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Relatório Mundial de Direitos Humanos 2014: Guerra Contra Civis na Síria Fora de Controle

Autoritarismo, Políticas Abusivas de Contraterrorismo e Segurança ameaçam direitos

(São Paulo) – A estratégia do governo sírio de travar uma guerra por meio de ataques a civis, bem como o aumento de abusos por grupos rebeldes, causaram horror em 2013, mas não houve pressão suficiente por parte de líderes mundiais para cessar as atrocidades e responsabilizar os criminosos, afirmou hoje a Human Rights Watch durante o lançamento do Relatório Mundial de Direitos Humanos 2014. De fato, a resposta internacional inicial foi mais eficaz quando vários países africanos confrontaram ameaças de atrocidades em massa.

No relatório de 667 páginas (a 24ª revisão anual das práticas de direitos humanos no mundo todo), a Human Rights Watch resume os principais desafios em mais de 90 países, incluindo o Brasil, os Estados Unidos, e 11 outros países das Américas.

Em muitos países, uma interpretação equivocada de democracia e os supostos desejos da maioria da população levaram governantes a reprimirem opiniões e grupos minoritários, mais notadamente no Egito. Também levou alguns governos a imporem visões estreitas sobre valores culturais, afetando especialmente mulheres, gays e lésbicas. As divulgações feitas pelo “whistleblower” Edward Snowden mostraram que a vigilância em massa do governo dos EUA eliminou grande parte da nossa privacidade em um mundo onde a comunicação eletrônica é praticamente inevitável. Entretanto, a indignação mundial perante esse menosprezo ao direito à privacidade oferece alguma perspectiva de mudança.

“Apesar do aumento alarmante de mortes e terríveis abusos na Síria, a Rússia e a China impediram o Conselho de Segurança da ONU de agir, permitindo o assassinato de civis sírios por ambos os lados”, declarou Kenneth Roth, diretor executivo da Human Rights Watch. “As negociações de paz de Genebra II – com perspectivas incertas de sucesso – não devem se tornar a mais nova justificativa para evitar ações para proteger civis. Isso requer uma pressão real para acabar com as mortes e permitir a entrega de ajuda humanitária”.

A Rússia, apoiada pela China, tem consistentemente protegido o governo sírio de uma ação internacional mais efetiva por parte das Nações Unidas, seja a condenação explícita, um embargo de armas ou o encaminhamento da situação da Síria ao Tribunal Penal Internacional (TPI), de acordo com a Human Rights Watch. Por outros motivos, os Estados Unidos também estão relutando em clamar por justiça por meio do TPI. Relatos da imprensa informam que países do Golfo e alguns indivíduos fornecem armas e financiam grupos da oposição extremistas responsáveis pelas atrocidades, enquanto o Irã e o Hezbollah apoiam o governo abusivo de Bashar al-Assad.

Apesar do fracasso na Síria, a doutrina da “responsabilidade de proteger” pessoas vulneráveis a atrocidades em massa, endossada pelos governos mundiais em 2005, foi reforçada pela reação às possíveis atrocidades em diversos países africanos, embora muito mais deva ser feito para evitar crimes em grande escala nesses locais, disse a Human Rights Watch. Na República Centro-Africana e no Sudão do Sul, a União Africana, a França, os Estados Unidos e a ONU enviaram reforços às missões internacionais para tentar impedir massacres de civis. A pressão de aliados e a grande presença de forças de paz da ONU convenceram Ruanda a interromper seu apoio militar ao mais recente grupo rebelde a cometer atrocidades no leste da República Democrática do Congo.

Em outra tendência importante, um número considerável de governos expressou apoio verbal à democracia, mas desdenhou os direitos fundamentais inerentes a governos democráticos. Novos governos, inclusive no Egito e na Birmânia, implementaram ações supostamente apoiadas pela maioria da população, sem considerar os direitos de dissidentes e minorias, essenciais para qualquer democracia verdadeira. As pessoas não aceitaram silenciosamente esses ataques à democracia. Houve protestos generalizados em muitos países, incluindo na Turquia, Tailândia e Ucrânia. No Egito, tanto o governo da Irmandade Muçulmana como o governo dominado por militares, ignoraram os limites do poder governamental; entretanto, a tomada do poder pelos militares intensificou a opressão e resultou nos piores assassinatos em massa na história recente do país.

