, Benedito Domingos Mariano, Ouvidor da Polícia
do Estado de São Paulo, São Paulo, 7 de janeiro de 1998.
342. 342 Ouvidoria da Polícia do estado de São Paulo, protocolo nº 2.817/97, 25 de fevereiro
de 1997, p. 9. 343. 343O julgamento administrativo contra o chefe dos policiais que ordenou a invasão e que,
segundo as detentas, comandou os espancamentos, recomendou que ele fosse suspenso
de suas funções por dez dias, e que quatro policiais civis sob seu comando fossem
suspensos de suas funções por cinco dias cada um. Delegacia Seccional de Polícia de
Ribeirão Preto, Relatório: Sindicância Administrativa Disciplina nº 004/97, 19 de agosto
de 1997. (Esse julgamento só se tornará definitivo após exame pelo Conselho Disciplinar
de Polícia) Procedimentos administrativos contra os oito policiais militares implicados no
incidente resultaram em sentenças de um a quatro dias de prisão. Polícia Militar do
Estado de São Paulo, Enquadramento Disciplinar nºs 885088, 900936-1, 930613-7,
930628-5, 934367-9, 943818-1, 951344-2, e 912341-5. 344. 344"Relatório Anual de Prestação de Contas da Ouvidoria de Polícia - 1997", p. 5 345. 345Entrevista à Human Rights Watch, São Paulo, 25, de novembro de 1997.
346. 346Entrevista à Human Rights Watch, São Paulo, 25 de novembro de 1997.
347. 347Ibid.
348. 348Ibid.
349. 349 Entrevista à Human Rights Watch, São Paulo, 21 de novembro de 1997. 350. 350 As visitas são realizadas aos domingos de 9:00 às 11:30, e de 13:00 às 16:30. Metade
das detentas recebe visitas de manhã, a outra metade de tarde. Os visitantes que vieram
do exterior ou de regiões distantes do Brasil, contudo, podem visitar as detentas todos os
dias durante um período de duas semanas. 351. 351Constituição da República Federativa do Brasil, art. 5, inciso L. 352. 352 LEP, art. 83, inciso 2. 353. 353Entrevista à Human Rights Watch, São Paulo, 21 de novembro de 1997. 354. 354 Entrevista à Human Rights Watch, São Paulo, 25 de novembro de 1997. 355. 355 Entrevista à Human Rights Watch, Vera Lúcia Almeida Targino Alcoforado, diretora
da Casa de Recuperação Feminina Bom Pastor, João Pessoa, 9 de dezembro de 1997. A
diretora disse à Human Rights Watch que a detenta deveria ter vivido com o
companheiro por pelo menos seis meses antes da prisão e que assistentes sociais
"investigavam" o relacionamento. 356. 356 O artigo 26 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos determina: "Todas as
pessoas são iguais perante a lei e têm direito, sem discriminação alguma, a igual proteção
da lei. A este respeito, a lei deverá proibir qualquer forma de discriminação e garantir a
todas as pessoas proteção igual e eficaz contra qualquer discriminação por motivo de...
sexo". De modo similar, o artigo 2 do Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação contra a Mulher afirma: "Os Estados-partes condenam a discriminação
contra a mulher em todas as suas formas, concordam em seguir, por todos os meios
apropriados e sem dilações, uma política destinada a eliminar a discriminação contra a
mulher, e com tal objetivo se comprometem a:...(d) abster-se de incorrer em todo o ato ou
prática de discriminação contra a mulher e zelar para que as autoridades e intituições
públicas atuem em conformidade com esta obrigação..."
357. 357 Por exemplo, o Comitê de Especialistas da Organização Internacional do Trabalho
(OIT) interpretou a Convenção 111 da OIT sobre a Descriminação com Relação a
Emprego e Ocupação, que proíbe a discriminação com base no sexo, no sentido de
proibir a discriminação com base na gravidez. Conditions of Work Digest, Volume 13
(Genebra: International Labor Office, 1994), p. 24. De forma semelhante, em um caso de
1991 a Corte Européia de Justiça (CEJ) decidiu que a descriminação com base na
gravidez constitui uma discriminação sexual intolerável. A CEJ decidiu contra uma
empresa holandesa que recusava-se a admitir uma mulher porque ela estava grávida,
concluindo que "só as mulheres podem ter seu acesso ao emprego negado por razões de
gravidez, e essa negação constitui portanto discriminação direta baseada no sexo ." Caso
C-177/88, Dekker v. Stichting Vormingscentrum voor Jong Volwassenen (VJV-Centrum) Plus, 1990 E.C.R.3941. Embora as decisões da CEJ não sejam legalmente
constringentes no Brasil, tais decisões constitutem argumentos persuasivos no sentido de
considerar a discriminação com base na gravidez como uma forma de discriminação
sexual. Para uma discussão mais extensa desse tópico, ver Human Rights Watch
Women's Rights Project, No Guarantees: Sex Discrimination in Mexico's Maquiladora
Sector, Vol. 8, No. 6 (August 1996), pp. 30-33. 358. 358Entrevistas à Human Rights Watch, Brasília, 19 de dezembro de 1997. 359. 359Grupo Cidadania nos Presídios, "Casa de Detenção..."