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(São Paulo, 15 de julho de 2014) – O Brasil deve manifestar-se em apoio aos direitos humanos e à sociedade civil da Rússia durante a Cúpula do BRICS, disse hoje a Human Rights Watch. Além disso, o Brasil deve rejeitar firmemente qualquer tentativa da Rússia de fazê-lo apoiar o enfraquecimento do mandato da ONU e de outras organizações intergovernamentais em relação aos direitos humanos.

Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (BRICS) se encontram em Fortaleza, Ceará, para a sexta Cúpula do BRICS, evento anual que acontece nos dias 14, 15 e 16 de julho de 2014. O BRICS é a associação de nações com economias avançadas que frequentemente são vistas como líderes emergentes globais.

"O Brasil deve estimular a Rússia a dar um fim à repressão contra dissidentes durante o encontro com seus parceiros BRICS por ocasião da sexta Cúpula", disse Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch Brasil. "Como um país que reconhece e estimula a sociedade civil, o Brasil deve insistir que seus parceiros façam o mesmo.".

O Brasil historicamente reconhece a universalidade dos direitos humanos como um componente central de sua política externa. Em um discurso ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em março de 2014, a então Ministra dos Direitos Humanos. Maria do Rosário, declarou que "a prevalência dos direitos humanos, consagrada em nossa Constituição, é o princípio norteador da política externa brasileira, em conjunto com a defesa do multilateralismo, da não-intervenção e da solução pacífica de controvérsias".

Os dois anos desde o retorno de Putin à presidência da Rússia têm sido os piores anos para os direitos humanos em toda a história pós-soviética do país, disse a Human Rights Watch. A Rússia tem tentado enfraquecer as instituições internacionais de direitos humanos, rejeitando a noção de valores universais, declarando a defesa internacional dos direitos humanos como sendo uma violação intolerável da soberania nacional e procurando enfraquecer vários dos mecanismos de monitoramento das organizações internacionais.

Em um grande discurso no começo de julho deste ano, o presidente russo, Vladimir Putin, instruiu seu Ministério das Relações Exteriores a tornar a "não-interferência" o "aspecto principal do debate internacional".

O Brasil deve insistir que as discussões sobre a proposta de um banco dos BRICS reflita sua visão de direitos universais e de respeito à sociedade civil e que não sejam influenciadas pela visão restritiva russa, disse a Human Rights Watch. A proposta do Banco é um dos principais itens da agenda da sexta Cúpula. O Brasil deve engajar seus parceiros do BRICS para que o novo banco viabilize a realização de direitos sociais e econômicos e respeite os direitos humanos daqueles que pretende beneficiar.

Uma série de leis repressoras e discriminatórias, assim como a perseguição dos críticos do Kremlin, diminuíram drasticamente o espaço público para o ativismo civil e a mídia independente na Rússia. Trabalhadores migrantes oriundos das repúblicas que eram parte da ex-União Soviética, assim como lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT) têm sentido na pele a força bruta da retórica do ódio, inclusive por parte de representantes governamentais.

A repressão começou imediatamente após a posse de Putin, tendo sido levemente aliviada durante a preparação para os Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi em fevereiro deste ano e consideravelmente intensificada após o fim dos jogos e a escalada da crise política na Ucrânia.

"O governo russo está conduzindo a pior repressão à sociedade civil da história independente do país", disse Tanya Lokshina, diretora do Programa Rússia e pesquisadora sênior da Human Rights Watch. "O Kremlin tenta rotular indivíduos e organizações que criticam publicamente as políticas do governo como traidores e tenta associar crítica independente a extremismo".

Leis adotadas logo após a posse de Putin em 2012 ampliaram de tal forma a definição de "traição" que passou a ser possível criminalizar grupos internacionais de defesa dos direitos humanos, exigindo que os que recebem recursos estrangeiros e participem de "atividades políticas" se registrem e se identifiquem publicamente como "agentes estrangeiros", o que na Rússia significa "traidor" ou "espião". Até junho de 2014, o governo havia pressionado pelo menos 76 ONGs a se registrarem como "agentes estrangeiros" e, após não ter obtido sucesso nessa tentativa, autorizou o Ministério da Justiça a arbitrariamente registrar grupos como "agentes estrangeiros".

