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(Joanesburgo) ­– Abusos das forças de segurança angolanas de imigrantes em situação irregular durante  expulsões de Angola são frequentes, incluindo violência sexual e outros tipos de tratamento degradante e desumano, anunciou a Human Rights Watch num relatório publicado hoje.

O relatório de 56 páginas intitulado “‘Se Voltarem, Vamos Matar-vos’: Violência Sexual e Outros Abusos Cometidos Contra Imigrantes Congoleses Durante as Expulsões de Angola” descreve um padrão alarmante de violações de direitos humanos cometidas por membros das forças de segurança angolanas contra imigrantes congoleses. Mulheres e raparigas, que são frequentemente detidas com os próprios filhos, têm sido vítimas de abusos sexuais, incluindo violações coletivas, exploração sexual e serem forçadas a testemunhar o abuso sexual de outras mulheres e raparigas. Espancamentos, tratamento degradante e desumano, detenções arbitrárias e a negação de um processo justo têm sido práticas comuns durante rusgas a imigrantes sem documentos e na prisão antes da deportação.

“Angola tem o direito de expulsar imigrantes em situação irregular, mas isso não justifica negar-lhes direitos básicos”, afirmou Leslie Lefkow, diretora-adjunta de África da Human Rights Watch. “Tortura, espancamentos, violações e outros tipos de tratamento cruel, desumano ou degradante violam não só a legislação angolana, mas também o direito internacional”.

As autoridades angolanas devem proteger os imigrantes dos abusos, controlar as forças de segurança, investigar as alegações de abusos graves e levar os responsáveis a tribunal, declarou a Human Rights Watch. O direito internacional e a legislação angolana exigem que Angola previna, investigue e puna de forma eficiente os atos de violência sexual, tortura e tratamento cruel, desumano ou degradante.

A Human Rights Watch entrevistou mais de 100 vítimas e testemunhas de abusos durante  expulsões do enclave de Cabinda e da província rica em diamantes de Lunda Norte para as províncias congolesas de Bas-Congo e Kasaï Ocidental em 2009 e 2011. A maioria destes imigrantes entra em Angola para trabalhar nas minas de diamantes aluviais ou em mercados informais.

Desde 2003, Angola tem vindo a levar a cabo expulsões em massa de imigrantes em situação irregular quase todos os anos, entre alegações recorrentes de graves violações de direitos humanos. Em 2011, de acordo com os cálculos das Nações Unidas, foram expulsos 100 000 imigrantes. Os abusos mais graves, incluindo atos de violência sexual, ocorreram em instalações de detenção. A vítimas identificaram responsáveis pelos abusos numa vasta gama de forças de segurança, incluindo vários braços da polícia, agentes do Serviço de Migração e Estrangeiros e as forças armadas. No entanto, as autoridades angolanas não levaram a cabo investigações exaustivas e credíveis às alegações e não moveram ações judiciais contra os autores dos abusos.

Mulheres e raparigas, a maioria das quais foi detida em mercados informais e em áreas residenciais, apresentaram à Human Rights Watch descrições consistentes de padrões de abusos sexuais e de quem as sujeitou aos abusos. A maioria dos abusos denunciados ocorreu em instalações de detenção na Lunda Norte, em prisões usadas como centros de trânsito em exclusivo para imigrantes. Vítimas disseram que, enquanto estiveram detidas, grupos de membros de várias forças de segurança exigiam repetidamente sexo às detidas e ameaçavam-nas com espancamentos ou a morte, ou ofereciam-lhes alimentos em troca. As condições de detenção frequentemente aterradoras – celas sobrelotadas e falta de alimentos, água potável e saneamento – contribuíram para pressionar as vítimas a submeter-se à exploração sexual.

As crianças testemunhavam frequentemente abusos sexuais cometidos contras as próprias mães e outras detidas. Uma mulher congolesa de 27 anos, expulsa em junho de 2011, descreveu o seu calvário na prisão de Condueji em Dundo: “Éramos 73 mulheres e 27 crianças na cela. Estavam constantemente a incomodar-nos para termos sexo com eles. As mulheres aceitavam devido ao sofrimento. Não havia nada para comer ou beber, nem água para nos lavarmos. Ás vezes, traziam bolachas para as crianças, mas só para as mulheres que aceitassem ter relações sexuais com eles”.

Outra mulher que esteve detida na mesma prisão em junho de 2011 disse: “Éramos 57 mulheres e 10 crianças numa cela. Apareciam homens a toda a hora, noite e dia, a pedir sexo às mulheres. Vinham em grupos de três ou quatro. Violavam algumas mulheres. Tudo isto acontecia na mesma cela. As crianças viam tudo e choravam muito. Eu resisti e um agente da polícia deu-me pontapés na barriga”.

A Human Rights Watch também ouviu relatos de várias vítimas e testemunhas oculares de espancamentos, tortura e tratamento degradante e desumano sistemáticos durante rusgas, o transporte para as instalações de detenção e na prisão. A maioria dos imigrantes disse à Human Rights Watch que foi detida arbitrariamente por oficiais angolanos em rusgas generalizadasou em operações de porta em porta, sem lhes ter sido mostrado um mandado de detenção ou dada a oportunidade de pôr em causa a sua detenção.

O governo angolano tem negado e desvalorizado as alegações de violência sexual, tortura e tratamento degradante ou desumano durante as expulsões, apesar das preocupações levantadas pelas Nações Unidas, a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e organizações internacionais e locais desde 2004. Em resposta às preocupações expressas durante visitas a Angola pela relatora especial do Secretário Geral da ONU para a violência sexual contra mulheres em conflitos, Margot Wallström, e pelo Secretário Geral da ONU, Ban Ki-moon, em 2011, o governo angolano comprometeu-se a cumprir as suas obrigações internacionais durante expulsões de imigrantes em situação irregular. No entanto, Angola ainda não ratificou a Convenção contra a Tortura e a Convenção dos Trabalhadores Migrantes, apesar das promessas que fez quando se candidatou a membro do Concelho de Direitos Humanos da ONU em 2007, e novamente em 2010.

As expulsões em massa de imigrantes de Angola continuaram em 2012. De acordo com as autoridades da RDC, as forças de segurança angolanas expulsaram mais de 5000 imigrantes nas duas primeiras semanas de março só do enclave de Cabinda e da cidade de Soyo. A 23 de março, naquele que foi um incidente particularmente grave, três imigrantes congoleses morreram na Cadeia Civil de Cabinda, por alegada asfixia numa cela sobrelotada. Esta cadeia já é usada como uma prisão de trânsito para imigrantes há muitos anos.

Advogados em Cabinda disseram à Human Rights Watch que a polícia abriu uma investigação à alegada responsabilidade de três funcionários do Serviço de Migração e Estrangeiros pelas três mortes. No entanto, também disseram que as vítimas foram sepultadas imediatamente após a autópsia médica, sem que as autoridades tivessem permitido o acesso de advogados à morgue ou até informado as respetivas famílias.

“Responsabilizar os autores destas mortes recentes na prisão é um passo dado na direção certa”, afirmou Lefkow. “Mas as autoridades ainda têm de realizar uma investigação adequada e indemnizar as centenas de outras vítimas. Sem que os autores dos abusos sejam levados a tribunal, não há garantia contra futuros abusos”.

 

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