“Governos autoritários adotaram a forma, mas não a substância da democracia, como se tudo o que importasse fosse um voto no dia da eleição, não o debate público durante o resto do ano”, disse Roth. “Essa falsa democracia rejeita princípios básicos: que a lei também se aplica àqueles no poder e que os governos devem respeitar a liberdade de expressão e proteger os direitos das minorias”.

As revelações de Snowden e investigações sobre o impacto dos “assassinatos seletivos” no Iêmen e no Paquistão prejudicaram as tentativas dos EUA de esconder as violações de direitos humanos ocorridas no âmbito da luta contra o terrorismo. Isso aumentou o escrutínio público sobre a vigilância eletrônica global em massa e os assassinatos seletivos por veículos aéreos não tripulados (drones). Embora a exposição das práticas abusivas de contraterrorismo dos EUA não as tenham detido, existe uma nova pressão internacional por mudanças, disse a Human Rights Watch.

O Presidente Barack Obama interrompeu alguns programas da era Bush, como o desaparecimento forçado de suspeitos para torturá-los em centros de detenção secretos da CIA. No entanto, frustrou esforços destinados a processar e julgar aqueles que ordenaram a tortura ou mesmo a investigar esses crimes. Em maio, Obama sugeriu que, em breve, ataques por drones não seriam mais tratados como parte da guerra global contra a al-Qaeda e suas afiliadas. Além disso, apresentou políticas rigorosas para evitar mortes de civis. Não está claro se essas políticas já estão sendo implementadas.

A indignação global após as divulgações feitas por Snowden provocou uma resolução da Assembleia Geral da ONU que trata a vigilância global indiscriminada como profundamente prejudicial aos direitos humanos. Um grupo de reforma do Executivo nos EUA pressionou pelo fim da coleta em massa de metadados, uma revisão judicial mais efetiva, maior transparência e proteção da privacidade de cidadãos não americanos. A resposta de alguns governos com históricos ruins em relação à proteção da liberdade de expressão pode ser insistir que os dados de usuários permaneçam dentro de suas fronteiras, possivelmente aumentando a censura na Internet.

Em 2013 houve avanços importantes nos organismos internacionais de defesa dos direitos humanos, segundo a Human Rights Watch apurou. O Conselho de Direitos Humanos da ONU impôs maior pressão sobre os responsáveis por graves violações de direitos, o que é ilustrado por novas resoluções sobre a Coreia do Norte e o Sri Lanka. Novos tratados também deram esperança para dois grupos extremamente marginalizadas: os trabalhadores domésticos, tradicionalmente excluídos da legislação trabalhista de muitos países, e os mineiros do mercúrio.

O Brasil tem desempenhado papel construtivo nas Nações Unidas em vários debates sobre respostas internacionais às principais crises de direitos humanos do mundo. Além de liderar esforços internacionais para garantir um controle efetivo internacional sobre a vigilância de comunicações em massa por parte de alguns países, o Brasil apoiou importantes resoluções do Conselho de Direitos Humanos sobre violações em países como o Irã e o Sri Lanka. Porém, essa atuação positiva do Brasil foi ofuscada pela decisão de não apoiar um chamado para que o Conselho de Segurança encaminhasse a situação da Síria ao TPI.

No plano interno, o Brasil tomou diversas medidas importantes para enfrentar violações crônicas de direitos humanos, criando, por exemplo, o Mecanismo Nacional de Combate e Prevenção a Tortura e alterando a constituição federal para fortalecer os direitos de trabalhadores domésticos.

Entretanto, muitos problemas persistem, como o uso ilegal da força por parte das forças de segurança e as condições desumanas e degradantes em delegacias e prisões. As mortes recentes num complexo prisional no Maranhão em dezembro de 2013 são parte de um problema muito mais amplo de violência no sistema penitenciário brasileiro. Em diversas ocasiões durante as manifestações nacionais contra a corrupção e serviços públicos inadequados, policiais usaram a força de forma desproporcional contra manifestantes.

“O Brasil tem assumido uma posição cada vez mais importante no cenário internacional e tem o potencial de desempenhar um papel ainda mais ativo para combater graves violações de direitos humanos”, afirmou Maria Laura Canineu, Diretora da Human Rights Watch Brasil. “O país também deve multiplicar esforços para cessar abusos no plano doméstico, como o uso excessivo da força contra manifestantes, execuções extrajudiciais e tortura”.

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