Nos últimos anos, os canais de televisão russos, estatais ou operados por empresas estreitamente ligadas ao governo, têm transmitido uma série de programas em estilo documentário que mostram ativistas de direitos humanos e figuras políticas da oposição como "traidores da nação".

O Kremlin tem também procurado rotular integrantes da comunidade LGBT e ativistas como seres estranhos ou que oferecem riscos à sociedade russa, declarou a Human Rights Watch. Em 2013, o parlamento adotou uma "lei de propaganda" anti-LGBT, que proíbe a disseminação de quaisquer informações que retratem relacionamentos LGBT sob uma ótica positiva para crianças. A adoção da lei coincidiu com o crescimento do estigma social, discriminação e violência contra integrantes da comunidade LGBT, incluindo violência por parte de “justiceiros” flagrantemente homofóbicos que ficam quase sempre impunes.

"A estratégia do Kremlin é demonizar os grupos ativistas aos olhos da opinião pública, fomentar a homofobia e rotular grupos que defendem essas pautas como agentes ocidentais dispostos a enfraquecer a Rússia", disse Lokshina.

Putin recentemente chamou a Internet de "um projeto da CIA" e nos últimos seis meses o parlamento adotou três leis que restringem severamente a liberdade na Internet. As leis autorizam os promotores públicos a bloquearem certos websites sem autorização judicial, obrigam blogueiros com mais de 3.000 acessos por dia a se registrarem perante as autoridades públicas e a seguirem uma série de regras similares às aplicadas à grande mídia e exigem que os proprietários de websites armazenem dados de usuários apenas na Rússia, o que poderia levar ao bloqueio de plataformas como o Facebook no país. Nos últimos anos, as autoridades russas também tomaram o controle editorial de vários portais de notícias independentes.

À medida que a Rússia se movimentava para anexar a Criméia e a crise política na Ucrânia caminhava para um conflito armado, o governo adotou medidas mais rígidas com o fim de restringir a liberdade de expressão. Desde março foram adotadas legislações que aumentam as sanções contra qualquer manifestação que supostamente defenda a violação da integridade territorial da Rússia, o que em princípio incluiria críticas à não reconhecida anexação da Criméia pelo país.

Ademais, as novas leis impõem penas de prisão para o "extremismo", incluindo aquele “cometido” por meio de re-postagens e retuítes e criminalizam a "profanação dos símbolos de 'glória militar' e demonstrações de profundo desrespeito às datas comemorativas.

Ao menos 21 indivíduos estão presos sob acusações impróprias de promoverem "tumultos em massa" ligadas a uma manifestação no dia da posse de Putin em maio de 2012. No mesmo mês, o parlamento adotou emendas que aumentam as penas máximas de prisão para tumultos em massa e outros crimes associados a grandes protestos.

O Brasil tem desempenhado um papel construtivo na promoção dos direitos humanos no âmbito do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas nos últimos anos, apoiando a adoção de uma série de resoluções sobre situações críticas de direitos humanos em países ao redor do mundo, incluindo o Irã, o Sri Lanka e a Síria. Em 2011, o país ativamente promoveu a aprovação de uma resolução histórica da entidade condenando a discriminação baseada na orientação sexual e identidade de gênero.

O Brasil também tem liderado agendas de direitos humanos no âmbito da Assembleia Geral das Nações Unidas. No ano passado, por exemplo, procurou mobilizar apoio internacional para a promoção do direito à privacidade contra a vigilância massiva e indiscriminada por parte dos Estados Unidos.

"O que se espera durante a sexta Cúpula dos BRICS é que a presidente Dilma Rousseff não ignore a repressão na Rússia, que viola direitos humanos fundamentais, adotados pelo Brasil domesticamente e no âmbito das obrigações assumidas em tratados internacionais” disse Canineu. "Se o Brasil quer continuar a ser visto como um líder em assuntos globais, deve defender estes princípios ao tratar com países que os desprezam."

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