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Angola: Ativista Enfrenta Julgamento Parcial

País deve dar fim às ações judiciais com motivações políticas e processos tendenciosos

(Joanesburgo) – As autoridades angolanas devem retirar as acusações com motivações políticas contra o escritor Rafael Marques de Morais e dois outros ativistas de direitos humanos.

Jornalista Rafael Marques de Morais no tribunal em Luanda, Angola. 28 de maio de 2015. © 2015 Reuters

Em 28 de maio de 2015, o tribunal provincial de Luanda condenou Rafael Marques a seis meses de prisão, com pena suspensa por dois anos, devido a acusações com base em suas publicações sobre alegada corrupção e violações de direitos humanos. Os ativistas José Marcos Mavungo e Arão Bula Tempo foram detidos em 14 de março de 2015. A detenção está relacionada com a organização de uma manifestação pacífica no mesmo dia no enclave angolano de Cabinda, conhecido por sua riqueza petrolífera.

«O governo angolano está a usar os tribunais para calar os ativistas que expressam suas opiniões por escrito ou através de manifestações pacíficas», alertou Leslie Lefkow, diretora-adjunta de África da Human Rights Watch. «Tal como o julgamento profundamente parcial de Rafael Marques de Morais demonstra, o sistema judicial angolano é incapaz de impedir estes abusos de poder estatal.»

A acusação e o julgamento de Rafael Marques foram marcados por graves violações dos direitos que garantem um processo equitativo, incluindo o direito de ser informado sobre as acusações, o direito de dispor do tempo e dos meios necessários para preparar a sua defesa e o direito a não testemunhar contra si próprio, tal como afirmaram os observadores internacionais  que acompanharam o processo, que esteve fechado ao público em geral. 

As acusações contra Rafael Marques se baseiam em seu livro de 2011, Diamantes de Sangue: Corrupção e Tortura em Angola, que documentou a forma como oficiais militares angolanos e empresas de segurança privada mataram e aterrorizaram cidadãos angolanos residentes em áreas rurais para proteger lucrativas operações de extração de diamantes. O livro descreve 500 casos de tortura e 100 execuções levados a cabo por agentes privados de segurança e soldados angolanos nos distritos do Cuango e Xá-Muteba.

Em 2011, Rafael Marques apresentou uma queixa-crime em Luanda na qual acusava nove generais angolanos de crimes contra a humanidade relacionados à extração de diamantes. A Procuradoria-Geral da República de Angola ordenou o arquivamento da queixa-crime em novembro de 2011 e, até ao momento, ainda não houve qualquer investigação por parte do governo aos assassinatos e tortura detalhados no livro.

Em resposta à queixa-crime, oito dos generais e alguns membros do conselho de administração de duas empresas de diamantes, a Sociedade Mineira do Cuango (SMC) e a ITM Mining, ajuizaram uma série de ações contra Marques, alegando difamação criminal. A ação que instauraram em Portugal, onde o livro de Rafael Marques foi publicado, foi arquivada por falta de provas em março de 2013, mas os generais também ajuizaram uma segunda ação em Angola.

O julgamento em Angola suscitou graves preocupações relativas à condução do processoe ao poder judicial, alertou a Human Rights Watch. Embora Rafael Marques tenha sido intimado e interrogado várias vezes em 2013 e informado de que tinham sido apresentadas queixas por difamação contra si, Marques só teve acesso às acusações concretas ou aos autos do processo vários meses após o processo ter sido aparentemente instaurado.

Em abril de 2014, Rafael Marques foi finalmente informado de que tinham sido apresentadas oito queixas por «denúncia caluniosa» contra si, nos termos do artigo 245.º do Código Penal Angolano. Quando se apresentou ao tribunal pela primeira vez em 24 de março de 2015, foi informado da existência de 15 novas acusações de denúncia caluniosa.

