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(Washington, DC, 6 de setembro de 2012) – Segundo relatos de ex-detentos e documentos da CIA e do Serviço Secreto do Reino Unido recentemente descobertos, o governo dos Estados Unidos,durante a administração Bush, torturou opositores de Muammar Khadafi e depois os extraditou para a Líbia, onde sofreram maus tratos, afirmou a Human Rights Watch em relatório divulgado hoje. Um ex-detento alegou que sofreu uma simulação de afogamento e outro descreveu formas semelhantes de tortura com água, contradizendo alegações de autoridades do governo Bush de que apenas três homens sob custódia dos EUA teriam sido submetidos a simulações de afogamento.

O relatório de 154 páginas, “Entregues ao Inimigo: Os Estados Unidos lideraram Abusos e Extradições de Opositores de Khadafi para a Líbia,”se baseia em entrevistas realizadas na Líbia com 14 ex-detentos, muitos dos quais pertenciam a grupos armados islâmicos que militavam contra Khadafi há 20 anos. Muitos dos membros do Grupo de Combate Islâmico Líbio (GCIL) aderiram às forças anti-Khadafi apoiadas pela OTAN no conflito de 2011. Alguns dos que foram detidos e que teriam sido torturados quando sob custódia dos EUA agora ocupam postos chave na política e liderança do país.

“Os EUA não só entregaram a Khadafi os seus inimigos, mas ao que parece, a CIA torturou muitos deles primeiro” disse Laura Pitter, conselheira sobre contra-terrorismo da Human Rights Watch e autora do relatório. “O âmbito dos abusos cometidos pela administração Bush parece ser muito maior do que reconhecido anteriormente e ressalta a importância de uma investigação ampla sobre o que aconteceu.”

O relatório também se baseia em documentos – alguns dos quais pela primeira vez tornados públicos – que a Human Rights Watch encontrou abandonados em 3 de setembro de 2011 nos escritórios do ex-chefe de inteligência líbio Musa Kusa depois que Trípoli foi tomada pelas forças rebeldes.

As entrevistas e documentos estabelecem que após os ataques de 11 de setembro de 2001, os EUA, com ajuda do Reino Unidoe países no Oriente Médio, África e Ásia, prenderam e mantiveram detidos sem acusação vários membros do GCIL que viviam fora da Líbia e que depois foram extraditados ao governo líbio.

O relatório também descreve os abusos que cinco dos ex-membros do GCIL disseram ter sofrido em centros de detenção no Afeganistão administrados pelos Estados Unidos, provavelmente operados pela CIA. Há novas alegações de simulações de afogamento e outras torturas com água. Os detalhes são consistentes com outros relatos de primeira mão sobre esses centros administrados pelos Estados Unidos.

Outros abusos relatados pelos ex-detentos incluem serem acorrentados nus a paredes – às vezes em fraldas – em celas completamente escuras, sem janelas, por semanas ou meses; serem mantidos em posições dolorosas por longos períodos, forçados em espaços abarrotados; espancados e atirados contra paredes; mantidos em ambientes fechados por cerca de cinco meses sem banho; ter o sono negado com música alta e contínua.

“Eu passei três meses sendo interrogado e eles me submetiam a um tipo de tortura diferente a cada dia. As vezes eles usavam água, as vezes não… As vezes eles me despiam e as vezes me deixavam vestido,” disse Khalid al-Sharif, que afirmou ter sido detido por dois anos em dois centros de detenção diferentes administrados pelos EUA aparentemente operados pela CIA no Afeganistão. Al-Sharif é agora o chefe da Guarda Nacional da Líbia. Uma de suas responsabilidades é garantir a segurança dos centros que detem os presos considerados de maior valor da Líbia.

Os relatos dos detentos líbios contidos no relatório da Human Rights Watch não foram plenamente documentados porque aqueles que retornaram a Líbia ficaram presos até o ano passado, quando o levante civil levou a sua libertação. Além disso, o governo dos Estados Unidos não estava disposto a divulgar os detalhes sobre os centros de detenção secretos da CIA. Os relatos dos ex-detentos, os documentos da CIA encontrados na Líbia e alguns relatórios tornados públicos pelo governo dos EUA lançam nova luz sobre as práticas de detenção dos EUA durante a administração Bush mas também ressaltam a vasta gama de informação que ainda permanece secreta.

Apesar de provas esmagadoras de inúmeros abusos contra detentos sob custódia dos EUA desde os ataques de 11 de setembro, os Estados Unidos ainda não responsabilizaram nenhum funcionário de alto escalão. Apenas alguns militares de baixa patente foram punidos.