Em maio, Rafael Marques chegou a um acordo com os autores da denúncia, no qual se determinou que se o jornalista prestasse uma declaração em tribunal as acusações seriam retiradas. O acordo, que foi discutido em tribunal em 21 de maio e analisado por observadores internacionais, bem como pelos representantes legais de todas as partes envolvidas, também foi reconhecido pela acusação e pelo juiz.

No entanto, em 25 de maio, na última audiência, a acusação anunciou, subitamente, que pretendia dar seguimento às acusações e que iria apresentar a declaração de 21 de maio do jornalista como prova de uma «confissão».

Em 28 de maio, o tribunal inexplicavelmente condenou Rafael Marques por 12 acusações, apesar de inicialmente estar a ser julgado por apenas oito. Marques está a recorrer da sentença de seis meses de prisão, com pena suspensa por dois anos.

A súbita retomada das acusações em 25 de maio e o facto de não ter sido dada oportunidade aos advogados de Rafael Marques para apresentar defesa, incluindo testemunhas que sustentam o seu caso, violam o direito a um processo equitativo de acordo com o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos. Angola ratificou os dois. Além disso, o facto de a acusação ter usado a declaração de 21 de maio de Rafael Marques em tribunal como confissão é uma violação do seu direito a não testemunhar contra si próprio, protegido internacionalmente.

«O julgamento de Rafael Marques está de tal forma repleto de irregularidades que pouco merece essa definição», afirmou Lefkow. «Na ausência de uma justificação válida para acusá-lo, as autoridades angolanas devem inverter o curso e imediatamente arquivar o caso.»

O governo angolano também deve retirar as acusações contra Mavungo e Tempo, ambos ativistas de direitos humanos oriundos de Cabinda, detidos em 14 de março, aparentemente devido aos esforços envidados para organizar uma manifestação pacífica contra corrupção, violações dos direitos humanos e a má governação em Cabinda. Ambos os homens enfrentam acusações pela prática de crimes contra a segurança do Estado.

Mavungo é vice-presidente da organização de direitos humanos Mpalabanda Associação Cívica de Cabinda (ACC), com sede em Cabinda. O grupo foi banido pelo governo em 2006, com recurso pendente. 

Fontes confiáveis afirmam que um grupo de agentes de polícia deteve Mavungo numa igreja, sem mandado de captura, em 14 de março. O governador de Cabinda proibira a manifestação que Mavungo planeara para aquele dia, apesar de não ser necessária a obtenção de autorização para manifestações pacíficas.

Mavungo foi inicialmente acusado do crime de sedição, uma ofensa à ordem pública, mas, em 20 de março, a acusação foi alterada para «rebelião», um crime contra a segurança do Estado. Ao abrigo da lei angolana, é possível manter um indivíduo detido durante 90 dias por crime contra a segurança do Estado e o dobro do tempo por crime contra a ordem pública. Embora Mavungo tenha sido informado de que as acusações foram formalizadas, ainda não recebeu as queixas detalhadas, nem a constituição de arguido.

Mavungo continua detido, encontrando-se num estado de saúde delicado, com problemas cardíacos e hepáticos. No entanto, foi-lhe negado o acesso regular ao seu médico pessoal. Uma fonte confiável contou à Human Rights Watch que Mavungo já foi hospitalizado duas vezes desde que foi detido.

Arão Tempo é advogado especializado em direitos humanos e presidente da Comissão Provincial da Ordem dos Advogados de Cabinda. Foi detido pelas autoridades em 14 de março, na Direção Provincial de Investigação Criminal em Cabinda, pela aparente suspeita de ter convidado jornalistas da República do Congo para a manifestação planeada. Em 17 de março, foi informado de que estava detido por suspeita de «colaboração com estrangeiros para constranger o Estado angolano». Foi libertado provisoriamente em 13 de maio.

«José Marcos Mavungo deve ser libertado imediatamente para que possa receber os devidos cuidados médicos», disse  Lefkow. «As autoridades devem desistir destes casos espúrios para que ambos os ativistas possam continuar a levar a cabo o seu trabalho e atividade legítimos.»

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