No dia 30 de agosto de 2012, o Procurador Geral dos EUA, Eric Holder, anunciou que a única investigação criminal do Departamento de Justiça sobre supostos abusos sob custódia da CIA, liderada pelo procurador especial John Durham, seria encerrada sem que ninguém fosse acusado criminalmente. Holder já havia diminuído o âmbito das investigações de Durham em 30 de junho de 2011, reduzindo a investigação original de 101 pessoas supostamente sob custódia da CIA para apenas duas pessoas.

Em ambos os casos, os detidos morreram – um no Afeganistãoe outro no Iraque. O inquérito também foi limitado pois somente analisava abusos que foram além dos que a administração Bush havia autorizado. Não cobriu atos de tortura, como a simulação de afogamento e outros maus-tratos que os advogados do governo Bush aprovaram, apesar de violarem o direito nacional e internacional.

“Os relatos de  líbios detidos pelos EUA e depois extraditados para a Líbia deixam claro que o abuso de detentos, inclusive os maus-tratos não necessariamente especificamente autorizados por funcionários da administração Bush, eram generalizados”, disse Pitter. “O encerramento do inquérito Durham, sem qualquer acusação, é um sinal de que abusos como os sofridos pelos detentos líbios serão tolerados.”

Após três anos investigando o programa de detenção e interrogatório da CIA,  a Comissão Especial de Inteligência do Senado (Senate Select Committee on Intelligence, SSCI), parece ter concluído seu relatório. A Human Rights Watch apelou à SSCI para que liberasse imediatamente o seu relatório com o mínimo de modificações possíveis, e que recomendasse que uma comissão independente e não-partidária investigasse todos os aspectos da política dos EUA sobre o tratamento de detentos.

“O governo dos EUA continua a exigir, e com razão, que países como a Líbia, a Síria e o Bahrain responsabilizem funcionários que cometem graves violações aos direitos humanos, inclusive a tortura”, disse Pitter. “Esse pedido teria muito mais peso se os EUA não estivessem, simultaneamente, impedindo a responsabilização de ex-funcionários que autorizaram a tortura.”

Desde a queda do governo Khadafi, diplomatas dos EUA e membros do Congresso se reuniram com alguns ex-detentos da CIA agora na Líbia. Os EUA tem apoiado esforços do governo líbio e da sociedade civil para superar o legado do passado autoritário do país. A Human Rights Watch instou o governo dos EUA a reconhecer o papel que desempenhou ao cometer abusos e em ajudar Khadafi a arrebanhar seus adversários exilados, a fornecer reparação às vítimas e a processar os responsáveis ​​por supostas torturas.

Um caso relatado anteriormente sobre o qual a Human Rights Watch descobriu novas informações é o de Ibn al-Sheikh al-Libi. A administração Bush justificou a invasão do Iraque em 2003, em parte baseando-se em declarações feitas por al-Libi, sob custódia da CIA. A CIA admitiu que estas declarações não eram confiáveis. Anos depois, os EUA transferiram al-Libi para a Líbia, onde ele morreu na prisão, em maio de 2009. Relatos de companheiros de al-Libi detidos no Afeganistão e na Líbia, assim como informações de sua família e fotos aparentemente tomadas no dia em que ele morreu, fornecem informações sobre o seu tratamento e morte, que as autoridades líbias afirmam ter sido suicídio.

Vários dos documentos que a Human Rights Watch descobriu na Líbia também mostram um alto nível de cooperação entre o governo de Khadafi na Líbia, os EUA e o Reino Unido nas extradições discutidas no relatório.

Os EUA desempenharam o papel mais amplo nas extradições para a Líbia. No entanto, outros países, principalmente o Reino Unido, também estavam envolvidos apesar destes governos ter ciência e reconhecerem que a tortura era comum durante o governo de Khadafi. Países ligados aos relatos de extradições incluem: o Afeganistão, o Chad, a Chinae Hong Kong, a Malásia, o Mali, a Mauritânia, o Marrocos, os Países Baixos, o Paquistão, o Sudão, a Tailândia, e o Reino Unido. Os entrevistados alegaram que funcionários em alguns desses países também abusaram deles antes de extraditá-los para a Líbia.

O direito internacional vinculativo sobre os EUA e outros países proíbe a tortura e outros maus-tratos em todas as circunstâncias e proíbe a extradição de pessoas para países em que eles enfrentariam sério risco de tortura ou perseguição.

 “O envolvimento de muitos países no abuso dos inimigos de Khadafi sugere que os tentáculos do programa de detenção e interrogatório dos EUA vai muito além do que anteriormente se sabia”, disse Pitter. “Os governos dos EUA e dos outros países que participaram em abusos de detentos devem prestar contas sobre os seus papéis.”

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